19 - UM DIA NA DELEGACIA


19 - UM DIA NA DELEGACIA 


- Mas como não tem nenhuma pista, Duarte?

- Estou falando, seu Leôncio... o homem desapareceu no mundo. Ninguém mais ouviu falar dele...

- Não tem como um vivente desaparecer desse jeito...

- Como não? Ele simplesmente se embrenhou pela mata... sabe Deus que direção ele tomou...

- Mas já faz quase um mês que o maldito fugiu...

- É por isso que as coisas  estão mais difíceis... se no dia já não era fácil encontrar o cabra, imagina um mês depois...

- Não tem como colocar uns homens atrás dele?

- Está brincando comigo, não? Não tenho gente nem para patrulhar o arraial...

- E se eu pagasse um grupo para ir atrás dele?

- Sinceramente? Não ia dar certo... os cabras iam pegar seu dinheiro, iam gastar em cachaça e depois iam te dizer que não encontraram ninguém...

- Mas tem que ter um jeito...

- Zé Cardoso disse que vai atrás do vivente...

- E acha que ele vai ter sucesso onde você falhou?

- Pode até conseguir... afinal, ele e seu grupo viajam muito por esse sertão, conhecem muita gente... de repente, podem até encontrar o fulano...

- Eu queria matar esse cabra com as minhas próprias mãos....

- E o que o senhor ganhava com isso?

- Vingava a morte da minha única filha...

- O senhor ia preso, e ela não voltava à vida. Não, seu Leôncio... o melhor é deixar a lei cuidar disso. O que tiver que ser, será...

- Isso não é justo....

- E desde quando a vida é justa, seu Leôncio?

- Tinha que ter um jeito de achar aquele cabra...

- Jeito, sempre tem... por exemplo... o nome dele era mesmo Zé Ferreira? Zé Ferreira de que? Ele tinha família? De onde ele veio? Prá onde será que ele foi? Com certeza, pra sua terra de origem, mas onde é isso?

- Você sabe que a gente nunca pergunta de onde veio esse povo... a gente precisa de braço forte pra  cuidar do gado e da lavoura... e, fora as famílias, os vaqueiros que aparecem geralmente são largados na vida e a gente não fica especulando muito sobre seu passado...

- E no final, o que acontece?  Tragédia, como a que se abateu sobre sua família...

- E o que que eu faço, Duarte?

- Tenha paciência. Uma hora o safado paga por seu crime, tenha certeza...

E Leôncio saiu da delegacia, nada satisfeito com o resultado da conversa. Seu desejo era de que o delegado reunisse um grupo e continuasse caçando Zé Ferreira. Ele sabia que o representante da lei estava certo, não resolveria nada saírem atrás do sujeito sem nenhuma pista, mas o orgulho falava mais alto... 

Duarte ficou pensativo, sentado frente à papelada que estava sobre sua mesa. Não bastava os casos estranhos que tinha que resolver, ainda tinha esse passional... bem, pelo menos era um caso "normal", onde ele sabia quem havia cometido o crime e como a vítima fora assassinada. Iria pegar o autor? Dificilmente, visto que, sem saber de onde o sujeito viera, ficava complicado deduzir para onde provavelmente ele iria... sem contar que, sem conhecer o passado da pessoa, não dava para imaginar quais seriam seus próximos passos...

- Pensando na vida, delegado?

- Doutor Alberto... estava pensando justamente no senhor...

- Nenhum novo defunto misterioso, espero...

- Graças a Deus, não! Aqueles dois já são o suficiente para mim...

- E porque o senhor estava pensando em mim?

- Bom, eu sei que o senhor gosta de resolver mistérios...

- Depende...

- E o pessoal da Capital está caindo na minha alma por causa daqueles dois defuntos...

- Mas porque?

- Aconteceram mais cinco casos parecidos nas cidades perto daqui...

- Parecidos com qual dos dois?

- Com os dois... dois casos de vísceras sumidas e três casos de cadáver sem sangue...

- Não ouvi nada sobre isso...

- É que o pessoal lá da Capital está fazendo as investigações no maior sigilo... não querem espalhar o pânico entre o povo...

- Mas não era melhor que as pessoas soubessem o que está acontecendo? Para poder se proteger?

- Mas é esse o problema, doutor... se proteger do que? Imagina só as pessoas começarem a olhar umas para as outras com medo de se aproximar... já pensou quanta desgraça ia acontecer? Seria pior do que o que está havendo...

- É, o senhor tem razão... mas o que isso tem a ver com eu "gostar de resolver mistérios"?...

- Bom, eu preciso entregar um relatório para minha chefia lá na Capital, explicando tudo o que aconteceu por aqui naqueles dias...

- E...?

- E eu precisava de sua ajuda, prá não escrever besteira nesse relatório... não quero ninguém vindo por aqui perguntando sobre coisas que não sei responder...

- Mas é simples, delegado... aquele infeliz morreu de leucemia... 

- Tá certo, eles podem até engolir essa resposta para o segundo caso... mas como você explicaria o primeiro?

Doutor Alberto ficou calado... realmente, não tinha como explicar o sumiço das vísceras do primeiro cadáver... até agora tentava entender como extraíram todos os órgãos do infeliz sem lhe causar um único ferimento...

- Eu não posso simplesmente dizer em meu relatório que o sujeito foi atacado por um "papafigo"... iam gozar da minha cara até o fim dos tempos...

- Eu sei... minha reputação como médico iria para o buraco e com certeza eu seria demitido... sinceramente, delegado... porque não diz que o corpo apresentava um corte no abdomen?  Isso explicaria a ação  de um louco....

- E o seu relatório sobre o caso? Da autópsia?

- Foi o que eu coloquei lá... ou o senhor acha que eu ia dizer que o corpo não apresentava nenhum ferimento?...

- Mas não apresentava...

- Eu sei... mas desenterra o defunto hoje e procura a marca do ferimento prá ver... ele já apodreceu, não guarda nenhuma marca de facada ou seja do que for...

Os dois homens se calaram. Duarte pensou e chegou à conclusão de que o médico estava certo. Prá que ficar procurando pelo em ovo?

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