29 - UM DIA NA CAMPINA

 

 


29 - UM DIA NA CAMPINA

Zacarias estava preocupado com as meninas. Afinal, por que elas decidiram que iriam caçar um foragido da justiça? Se elas fossem pessoas de briga e tal, como se diz, ele até entenderia. Mas, não, as duas eram pacatas. Até então, o máximo de ação que elas ousaram foi quando se perderam à noite na mata, quando tinham ido buscar lenha. Graça sempre foi uma menina centrada, nunca fez qualquer coisa que denotasse um espírito aventureiro. Nem brigar ela sabia... pelo menos ele nunca a viu às turras com quem quer que fosse. O mesmo se aplicava à sua filha Maria. Medrosa ao extremo, não gostava nem de caminhar à noite pelas cercanias do vilarejo... e de repente, isso... as duas colocam uma arma na cintura, outra arma pendurada na sela de um cavalo... e simplesmente saem cavalgando pelo campo, procurando sabe-se lá o quê... bom, ele sabia exatamente o que as duas queriam... o prẽmio oferecido pelo fazendeiro Leôncio pela captura de Zé Ferreira. Mas será que elas imaginavam que seria simples capturar o sujeito? Ele deixou sua filha partir naquela aventura sem futuro, mas tinha medo de que ela acabasse se machucando nessa brincadeira que, de engraçada, nada tinha. Se ele não tivesse como norma deixar seus filhos crescerem por conta própria, para aprenderem com seus erros, com certeza não teria deixado Maria partir. Bem, não tinha muito que pudesse fazer por agora, a não ser rezar e pedir que a Providência Divina cuidasse de sua pequena... estava absorto em seus pensamentos, e não viu Juca se aproximar. Quando este o interpelou levou um susto e quase caiu do tronco onde estava sentado...

- O que aconteceu, menino?

- O senhor está bem?

- Porque a pergunta?

- É que por pouco o senhor não leva um tombo...

- Nada, não, menino... eu estava aqui pensando com meus botões e não te vi chegar, foi isso...

- Preocupado?

- A gente sempre tá preocupado com alguma coisa... a vida é assim...

- Bom, então tem mais uma preocupação para o senhor...

- O que foi, agora?

- O pasto sul...

- Que é que tem...?

- Arrebentaram a cerca e...

- E o que?

- Levaram pelo menos umas vinte cabeças de gado...

Zacarias dá um salto e se põe de pé. Toda a letargia que o dominava até a poucos instantes se foi como um passe de mágica, e seus sentidos se colocaram todos em alerta.

- Já avisou o seu Nardi?

- Não... vim direto ver o senhor...

- Então faz assim... reune uns dez peões... os melhores no manejo da arma... depois manda o Tonhão avisar seu Nardi e depois ir prá vila avisar o delegado... 

- Tá bom... mas e os peões?

- O que tem eles?

- O senhor pediu prá eu escolher os melhores atiradores...

- Sim...

- E depois?

- Como assim, e depois?

- O que a gente faz?

Zacarias estacou, de repente. Não era possível que Juca estivesse falando sério... afinal, se roubaram o gado, se ele pediu para reunir um grupo, o que o peão achava que era prá fazer em seguida?

-  Você quer mesmo que eu responda?

Vendo a cara fechada do chefe, Juca entendeu a mensagem...

- Fica tranquilo, seu Zacarias... a gente vai pro pasto...

- Melhorou...

E enquanto Juca se afastava, Zacarias ficou parado, olhando seu pupilo e ficou na dúvida se ele realmente não tinha entendido suas instruções ou estava brincando... se fosse o segundo caso, com certeza o rapaz havia escolhido uma péssima ocasião. Se fosse o primeiro... era melhor nem pensar! Zacarias caminhou até o pasto e escolheu um dos cavalos que ali estavam. Arreiou o animal e depois seguiu para sua casa. Tinha que pegar as ferramentas de trabalho, antes de partir para a caçada. Sim, pois uma nova caçada iria se iniciar... não podiam deixar os ladrões se darem bem em sua empreitada, pois o risco de acharem ser fácil  de roubar Santa Helena era grande e, se se acostumassem... bem, ele não deixaria que se acostumassem.

- Prá que essa pressa toda, homem de Deus?

- Acabaram de roubar gado, Rosário... a gente vai atrás deles...

Zacarias entrou na casa, pegou seu cinturão, completou as balas que faltavam, verificou as armas... resolveu que iria levar os dois revólveres, desta vez... guardou-as nos coldres, afivelou o cinto e pegou seu rifle de repetição. Por precaução, pegou uma caixa de munição para o rifle e outra para os revolveres, guardou-os no alforje, voltou a montar e partiu rumo às pastagens. Rosário ficou vendo a figura de seu esposo desaparecer no horizonte e uma nuvem de preocupação cobriu seu rosto.... 

Não passou meia hora e os peões convocados por Zacarias chegaram, com Juca à sua frente. Como havia pedido, Tonhão se dirigira à cidade, para avisar o delegado. Seria bom se ele viesse acompanhar o grupo, mas Zacarias não contava muito com isso. De qualquer forma, esperaria até que Tonhão voltasse do arraial para começarem a perseguição aos ladrões. Enquanto esperavam, começou a examinar o terreno, procurando possíveis pistas dos larápios... não que não desse para ver para onde tinham ido... na verdade, ele queria entender de onde vieram...

Mais uma hora depois,  a figura de uns cinco cavaleiros aparecia no horizonte. Zacarias nem acreditou muito no que via... à frente do grupo estava Tonhão, é claro. Seguido de perto, vinha o delegado e dois ajudantes, o Zico e o Léu... e mais um sujeito que ele nunca tinha visto antes por aquelas bandas. Mais um par de minutos e o grupo alcançou o pessoal de Zacarias. Todos desmontaram e o delegado foi ter com o chefe do grupo, apresentando a este o desconhecido. É claro que Zacarias ficou feliz ao saber que tinha mais um agente da lei ao seu lado... afinal, sabia que teria que deixar as armas falarem quando encontrassem o grupo... isso se encontrassem... e era bom ter alguém que pudesse atestar o uso proporcional da força...

O estranho conversou com Zacarias durante alguns minutos, perguntando a este detalhes sobre o ocorrido. Zacarias simpatizou com o sujeito, pois ele parecia entender realmente do riscado do campo. Depois de algum tempo todos montaram e sairam em perseguição ao grupo, tendo Zacarias e o novo delegado à frente... ainda não tinham se apresentado formalmente, então Zacarias não sabia que estava falando com o lendário Justiceiro, que a muito havia desaparecido daquelas plagas... de qualquer forma, não pôde deixar de notar a indumentária negra que o delegado usava, nem o lenço vermelho amarrado no pescoço... e os revólveres baixos denotavam uma pessoa com destreza no uso das armas...



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