31 - DEPOIS DA TEMPESTADE


31 - DEPOIS DA TEMPESTADE


- O que faço com eles, Delegado?

- Como assim?

- A gente prendeu eles... mas o que é que eu faço, agora?

- Não é obvio? Abre o processo contra eles, oras...

- Isso é muito bonito no papel, Delegado Vicente... mas nem juiz a gente tem nessas redondezas...

- E não é só requisitar um na Capital? Existe um Juiz Itinerante... é só chamar...

- Mas onde vou deixar esses cabras?  Nem cela a delegacia tem...

- Como assim?

- É, Delegado...a gente não tem onde deixar os prisioneiros...

- Alguma cidade próxima daqui com cadeia?

- A mais perto fica a dois dias de viagem...

- Mas como é que designam um delegado para uma cidade que nem cadeia tem?

- Com todo respeito... como é que eu vou saber? Me mandaram vir para cá, eu vim... o resto não é comigo....

- E o senhor nunca foi atrás disso? Cabia ao senhor tomar as providencias...

- Negativo... a minha função era manter a cidade sem encrencas... e isso eu sempre fiz.... 

Vicente fica pensativo.... como não havia notado que a delegacia não tinha dependências para abrigar os prisioneiros? Isso realmente era um problema... mas teria que haver uma solução... depois de alguns minutos pensativo, Vicente voltou a falar com Duarte...

- Qual a fazenda mais próxima?

- Por que?

- Ora, é simples... a maioria das fazendas ainda conserva suas senzalas... em uma situação como essa, a gente pode requisitar o local e instalar os prisioneiros lá...

- Bom, a mais perto é a Santa Helena, do "seu" Nardi... mas eu acho que faz muito tempo que ele derrubou a senzala que tinha lá...

- Não custa nada a gente verificar, não é? Afinal, o gado que roubaram era dele mesmo...

Duarte balançou a cabeça... não gostou muito da idéia...e se os vaqueiros da fazenda resolvessem justiçar os ladrões? Afinal, controlar a raiva dos homens ao ver seu companheiro ferido não foi uma tarefa muito fácil... eles queriam acabar com os bandoleiros ali mesmo! E agora esse Delegado mequetrefe queria deixar os homens à mercê de suas vítimas? Isso era, no mínimo, loucura.... não se guarda as galinhas na casa das raposas...

- Sei o que você está pensando, Duarte... mas se a gente quer mudar a maneira das pessoas pensarem sobre o que é justiça, tem que começar por algum lugar... além disso, tem outra solução melhor?

Duarte continuou calado. Não, ele não tinha uma solução melhor. A idéia do Justiceiro era a única viável naquele momento. Diabos, ele iria correr atrás dos vereadores da cidade cobrar a construção de uma cadeia para o povoado o mais rápido possível, para não passar por esse perrengue uma segunda vez... estava andando de um lado para o outro pela sala, então parou e encarou Vicente... 

- Doutor, me diga uma coisa...

- Pode falar... mas chega dessa história de doutor... eu não sou médico....

- O que foi que aconteceu lá na beira do rio?

- Como assim?

- Bom... a gente estava conversando, sentado naquele tronco caído...

- Sim...

- Bom, até aí, tudo bem...  eu não entendo o que aconteceu depois...

- E o que aconteceu depois, Duarte?

- Aquela... mulher... pelo menos eu acho que era uma mulher.... que saiu da água e veio em nossa direção....

- O que tem ela?

- Diabos, Delegado... eu nunca senti tanto medo na minha vida como senti naquele momento...

- Sei... e?...

- É isso que eu não entendo! O que era aquilo, por todos os diabos?

- Bom, o que te pareceu que era?...

- Sei lá... uma assombração?...

- É isso o que o senhor acha?

- Esse é o problema... eu não sei... nem tenho certeza se vi mesmo aquilo...

- Bom, se isso te serve de consolo... a gente viu a aparição, mesmo...

- E...?

- E ela só não nos atacou por causa dos amuletos que Pai João nos deu...

- E...?

- E aquela era a "Encantada"... eu não sei o que ela quer por essas bandas... 

- E o que ela ia querer, além do sangue das pessoas?

- Eu não sei, delegado... é isso que a gente tem que descobrir...

- E como é que a gente vai conseguir?

- Eu não sei... nesse momento, só sei de duas coisas... a gente descobre o que aquela criatura quer com o seu povoado ou descobre uma forma de destruí-la... e, vai por mim... é mais fácil descobrir o que ela quer...

- O senhor já enfrentou esse tipo de coisa, antes?

- Uma "Encantada"? Não, até hoje, não... mas já encontrei outros seres do além... e posso te dizer uma coisa... se estão aqui, é porque tem alguma conta para acertar... nem eles gostam de ficar em nosso plano... não é confortável para as almas que já estão em outra dimensão de existência...

- Mas ela está matando pessoas...

- Eu sei... mas não é por vontade própria... reparou no semblante dela?

- Sim... 

- Ela não tinha o desejo de nos atacar... eu diria até que ficou aliviada quando foi repelida pelo poder dos amuletos...

- É, mas por pouco não janta a gente naquela hora...

- Duarte, Duarte... tem que aprender a ver além das aparências... entenda uma coisa... as almas do outro lado não tem interesse nenhum em ficar em nosso plano... com essa "Encantada" é a mesma coisa... ela está matando? Sim, está... e vai continuar matando até que a gente descubra um jeito de mandá-la de volta para o lugar ao qual ela pertence...

- Que seria?

- Como é que eu vou saber, Duarte? Isso a gente vai ter que descobrir...

E Vicente deu a conversa por encerrada. Duarte reuniu seus ajudantes, pegaram os prisioneiros e tomaram o caminho de Santa Helena... talvez a fazenda tivesse algum lugar que servisse de alojamento para os prisioneiros, enquanto esses esperavam a chegada o Juiz que iria julgar seus crimes... ele só esperava que o pessoal da fazenda não resolvesse castigar os bandidos por conta própria... mas aí... isso já fugia de suas mãos, afinal a idéia tinha sido do Delegado Federal....


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