18 - NA BEIRA DA TUIA


18 - NA BEIRA DA TUIA



 Embora estivessem de viagem marcada para o dia seguinte, Zé Cardoso e seu grupo resolveram participar de um arrasta-pé que haveria em uma fazenda próxima de Santa Helena. Juca foi convidado para tocar na festa, e convidou a comitiva para se divertirem um pouco, antes de pegar a estrada novamente. Afinal, a vida na lida de gado não era fácil, e oportunidades de se distrair eram escassas, uma vez que o vaqueiro tem que  estar sempre atento, para não ser pego de surpresa pelas circunstâncias que podem ocorrer durante a viagem. E lá pelas tantas, vestindo a melhor roupa que tinham em seus alforges, cabelo penteado, bota lustrada, lá foram eles, acompanhando o pessoal de Santa Helena para se divertir. Claro que carregavam suas armas consigo, afinal não era muito inteligente deixá-las no acampamento...  vai que alguma dessas armas resolvesse passear enquanto seu dono estivesse fora... era raro acontecer de alguém subtrair pertences de outros, mas facilitar a vida dos amigos do alheio nunca foi uma boa ideia. E assim lá foram, estrada afora, brincando, fazendo piadas e cantando também, porque não? Em dado momento da caminhada, Zé Cardoso puxou de seu violão e, mesmo montado, começou a tirar umas notas do instrumento. Vendo isso, Juca não quis ficar para trás, e sacou de sua viola e começou a acompanhar o amigo. Logo os dois estavam entoando canções enquanto cavalgavam junto com seu pessoal.  Claro que tal proeza exigia uma destreza extra dos dois tocadores de viola, mas anos de experiência na estrada facilitavam seu feito...

Embora nunca tivessem cantado juntos antes, seu dueto era perfeito. E os amigos que os acompanhavam de vez em quando faziam coro às vozes dos dois. Depois de umas duas horas de cantoria finalmente chegaram na Fazenda do Lagedo, onde a festa aconteceria. A turma de mais ou menos uns trinta cavaleiros foi seguindo em direção à tuia, onde a festa aconteceria. Tonhão foi o primeiro a apear, seguido por seus companheiros. Seu Leôncio, o anfitrião, já os levou para comer e beber alguma coisa, enquanto ouviam os violeiros que já estavam animando a festa. Claro que Zé Cardoso e Juca se aproximaram dos cantadores, com seus instrumentos já afinados... afinal, vieram cantando pela estrada toda. Chiquinho, o cozinheiro, havia trazido sua sanfona e se preparava para acompanhar os amigos em suas performances. Quando viram p sanfoneiro chegando, a dupla que estava cantando o convidou para acompanhá-los em uma canção. Chiquinho não se fez de rogado e executou em seu instrumento "Saudade de Matão", uma de suas músicas favoritas. A dupla não fez feio, seguindo o sanfoneiro em seus voleios com o instrumento. Aliás, o violeiro também fazia misérias com seu ponteado na viola, não ficando a dever nada ao sanfoneiro. E a turma que estava na tuia para dançar estava simplesmente maravilhada com Chiquinho e seu instrumento.

Rosinha, a filha de Leôncio, se encantou com Zé Cardoso. Afinal, ele era um homem bonito. Alto, cabelos começando a pratear, olhos de um negro profundo como anoite sem luar, riso fácil, mas um rosto que podia mostrar-se duro, dependendo da situação. E tinha uma voz que fazia as moças sonharem com o paraíso, quando começava a cantar. Zé notou o interesse da moça. Não estava interessado em alvoroçá-la ainda mais, mas não custava cantar algumas modas para homenagear a pequena, não é mesmo? E, acompanhado por Juca e Chiquinho, desfilou valsas, toadas, cururus, todos falando de amor e paixão, enquanto fitava a pequena, que se sentia a musa inspiradora de seu pretendido. Sim, a festa estava boa. Mas tudo que é bom...

Zé Ferreira, um dos vaqueiros de Lagedo, era apaixonado por Rosinha e, embora ela não desse a menor importancia para ele, embora jamais tivesse dado a menor abertura para que este se sentisse como qualquer coisa sua, o vaqueiro não permitia que ninguém se aproximasse da garota. Gênio violento, possessivo ao extremo... aliás, esse era um dos motivos que faziam com que Rosinha não quisesse nada com o rapaz.... Zé Ferreira ameaçava qualquer um que tentasse se aproximar da garota. E não viu com bons olhos a troca de olhares entre sua amada e o violeiro recém chegado. No começo ainda ficava em seu canto, remoendo os ciúmes que o corroíam por dentro. Mas conforme a noite ia avançando e o teor alcoólico em seu sangue ia aumentando, a fúria contra aquele violeiro abusado, que oferecia canções à sua amada, ia aumentando. Até que...

Sem nenhum tipo de aviso, sem dar o menor sinal de sua fúria, em certo momento Zé Ferreira avançou contra Zé Cardoso e jogou um copo de cachaça em seu rosto. Cardoso não esperava por isso e ficou sem reação por alguns instantes. Ato contínuo, Ferreira desferiu um soco contra seu adversário. E aí a confusão começou. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu durante a confusão. O que contam é que, depois de algum tempo, quando todos estavam se engalfinhando pelo espaço onde todos deveria estar se divertindo, um estrondo semelhante a um trovão se ouviu. Todos ficaram paralisados na hora.  E o corpo sem vida de Rosinha estava caido no chão, e Zé Ferreira, incrédulo, olhava para todos sem compreender exatamente o que acontecera... em sua mão, o revolver que acabara de tirar a vida da menina que tinha tantos sonhos a realizar e cujo único pecado, nessa noite, foi se encantar pelas canções de um violeiro desconhecido... 

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