A TAÇA DE CRISTAL Capítulo Cinquenta e Seis


 

A TAÇA DE CRISTAL

 

Capítulo Cinquenta e Seis

 

Nos últimos dias Cecília sentia-se na beira de um precipício. Sempre fora centrada, racional... mas sua situação com seu ex a estava tirando do sério. O pior é que nem mesmo uma medida protetiva podia solicitar, uma vez que, até o momento Ricardo não fizera nenhum tipo de ameaça...

Seu estado de espírito refletia-se em seu desempenho profissional. Há algum tempo sua supervisora a percebera irritadiça, nervosa... sempre prestes a explodir, embora procurasse se controlar ao máximo. Mas dava para sentir sua tensão... tanto que, depois de ponderar muito sobre o assunto, sua chefe imediata a chamou em seu escritório...

- Cecília, a quanto tempo está trabalhando conosco?

- Uns três meses, senhora...

- Certo...na verdade, hoje fazem oitenta e cinco dias... daqui a cinco dias você completa seu período de experiência...

- Sim...

- Vou te fazer uma pergunta...

- Pode fazer...

- Gosta de trabalhar aqui?

- Claro que sim... é o melhor emprego que já tive...

- Certo... de minha parte, você está mais que aprovada... mas...

- Mas..?

- Tem alguma coisa te incomodando...

- Não é nada relacionado ao serviço, senhora...

- Eu sei... mas se você não conseguir resolver isso, vai acabar interferindo em seu desempenho profissional...

- Isso quer dizer...

- Quer dizer que vou falar francamente... por mim, eu ficaria contigo em meu grupo, mas...

- Mas...?

- Mas eu sigo ordens... e a diretoria resolveu não renovar seu contrato...

- Entendo...

- É como eu disse... te acho uma excelente profissional...

- Mas, ainda assim, vai me demitir...

- Infelizmente...

Cecília ficou em silêncio, pensando em tudo o que estava acontecendo... mais uma coisinha para colocar na conta de seu ex... afinal, era graças a ele que não havia sido aprovada em seu novo emprego...

- Ceci, você tem que relaxar...

- Relaxar, como, Helena? Quando eu penso que está tudo bem...

- Eu te entendo, irmã... mas, convenhamos... ultimamente você está uma pilha só...

- Mas... olha só... eu fiz meu trabalho com todo zelo, com todo carinho...

- Eu sei... e, pelo que disse, sua ex chefe reconheceu isso...

- E de que adianta reconhecer, se no final acabou me demitindo?

- Irmãzinha, eu te conheço e sei o quanto você é estourada... brigou com alguém no escritório?

- Não... quer dizer... tive um pequeno bate boca com uma colega semana passada...  mas não foi nada tão grave, assim...

- Tá... em seu período de experiência você discute com uma colega do escritório, e acha que isso não é nada demais...

- E não era, mesmo...

- Quer que eu te dê um conselho? Já que está desempregada, vai passar uns dias no interior... talvez o ar das montanhas te deixem mais leve...

- Acho que você tem razão... de qualquer forma, eu teria que tomar uma decisão, mesmo...

- Então... o destino acabou por decidir por você...

E as duas pegaram as panelas que estavam manuseando na cozinha,onde haviam preparado seu jantar... arroz, feijão, um bife para cada uma, uma salada de tomate... Degustaram seu jantar em silencio, cada uma perdida em seus próprios pensamentos. Após terminarem a refeição, juntaram a louça e as panelas e foram para a pia, para lavá-las... continuavam em silencio. Helena olhou para a irmã...

- Que foi, Lena?

- Estava pensando... acho que, para você, as coisas estão caminhando de maneira satisfatória...

- Como?...

- Pensa bem... você estava pensando se ia ou não sair da cidade...

- Sim, mas...

- Bem, pelo menos agora você pode decidir ir ou não, sem ter que abrir mão de alguma coisa...

- Não sei por que, mas acho que você está tirando uma da minha cara...

- Não, é sério... de repente um tempo fora da cidade é tudo o que você precisa...

- Sei lá... eu preferia estar empregada...

- Mas não está... lembre-se... ou você põe a luva e não usa o anel, ou você usa o anel e não põe a luva...

- Lá vem você com a Cecília de novo...

- Vê que legal? Até o nome dela é o mesmo que o seu...

E assim as duas foram conversando e brincando, até chegar a hora que o sono as pegou...  Helena estava cansada, então dormiu rapidamente... Cecília já estava mais preocupada com o rumo que a sua vida estava tomando... e isso a fez ficar mais tempo desperta. Mas o sono sempre vence, não é mesmo? E, mesmo sem perceber, ela também terminou nos braços de Morfeu...

Cecília sentiu-se estranha... era como se não fosse ela a caminhar por aquele local... mas caminhava, em passos firmes... em seu devaneio, se via vestida de vaqueira, calça rancheira, botas de cano longo, blusa de manga comprida, um lenço no pescoço, chapéu... e até um cinturão?  Não tão longe de onde estava, um cavalo baio pastava tranquilamente... E era em sua direção que ela seguia. Quando o animal a viu, veio ao seu encontro, em um passo lento. Automaticamente  ela sacou as armas que estavam nos coldres, verificou as câmaras... as armas estavam carregadas...e as guardou, novamente. Montou no animal e saiu em trote lento, pois não tinha pressa... a paisagem lhe trazia uma certa paz de espírito... seguia em direção as montanhas que se projetavam a sua frente. Em certo momento freou sua montaria, apeou e começou a examinar o chão, como se estivesse a procura de alguma coisa... internamente achou estranha sua atitude... afinal, ela nem gostava tanto assim de filmes de caubói... e lá estava ela, toda a caráter... e procurando pistas no meio da vegetação... em dado momento pareceu ter encontrado alguma coisa. Sorriu. Olhou para todas as direções, montou novamente, mas desta vez saiu a galope... depois de algum tempo avistou ao longe uma silhueta. Instigou sua montaria a ir mais rápido, pois pretendia alcançar quem quer que estivesse à sua frente. Quando a pessoa que ela perseguia percebeu sua aproximação, tratou de apressar sua montaria, até desaparecer perto de um paredão que  surgia próximo das montanhas que se avizinhavam. Ela parou no ato... desmontou e começou a esgueirar-se por entre a vegetação, sempre atenta ao ponto em que sua caça desaparecera. Percebeu um brilho entre as pedras, puxou de seu rifle e... acordou! Sentou-se na cama, rindo do sonho que acabara de ter... caçadora de homens?  Não faltava mais nada com o que sonhar...

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