A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Quarenta e Nove


A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Quarenta e Nove


Cecília caminhava despreocupadamente pela rua, quando alguém bateu de leve em seu ombro. Ao virar-se, levou um susto... Era Ricardo que estava ao seu lado...

-  Oi, Ceci...

- Ricardo... que surpresa...

- Espero que seja uma boa surpresa...

- Tenho certeza de que  você não quer ouvir a minha resposta...

- Ok, entendi o recado...

- Mesmo?

- Sim... você não gostou de me ver por aqui...

- Não podia estar mais certo...

- Mas... porque?!

- A nossa história se encerrou, Ricardo.

- A gente precisa conversar sobre isso....

- Não, não precisa...

- Ceci, eu te amo... nunca deixei de te amar...

- Olha, nem vou me dar ao trabalho de te responder... o que você está querendo?

- Não parece óbvio? Quero voltar com você...

- Vai sonhando...

- Ceci....

- Entenda uma coisa... nosso caso acabou... descobrir a sua traição foi só o detalhe final, a pá de cal sobre nosso relacionamento...

- Ceci... você é a mulher de minha vida...

- Mas a recíproca não é verdadeira...

- Você quer dizer...

- Não quero dizer nada... só que acabou tudo.

- Você... está com outro?

- E se estivesse? Sou livre, desimpedida...

- Como assim, livre? Você ainda é casada comigo...

- Mas logo deixarei de ser... já dei entrada no pedido de divórcio...

Ricardo ficou mudo por alguns segundos... não podia acreditar no que acabara de ouvir. Cecília olhava para ele, olhar de pena... sim, tudo havia acabado para eles e não haveria retorno. Não, se dependesse dela,  pelo menos...

- Cecília...

- Desculpa, Ricardo, mas estou com um pouco de pressa... a gente se vê por aí...

E com essas palavras Cecília deu por encerrada a conversa, dando de ombros ao seu ex e acelerando os passos, para fugir dele. Ricardo ficou parado, surpreso com a atitude de sua ex...  mas não era de se estranhar... afinal, ela dizia sempre o que pensava, não se importando muito se as pessoas gostavam ou não do que ouviam... quando ele saiu de seu estado de torpor, Cecilia já se havia perdido entre as pessoas da multidão.    

Cecília tratou de pegar o primeiro ônibus que passou, tudo para desaparecer o mais rápido possível daquele local... de todas as pessoas do mundo, a única que ela não queria ver nem pintado de ouro era Ricardo. Era a terceira vez em uma semana que ela esbarrava nele, e a segunda em que os dois conversavam. O que a fez sair rapidinho de perto de seu ex foi a cara que ele fez quando perguntou se ela tinha outra pessoa em sua vida. Não, ela não tinha ninguém e nem pensava em arrumar alguém para compartilhar seu destino. Por ora estava muito bem sozinha...

Uns cinco pontos depois, ela desceu do ônibus. Não havia risco de se encontrar com ele, não essa noite, pelo menos...  mas tinha uma coisa que ela não entendia... ninguém, além dela e de Helena, sabia  que nesta tarde ela estaria naquele local... estava procurando uma escola para se especializar em alguns pontos  e por isso tinha ido para aquela região... bem, tomaria mais cuidado, para não cruzar com ele, novamente. Pelo menos tinha certeza de que ele jamais apareceria em seu local de trabalho... afinal, para ele, Cecília trabalhava como vendedora... nem poderia imaginar que agora ela estava trabalhando em um escritório, executando um serviço burocrático... Finalmente chegou ao ponto de encontro, onde Helena a aguardava...

- O que aconteceu, Ceci? Porque essa cara de brava?

- Se eu te contar, você não vai acreditar... 

- Conta... depois eu digo se acredito ou não...

- Encontrei outra vez com o Ricardo...

- Por aqui? Mas...

- É, foi o que eu pensei... como é que a gente foi se esbarrar novamente? Nem estamos na região onde trabalho...

- De repente ele tinha alguma coisa para fazer por aqui, ué...

- Mas, o quê? A reunião de Alcoólicos Anônimos dele fica perto do meu emprego, a dez quilômetros daqui...

- Calma, Ceci... você disse que não ligava prá ele...

- E não ligo... mas é que não gostei de como ele reagiu quando falei que não temos nada um com o outro, e que dei entrada no divórcio... 

- Ele... te ameaçou?

- Não... mas fez uma cara que me deixou um pouco preocupada...

- Sério? Por quê?

- De repente me lembrei dos seus sonhos...

- Calma, menina... 

- Estou tentando... mas só a visão dele me deixa alterada...

Helena ficou quieta... qualquer coisa que falasse naquele momento não iria acalmar sua irmã... ao contrário, poderia deixá-la mais nervosa... afinal, desde que começara com seus pesadelos, eles se repetiam dia após dia... e isso a deixava agoniada. As duas entraram no carro e helena o pôs em movimento. Ainda estavam em silêncio, apenas olhando a paisagem que se modificava a medida que o carro avançava. Até que Cecilia começou a falar...

- A maior burrada que eu fiz foi ter retornado...

- É o que você acha?

- Não. Mas independentemente do que eu acho, essa sem dúvida foi minha maior burrada. Afinal, lá onde eu estava, ficava bem protegida...

- Tenho minhas dúvidas, Ceci...

- Por quê?

- Bem, se ele realmente estiver disposto ate encontrar, ele vai te encontrar, não importa onde você esteja...

- Por quê está dizendo isso?

- Para que você esteja preparada...

- Não sei o que eu faço...

- Quer um conselho? Viva a vida o melhor que puder...

- Dizer é mais fácil que fazer...

- E você acha que eu não sei disso? Mas essa é a principal recomendação de minha psicóloga para mim...

- E você consegue seguir?

- Nem sempre...

- Bem vinda à vida real, Helena... 

- Bem, o negócio é seguir em frente...

E as duas silenciaram, novamente. Cada uma se perdeu em seus pensamentos, mergulhando no âmago dos sentimentos contraditórios que afloravam... de repente toda a preocupação de dias atrás voltou à tona... e aquele medo irracional simplesmente explodiu, trazendo à tona todo pavor que achavam estar a muito enterrado no fundo de sua psiquê...

E adivinha para onde elas foram, para se acalmar, ouvindo palavras de conforto? Isso mesmo, para a casa de seus pais... precisavam com urgência conversar com o senhor Mario. Mas... bem, Mario havia saído mais cedo, pois tinha algumas coisas a resolver no interior do Estado. Assim sendo, teriam apenas dona Janete e Estela para conversar. E isso acabou deixando-as ainda mais desanimadas do que já estavam... mas... pior do que estava não dava para ficar.

- Oi, mamãe...

- Nossa. que milagre foi esse, de vocês aparecerem aqui, assim?

- A gente estava com saudades...

A bebê, assim que ouviu a voz de Helena, veio correndo... engatinhando, na verdade... até a sala, pedir colo para a tia. De pronto, Helena a pegou. E aquela energia limpa e positiva que toda criança emana tornou seu coração mais leve... ela sentiu-se reconfortada, simplesmente com a criança em seu colo...

- Estou terminando de fazer o jantar... Cecília, me ajuda? Em três, vamos mais depressa... 

- Em três?!

- Sim... a Helena está com a Sissi no colo, então não pode dar uma mão. Mas você  não tem nada que te impeça, não é mesmo?

Cecília simplesmente acompanhou a mãe. Preferiu não dizer nada, mesmo porque sua mãe estava certa. E de repente, ajudando a mãe e a irmã na cozinha poderia ajudar a se desestressar  um pouco... logo a mesa estava posta, e as quatro se serviam... entre um bocado e outro, Janete tentava descobrir o que teria levado sua s filhas até sua casa naquele dia.  Mas as duas falavam sobre tudo, menos aquilo que realmente interessava a ela. E se havia um defeito que Janete não conseguia disfarçar, era a curiosidade...

- Meninas... eu sei que vocês não gostam de comentar seus problemas comigo... 

- Que é isso, mãe?

- Estou falando a verdade... quando seu pai está aqui, não param de falar nem um minuto. Hoje, que ele teve que viajar, isso aqui está parecendo um velório...

- Imagina... não é nada disso...

- Então, o que é?

- É aquele traste do Ricardo...

- Seu marido?!

- Ex marido, mãe... ex marido...

- Para Deus não existe isso de ex, menina... o casamento é um sacramento para a vida toda...

- Mamãe...

- Mas é verdade, Cecília... você está vivendo em pecado mortal... deveria voltar para junto dele, como manda a Lei Divina...

- Mãe, entenda de uma vez... a única coisa que eu quero daquele traste é distancia...

- Mas eu...

- Mãe, se insistir nesse assunto, levanto da mesa e vou embora agora...

Janete ia responder, quando fitou o rosto de Cecilia... ao perceber que sua filha falava sério, resolveu ficar quieta. E assim permaneceu até o final da refeição...

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