A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Cinquenta e Quatro


A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Cinquenta e Quatro 


Helena estava andando por um lugar totalmente desconhecido para ela. A relva verde a perder de vista, mesclada com alguns pontos coloridos devido às flores que apareciam de vez em quando, dava um ar de certa tranquilidade ao lugar... mas, de tempos em tempos ela sentia certos arrepios, como se pressentisse que algo de muito ruim pudesse acontecer... e isso quebrava todo o encanto que tal paisagem pudesse ter sobre ela... a quanto tempo já estava caminhando por ali? Ela não saberia precisar... aliás, nem se lembrava em como fora parar naquele lugar. Não sabia como havia chegado ali... a única coisa que poderia afirmar com certeza é que estava sozinha... alguma força a havia atraído para aquele local. E tudo o que ela podia fazer era obedecer ao chamado...

Depois de algum tempo de caminhada, ela notou uma certa mudança na paisagem... já não estava tão aprazível quanto antes. O mar à sua frente já não era tão verde... as folhas das gramíneas tinham agora um tom acastanhado... e a muito deixara de avistar as flores pelo campo. Até mesmo o perfume que a momentos atrás dominava todo o ambiente a muito dera lugar para um odor desagradável, misto de enxofre com ureia... e quanto mais ela avançava, mais esse perfume desagradável se tornava forte. Ah, sim... o céu, que até a pouco era azul, de repente tornava-se cinza, deixando a sensação de abandono muito mais forte do que ela gostaria...

Mas o que é que ela estava fazendo ali mesmo? Não conseguia encontrar a resposta. Mas sabia que era algo de extrema importância... o caminho a sua frente tornava-se sujo e pedregosos. Folhas secas forravam toda a sua extensão, e ela poderia jurar ter visto serpentes  se escondendo entre as folhagens... bem,  esse era um animal que ela realmente temia... mas apesar do pavor que sentia, continuou sua caminhada. A sua frente se iniciava uma floresta de arvores ressequidas pelo tempo, dando um ar lúgubre ao local....

- Só falta uma coruja começar a cantar nos galhos das árvores...

Ela pensou e logo em seguida ouviu-se o triste lamento de uma coruja em algum ponto daquela floresta tétrica na qual ela se embrenhara. Ao longe, grasnidos de corvos podiam ser ouvidos. Não demorou muito e algumas dessas aves começaram a acompanhá-la, junto com alguns abutres. Seu corpo gelou. O pavor tomou conta de sua alma. Mas ela sentia que sua senda estava longe de terminar, tinha que continuar sua caminhada rumo ao desconhecido...algo importante estava para acontecer, e ela tinha que saber o que era... se pelo menos tivesse alguém ao seu lado para conversar... a caminhada não seria tão solitária e triste, assim... e lá ia Helena, passos lentos, mas firmes e decididos ao encontro de seu destino...

Depois de mais algum tempo de caminhada um rio apareceu a sua frente. Para atravessá-lo, havia uma ponte... feita de ossos. Se antes ela estava com medo, o pavor aumentou, e muito. Mas ela não podia recuar... tinha que seguir em frente. E, devido ao sentimento de urgência que sentia por todo o seu ser, fechou os olhos e iniciou a travessia. Mas olhos fechados não eram suficientes para diminuir o medo que sentia... na verdade, apenas os ampliava. De repente começou a ver espectros fantasmagóricos dançando ao seu redor... não era uma sensação agradável. Para tentar mitigar a sensação ruim que sentia, começou a desfiar todo o rol de orações que conhecia... foi então que lembrou-se das palavras de seu pai... "uma oração de proteção contra os maus espíritos tem que vir de sua alma... não adianta você usar uma fórmula pré concebida! As palavras tem que nascer de sua alma, compreende?"... e então começou a fazer um pedido do fundo de seu coração... pedia para que aquelas manifestações a deixassem em paz, e abriu os olhos. Continuava a caminha pela ponte de ossos, mas aquele medo irracional que sentira a poucos momentos anteriores já não era tão forte....

A ponte e o rio a muito ficaram para trás... os obstáculos apenas aumentavam, conforme sua caminhada avançava. Agora não eram somente pedras espalhadas ao longo de seu caminho... havia vários buracos, várias depressões ao longo da jornada... Helena já começava a se sentir fatigada, o cansaço começava a dominá-la... então, não muito longe, avistou um muro...  sua jornada estava chegando ao fim... mas por que fora induzida a seguir até este local?  Bem, em breve iria descobrir...

Quando finalmente chegou ao local sua sensação de mal estar somente aumentou, pois descobriu que estava na porta de uma Necrópole... mas, em nome de Deus, o que ela estava fazendo ali,  naquele local? E por que se sentia compelida a entrar naquele lugar? Ela evitava ao máximo ir a cemitérios... e, no entanto... era como se não tivesse escolha. Sentia que deveria entrar, pois algo importante estava guardado lá dentro... era algo que não gostaria de ver, mas tinha que faze-lo... e assim, mesmo hesitante,  atravessou os portões de Hades...

Seguiu pela alameda principal, até chegar em um mausoléu... o anjo triste que adornava a porta do mesmo a deixou ainda mais deprimida do que já se sentia... mas sabia que não tinha escolha, e entrou no recinto... esperava atravessar um emaranhado de teias de aranha, mas, surpreendentemente, estava tudo limpo e brilhante. O altar das oferendas ostentava uma toalha de linho branco, mas tão branco que chegava a ofuscar a vista. Os vasos de flores as traziam frescas e perfumadas, como se tivesse acabado de ser colhidas... sim, apesar do lugar inusitado, não se poderia dizer que era lúgubre... não, decididamente, não era um lugar sinistro...
Estava a moça perdida em seus pensamentos, quando sentiu a mão de alguém pousando em seu ombro. Virou-se lentamente e não se surpreendeu ao rever um rosto querido e conhecido... era Oscar, que a muito havia partido...
- Vamos nos sentar, Helena?
- Vamos... você queria falar comigo...
- Não... não fui eu quem convocou a sua alma... na verdade, foi o contrário... você me chamou de volta a este plano...
- Eu te chamei?! E onde estamos?
- Estamos no limbo, também conhecido como Purgatório... a muito deixei este local... apenas retornei porque você me chamou...
- Eu... eu juro que não...
- Seu chamado veio de seu coração, Helena. De qualquer forma, eu tenho que te dizer uma coisa... não vou poder te ajudar...
- Me ajudar? Como assim?
- Você veio até a mim porque está com um problema e deseja resolvê-lo... mas o destino já determinou como tudo irá acontecer... e não há como mudar o curso da vida...
- Não estou entendendo...
- Infelizmente não posso fazer nada... o que está escrito irá se cumprir...
- Mas... e o livre arbítrio?
- Há coisas que você pode fazer... e há coisas que fogem de seu controle...
Helena sentiu um choque ao ouvir essa palavras... tudo começou a girar em sua volta... um grito de desespero saiu de sua garganta...
- Helena... Helena... o que aconteceu? Outro pesadelo?
Ela sentou-se na cama, ainda sem entender muito bem onde estava. Então, aos poucos, foi se localizando... estava em seu quarto. Apenas assentiu com a cabeça...  Cecília a observava, preocupada...

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