A TAÇA DE CRISTAL Capítulo Cinquenta e Dois


 A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Cinquenta e Dois


Fazia já um bom tempo que Estela não saia de casa sozinha. Estava sempre acompanhada de sua filhinha. Mas naquela manhã precisou sair cedo, e deixou a pequena dormindo, aos cuidados de sua mãe. quando atravessou a praça que ficava quase em frente à sua casa estranhou ao perceber um rosto conhecido, que procurava se esquivar, como se quisesse passar despercebido. Como estava realmente com pressa, fingiu que não percebeu a ação da pessoa, e seguiu em frente. Tinha hora marcada no Ginecologista e já estava um pouco atrasada...

Mais tarde, já em casa, resolveu comentar com sua mãe sobre o fato ocorrido. Mas no ultimo momento, lembrando como sua mãe tratava certos assuntos, achou por bem ficar quieta, e conversar com seu pai à noite...

Eram oito horas, quando Mario chegou, acompanhado por Cecília e Helena. As duas irmãs resolveram passar pela repartição onde seu pai trabalhava e deram sorte, pois ele ainda não havia saído... estava terminando o atendimento de um cliente. Seguiram os três juntos para a casa de seu Mario... ultimamente as duas estavam indo direto para lá e quase sempre passavam a noite com seus pais. Tanto que Janete até já deixava o quarto das duas arrumado, e sempre tinha uma muda de roupas limpas para elas... os três chegaram conversando alto, brincando, fazendo piadas. Quando viram Estela com ar sério, estranharam. Tudo bem que ela não vivia aos risos o tempo todo, mas também não era uma pessoa sisuda, como estava agora. Estela dirigiu-se diretamente para Cecília...

- Ceci, acho que você deve se cuidar...

- Por quê?

- Adivinha quem eu vi hoje de manhã, ali no banco da praça...

- Não faço ideia...

- Claro que faz... eu vi o seu ex... ele também me viu, mas disfarçou, pensando que eu não o notei...

- Ah, essa não! O que ele estava fazendo ali?

- Esperando o ônibus é que não era...

- Papai, o que eu faço?

Mario estava pensativo.  O que poderia dizer para Cecília? Ele mesmo estava preocupado, mas não podia demonstrar isso para a filha.

- Bom... de repente ele estava esperando o ônibus, sim... afinal, ele é motorista... vai que foi escalado para trabalhar em alguma linha da redondeza... 

- Ah, pai...dá um tempo... aqui no bairro não tem ponto inicial de linha nenhuma...

- Calma... o que eu quis dizer é que, de repente, ele teve que vir fazer alguma coisa aqui no bairro...

- Tipo me espionar, por exemplo...

- Que imaginação, minha filha! Por que ele iria fazer isso?

- Porque iria?  Boa pergunta, papai...

- Filha, você não pode viver sempre com medo. Aí sua vida acaba virando um inferno! Não há nada pior que uma pessoa paranoica...

- O senhor acha que sou paranoica, papai?

- Ainda não... mas se você começar a ver fantasmas em todos os cantos, com certeza ficará...

- Sabe, papai... eu não queria falar isso... mas na ultima vez que conversei com o Ricardo... bem... eu...

- O que houve, filha?

- Ele me  deu medo...

- Como assim? Ele te ameaçou?

- Não...

 - Te agrediu?

- Não, nada disso... mas... o modo como me olhou...

- O que tinha?

- Sei lá... tinha um brilho estranho no olhar... não sei explicar... mas me deixou arrepiada... sinceramente, fiquei com medo....

Bem, o que Mario podia falar para sua filha, para deixá-la tranquila? Que ela não corria nenhum tipo de perigo? Isso seria temerário de sua parte. Por outro lado, até o momento o rapaz não tinha tomado nenhuma atitude que justificasse qualquer tipo de ação por parte deles... sim, Mario estava bastante preocupado. Mas, como eu disse anteriormente, procurava não demonstrar seu estado para as filhas, até para que estas se acalmassem... na verdade, no momento atual, a única pessoa da família que não se preocupava com a situação vivida por Cecília era Janete. Para ela, a solução seria a moça  cohabitar novamente com seu marido... isso resolveria tanto os problemas mundanos quanto os espirituais. Entenda, não é que Janete morresse de amores por seu genro. Na verdade, ela tinha até uma certa ojeriza por ele. Mas, na sua cabeça, a filha havia feito uma escolha perante Deus e os homens, e esse laço seria simplesmente indestrutível e qualquer tipo de tentativa de rompê-lo poderia terminar em algum tipo de desgraça, tanto físico quanto espiritual... claro que ela evitava externar seus pensamentos com tanta frequência quanto logo no começo da separação... afinal, a família em peso tratou de deixar bem claro que não estava interessada em seu ponto de vista religioso... ainda assim, quando a oportunidade aparecia, ela costumava dar suas alfinetadas na filha, dizendo-lhe que, se perdoasse o marido e voltasse para o seu lado, tudo se ajeitaria, pois estaria conforme os mandamentos da Santa Igreja...

- Visitou seus sogros hoje, Estela?

- Sim... depois que voltei da consulta. Antes de vir para casa, dei uma passadinha por lá...

- E como eles estão?

- Bem, Helena... é como eu disse... eles estão passando por alguns apertos. E, se não se cuidar, acho que seu Geremias vai acabar na cama, novamente...

- Ele estava lá?

- Não. tinha ido fazer um bico em um de seus clientes. Mas, pelo que dona Isabel contou, ele não anda nada bem de saúde....

- É... todo mundo tem seus problemas... uns, um pouco mais grave, outros, nem tanto... mas que todos temos nossos galhos para resolver... ah, isso temos... 

- Sabe que às vezes fico com remorso?

- Remorso de que, Estela?

- Sei lá... às vezes penso que, se não tivesse pressionado tanto o Jairo como pressionei, talvez ele estivesse vivo ao nosso lado...

- Tira esse tipo de pensamento da cabeça, irmã... é perigoso pensar dessa maneira. Se não, daqui a pouco você vai dizer que a Selene também é culpada pelo passamento do pai dela...

- Sua irmã tem razão, filha. As coisas acontecem quando tem que acontecer. Nós não temos nenhum controle sobre isso. O que aconteceu com Jairo foi uma fatalidade. era o destino dele...

Janete chamou a família para a sala de jantar. A mesa estava montada, e como sempre, o cheiro delicioso de sua comida fazia com que a fome de todos aumentasse. O cardápio da noite contava com arroz de forno cremoso, medalhão de frango com bacon e batata gratinada... além de uma salada para acompanhar. Foi o momento em que todos os problemas sumiram de seus pensamentos. Com aquela comida, não tinha como pensar em nada, a não ser apreciá-la... 


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