A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Quarenta e Oito


 

A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Quarenta e Oito

 

- Dona Olga...

- Que foi, Roseli?

- Acho que está na hora de eu procurar outro canto para morar...

- Por quê?

- Bem, esta é a casa do Ricardo...

- Desde quando? 

- Ele é seu filho, mora com a senhora...

- Está brincando, não? Ele só está com a gente porque ainda não se recuperou... mas logo, logo, vai pegar estrada novamente...

- A senhora acha?

- Menina, ele saiu de casa com quatorze anos...

- Não foi quando se casou, não?

- Até parece... olha, não se preocupe... assim que se sentir bem, ele volta para sua casa. Pode confiar...

- De repente ele mudou de ideia... vai que ele resolve morar com a senhora...

- Vai sonhando...

Dona Olga estava rindo... afinal, seu filho só vinha esporadicamente visitá-la. Tudo porque estava sempre "ocupado"... e ela conhecia bem o filho que tinha. Já havia notado uns sinais de que muito em breve ele alçaria voo novamente. E, se Roseli resolvesse ir embora, ficaria sozinha de novo...  e não era seu desejo ficar sem com quem conversar, trocar ideias... além disso, sua netinha era muito importante em sua vida, no momento...

- Pode ficar tranquila, Roseli... no máximo em quinze dias ele vai embora...

As previsões de dona Olga se concretizaram bem antes do que esperava. Três dias depois da conversa que tivera com Cecícia, Ricardo voltou para sua casa de mala e cuia, como se costuma dizer. Arrumou suas coisas, deu uma olhada no recinto... Roseli havia cuidado de tudo durante sua convalescença... e instalou-se no sofá, como fazia na época em que morava com Cecícia... e ficou pensativo, decidindo o que iria fazer de sua vida. Bem, no dia seguinte começaria a procurar uma nova colocação... não poderia permanecer por mais tempo desempregado. Se possível, gostaria de continuar como motorista de ônibus. Se não fosse, pegaria o que aparecesse. Mas o sentimento de urgência começou a importuná-lo. Era pouco mais de duas da tarde. Resolveu ligar para seu ex-chefe... talvez ele pudesse ajudá-lo. Afinal, sempre se deram tão bem...

Sete horas da manhã, e lá estava Ricardo, em uma fila razoável para fazer um teste em uma nova empresa... claro que ele estava ali por indicação, mas havia vários candidatos para as vagas de motorista, que a empresa estava contratando.  Próximo da oito um fiscal passou recolhendo as carteiras de trabalho e as cartas de habilitação. Os que fossem escolhidos nessa primeira seleção iriam fazer o teste prático, antes de qualquer outro definido pelo R.H.... assim já expurgavam aqueles que não se encaixassem no perfil exigido para a vaga.

Já estava próximo das cinco da tarde. A bateria de testes e exames não dava sinal de que estivessem no fim. Em todo caso, dos quase cem candidatos do início do dia, restavam menos de dez que escaparam da peneira. O último obstáculo agora, para ser admitido, era o exame de saúde.  Ele estava tranquilo, pois tinha certeza de que sua saúde estava perfeita...

Os ponteiros do relógio acusavam sete horas da noite quando Ricardo finalmente se dirigia para sua casa... no dia seguinte deveria levar os documentos solicitados para que o registrassem e ele começasse a trabalhar... estava feliz! Agora era só manter a cabeça no lugar e parar de fazer besteira...

Nesta noite Ricardo deitou-se cedo e logo adormeceu... estava cansado da maratona do dia. É claro que a maratona do dia seguinte seria mais leve... ele só iria assinar seu contrato de trabalho com a empresa. Provavelmente iniciaria na próxima segunda feira. Como estavam na quinta feira, isso lhe dava mais três dias de descanso, antes de  iniciar a rotina de viagens intermináveis... 

Roseli não queria admitir, mas ficou realmente aliviada quando seu ex finalmente saiu da casa de  sua mãe... ela não se sentia muito a vontade com ele por perto. Certo, os dois conversavam apenas o essencial e ele jamais foi desrespeitoso, mas algo entre eles se quebrara... aquela magia que existia quando eram apenas amantes se desfez quando foram morar juntos. Bem, ela era a intrusa, pois ela estava morando na casa da mãe de seu ex, mas a sua quase sogra realmente fazia questão de sua presença na casa. Claro que para ela era o paraíso na terra, pois não só tinha uma pessoa de confiança cuidando de sua filha como ainda tinha um teto sobre sua cabeça, sem correr o risco de ser despejada de uma hora para a outra. Na verdade, dona Olga a tratava como uma filha. E até mesmo a mimava, digamos assim. Alguns dias ela chegava e descobria que a senhora havia preparado seus pratos favoritos... agora ela chegava, a casa estava sempre arrumada, seu único trabalho era entrar debaixo do chuveiro, trocar de roupa, jantar e depois curtir sua filhinha... sim, depois de muito sofrer na vida, finalmente se sentia acolhida. Claro que às vezes se sentia meio constrangida por estar morando ali e recebendo o amor que deveria ser dirigido a Ricardo... mas ele mesmo dispensara os cuidados da sua mãe... e ela acabou agraciada pelo amor represado da velha senhora! Como contrapartida ela fazia o que podia para recompensar o carinho recebido. Em suas folgas pegava a filhinha e a sua avó e iam as três passear em um parque, um cinema, um shopping.... quando dava, faziam pequenas viagens a lugares um pouco mais distantes... sim, ela estava finalmente se sentindo acolhida...

Até mesmo na lavanderia onde trabalhava as pessoas notaram sua mudança de humor... antes um pouco pensativa, preocupada com o amanhã e o agora, atualmente vivia feliz, e isso se refletia inclusive no seu desempenho profissional. Como estava despreocupada com as coisas que ocorriam ao seu redor, conseguia concentrar-se em seu trabalho de tal forma que, se antes seu trabalho era impecável, agora seria simplesmente perfeito. Seu gerente percebeu sua mudança e a chamou em sua sala, comunicando-a de que logo passaria pelo treinamento para liderança de uma das equipes... claro que a notícia a deixou feliz, pois isso representava não só um reajuste salarial razoável como significava que brevemente ficaria livre de trabalhar nos finais de semana. Quer dizer, ainda trabalharia um final de semana por mês, mas agora sua carga horária seria de segunda a sexta feira... sim... de certa forma, o fim do casamento do Ricardo com a Cecília foi bom para ela... não do jeito que esperava, mas no final das contas, de uma forma muito melhor... 

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