A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Cinquenta


 

A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Cinquenta

 

Mario estava na rodoviária de Caçapava. Tinha alguns assuntos profissionais a resolver na região  e aproveitou para visitar seus pais. Também visitou outros parentes... primos e tios. Agora estava pronto para retornar ao seu lar. Três dias na cidade fizeram com que a saudade de seu lar ficasse incrivelmente forte... não via a hora de rever suas menininhas... e a saudade por Janete era ainda mais forte... queria ouvir sua voz reclamando que o mundo estava perdido, que nada na vida tinha mais jeito... sim, ele simplesmente amava sua esposa, mesmo que ela sempre retrucasse que não acreditava em suas palavras...

Finalmente o ônibus encostou na plataforma...intimamente ele começou a rir... por dentro, mentalmente, mas ria... porque o riso? O nome da empresa... Pássaro Marron... carro vermelho, com um grande pássaro estilizado em preto e dois tons de cinza... bem, já havia sido pior... por algum tempo era branco e vermelho, e embora tivesse o nome, nada no carro lembrava um pássaro, marrom ou de outra cor qualquer. Começou a lembrar-se de quando era criança e ia com seus pais para Aparecida nos carros da Pássaro Marron... naquela época a cor padrão da frota realmente era marrom... era uma pintura estilizada simples, com marrom e bege, com as letras cursivas em vermelho. Sim, os carros realmente eram lindos... verdade  que os modelos monobloco da Mercedes deixavam qualquer pintura bonita, pois os carros em si eram muito bonitos... ele gostava de um, em particular ... era o modelo 352, e os carros receberam o nome de O Poderoso... ele achava esses os carros mais lindos da empresa... bem, como eu disse, o carro encostou na plataforma, entregou seu bilhete para o motorista e tomou seu assento. Por acaso, ficou na janela... do lado da rodovia. Poderia apreciar os vários modelos de ônibus e as pinturas das empresas, além da paisagem... Esqueci de dizer que Mario simplesmente amava os ônibus... em sua juventude quase ingressou no transporte público, mas uma experiência de alguns meses em uma empresa de ônibus o fez compreender que gostar de uma coisa e trabalhar com ela não é a mesma coisa... preferiu continuar como apaixonado por ônibus mas optou por seguir outra profissão... vendedor de máquinas agrícolas, ramo no qual permanecia até os dias atuais...

Depois de umas duas horas mais ou menos, finalmente chegou no Terminal Rodoviário Tietê. Tratou de pegar o Metrô logo em seguida e pouco mais de uma hora depois, finalmente chegou em sua casa. Quando entro na sala de jantar e viu  as quatro mulheres no maior silêncio, logo deduziu...ou Helena ou Cecília falaram alguma coisa que cutucou a língua de Janete, ela falou o que não devia e acabou criando o clima que ele agora presenciava...

- Mas que silêncio é esse, pessoal? Até parece um velório...

- Todas se voltaram para a voz que encheu a sala. Cecília levantou-se de seu lugar como se impulsionada por uma mola...

- Papai... 

E o abraçou forte, apertando-o tanto que ele quase perdeu o fôlego...

- Calma, calma... eu cheguei... mas se você não se importa, pretendo jantar... depois você me amassa, está bem?

Cecília riu... foi buscar um prato para seu pai, que nesse meio tempo se ajeitou em um dos cantos da mesa... acabou ficando ao lado do lugar ocupado por Cecília...

- E então, meninas? Se comportaram bem durante minha ausência?

- Eu nem sabia que o senhor tinha ido viajar...

- Foi de repente, Helena. Um cliente de Taubaté precisava de uma assistência e aí tive me me deslocar para lá... aproveitei para rever meus pais e alguns parentes, que moram na região...

- E como estão?

- Seus avós? Mais firmes que nós quatro juntos, graças a Deus...

- Isso é muito bom...

- Concordo... o velho Batistinha, por exemplo... já beirando os noventa e continua fumando igual a uma locomotiva, bebendo cachaça igual gambá... mas continua firme e forte tal e qual um guatambú...

- Continua bebendo sem controle?

- Ué... já viu algum bêbado que se controle? Depois da primeira dose vem a segunda, terceira...quando o sujeito vai ver, já acabou com todo o estoque do alambique...

- Ele continua produzindo cachaça lá no sítio?

- E prá você acha que ele mantem aquele canavial? pra enfeitar a serra?

- Quer dizer que o senhor vai herdar no futuro um alambique...

- Quem, eu? Não, não... a Rute continua morando no sítio com o marido e os filhos. Nada mais justo que, quando seus avós partirem, ela continue a administrar o lugar com a sua família...

- Sério isso?

- Claro que sim, Janete. Já te falei mil vezes que aquele lugar é de meus irmãos... eu não quero nada dali...  

- Eles nunca fizeram nada por você...

- Nem eu por eles... mas enquanto eu corria o mundo atrás de meu futuro, continuaram ali ao lado de meus pais, quebrando o costado para fazer aquela terra produzir. Não seria justo de minha parte tomar aquilo que é deles por direito...

- O senhor está parecendo com a Cecília, papai...

- Por quê?

- Ué... ela também não quer pegar sua casa de volta, porque acha que o Ricardo precisa dela mais que a própria Cecília...

- Mas é isso mesmo, Helena... a gente não pode ser egoísta... se alguma coisa não nos faz falta, devemos ceder para quem precisa mais que nós...

- Conversa fiada! Aquele sítio vale um bom dinheiro, assim como a casa de Cecília...

- Nem tudo na vida se resume em dinheiro, mamãe... eu concordo com o papai... o tio Pascoal e a tia Rute nunca saíram daquela terra... se casaram, criaram seus filhos naquele pedaço de chão. Tomara que demore muito ainda para isso acontecer, mas quando chegar a hora, nada mais justo que as duas famílias continuem no comando do sítio, que nem é tão grande assim...

- Além disso, numa possível divisão do lugar, acabaríamos tendo que vender a propriedade. Há muitos urubus que já rondam a carniça, mas se depender de mim, o sítio continua com a família...

Todos ficaram em silêncio por alguns instantes... então Mario volta a falar.

- E por aqui, alguma novidade nesses quatro dias em que me ausentei?

- Nada, papai... o de sempre. Como o senhor costuma dizer, "nada de novo no front"...

- E você, Estela? Não fala nada?

- É que não tenho muito para falar, papai...

- Ué, então fala um pouco... mas fala alguma coisa. Afinal, Cecília, Helena e até a sua mãe já falaram... você é a única que não disse uma palavra desde que eu cheguei...

- Bem, ontem fui visitar os pais do Jairo...

- E como eles estão?

- Seu Geremias não anda muito bem, não... acho que ele ainda não estava bem quando voltou a trabalhar...

- Entendo....

- A Marcela conseguiu uma vaga como "Pequeno Aprendiz" em um escritório, mas o que ela recebe como estagiária é pouco...

- Estão passando necessidade?

- Dizem que não... mas dá para ver que as coisas estão bem difíceis para eles...                                                           

- Depois vou fazer uma visita para eles...

- E...

- São os avós e tia de sua filha... são da nossa família... se precisam de ajuda, temos que estender a mão. Não é mesmo, Janete?

- Sim, você tem razão... 

E terminaram sua refeição em silêncio. Janete e Estela recolheram as louças e talheres do jantar e foram para a cozinha, Helena continuou a brincar com a pequena Selene e Cecília começou a conversar com seu pai, falando de seus temores reacendidos. Mario ouvia tudo em silêncio, com ar compenetrado. No final, deu alguns conselhos para a filha, sobre como ela deveria agir para garantir sua segurança... um pouco mais tarde, todos se recolheram para dormir. Sim, Cecília e Helena pousaram na casa de seus pais, nessa noite…

 

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