A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo sete
A TAÇA DE CRISTAL
Capítulo sete
Estela tem dezessete anos. E,
por ser a caçula em uma família de três irmãs, se acha no direito de ser “a
princesa da casa”. Afinal, seus menores caprichos são atendidos por seus pais.
Suas irmãs é que não gostam muito da história, mas… e daí? Helena, oito anos
mais velha, é muito chata. Vive querendo dar ordens a ela… até parece que iria
obedecer sua irmã, mesmo. A ultima das duas foi uma briga por causa de uma
blusa de Helena que ela usou para sair com Jairo, seu namorado. Que carnaval
Helena fez quando a viu chegar em casa usando aquela blusinha azul com babados
na manga, coisinha mais linda, meu Deus… Ficou perfeito, pensou Estela, quando
a vestiu…ficou melhor em mim do que fica para ela, pensou. E, sem pensar muito,
vestiu a blusa favorita de Helena e saiu com o namorado para irem ao cinema. E
então, quando chegaram…
Quando Helena viu a irmã
chegar, usando sua roupa sem permissão, praticamente voou sobre esta.
Quando sua mãe percebeu a
discussão acalorada que se fazia, correu para fora para ver o que estava
acontecendo. E viu Helena agredindo Estela. E aquilo estava errado, afinal
Helena era muito mais velha que a irmã, pensou a mãe…
O ônibus apontou na esquina,
e Estela desperta de seus pensamentos. Ela já está atrasada para a aula de
reforço que está fazendo… anda meio ruim de matemática, está péssima em
física…a única matéria em que vai bem é a de educação física. Pena que no
Brasil ir bem nos esportes não tem influência alguma quando for a hora de se
matricular na Faculdade… Pelo menos nos filmes que mostram dos Estados Unidos, se o aluno vai mal nas matérias
do currículo, mas é um bom desportista, tem grandes chances de cursar uma
Universidade…
Já passava das sete da noite
quando a menina chegou em casa. Sua mãe já estava preocupada. Afinal, ela saiu
de manhãzinha, disse que ia estudar para a prova na casa de uma colega, e sumiu
durante o dia todo. Para que tudo ficasse perfeito, ela deixou o celular
desligado. “Onde você estava, menina?” pergunta a mãe, aflita… “Você
não sabe que a gente fica preocupada? Como você pode sumir assim todo esse tempo?”
Estela finge que não ouviu. Sua mãe coloca a mão em seu ombro e a faz parar…
- Não ouviu o que eu disse?
-Ahn? Que foi, mamãe?
- Eu perguntei onde você
estava até agora. Na casa de amiga é que não foi… liguei para todas elas
quando você não apareceu para o almoço, e ninguém te viu, hoje…
-Que saco, mãe! Eu precisava
de um tempo para pensar…
-Pensar? No que? Você pensa
em alguma coisa, afinal?
- Mãe, dá um tempo! Estou
cheia de problemas….
- Que problemas? A sua vida é
só comer e dormir…
- Mãe!!!
- Mas é a mais pura verdade.
Suas irmãs, quando tinham a sua idade , já trabalhavam…
- Pronto, já começou…
- Filha, o que estou dizendo
é que, para você, a gente consegue dar uma vida melhor… você tem chances que
suas irmãs nunca tiveram…
- E por acaso a culpa é
minha?
- Não foi isso o que eu
disse… por que é que você sumiu o dia todo?
- Já falei… tinha que pensar
em alguns problemas…
- Mas que problemas são
esses?
- É coisa particular,
mãe…depois eu falo…
- Tá bom… e a escola?
- Faltei hoje… fui passear no
shopping, depois assisti um filme…
- E ainda diz que tem problemas…
eu é que queria ter uma vida igual a sua, quando tinha a sua idade…
- Sei… a senhora sempre diz
isso…
- E não é? Deita a hora que
quer, levanta quando bem entende, vai pra escola só quando tem vontade… vai
repetir de novo, se não se cuidar. Se a gente mostra seu boletim para um touro
em uma arena, não precisa nem de bandeira vermelha…
- Mãe, deixa de ser exagerada!
- Exagerada? Quem é que vai mal em português,
matemática, história, biol…
- Mãe, chega!
- História! Como é que alguém
pode ir mal em História, meu Deus? É uma matéria tão gostosa de se ver…
- Pelo amor de Deus… se a
senhora não parar, vou sair de novo!
- Ah, mas não vai, mesmo,
mocinha… acha que já é dona de seu próprio nariz?
- Mãe…
- Eu e seu pai fazemos tudo por você… a única
coisa que te pedimos é que leve seus estudos a sério… acho que não é pedir
demais…
Estela ficou lívida. Trincou
os dentes. Olhou para sua mãe com uma expressão furiosa, deu-lhe as costas e
subiu as escadas em direção aos quartos…
- Mocinha, volte aqui! Ainda
não acabei de falar com você…
Estela continuou a subir, e
respondeu, sem se virar…
- Acabou, sim. Boa noite!
- Mas… não vai comer? A janta
já está pronta!
- Estou sem fome. Comi um
lanche no shopping…
Acabou de subir os lances de
escada e trancou-se em seu quarto. Sua mãe ficou parada, sem saber o que fazer.
Então ela sentiu uma mão pousar delicadamente em seu ombro. Era Mario, seu
esposo e pais das três garotas.
- Dia dificil, né?
- Nem faz idéia… juro que não
sei o que se passa na cabeça dessa menina!
- Calma Janete… deixa ela!
Tem hora que tudo o que a gente precisa é ficar só! Lembra quando tinha a idade
dela, que qualquer coisa que acontecia parecia que o mundo ia acabar?
- Era diferente, Mario…
- Claro que era diferente.
Afinal, as coisas estavam acontecendo com você, não é mesmo?
- Mario, você sabe como são
as coisas…
- Não, meu bem… eu não sei.
Porque não me conta?
- …
- A gente faz assim… vamos
jantar, então você me põe a par de tudo que está acontecendo…
- Eu…
- Não sei você, mas eu estou
morrendo de fome… e sua comidinha está com um cheiro tão bom…
- Mário…
- Azar da Estela, estar sem
fome… vai sobrar mais pra mim…
Janete sorriu. E, abraçados,
os dois seguiram para a cozinha. Enquanto isso, no quarto, Estela caminhava de
um lado para o outro , como se estivesse presa em uma jaula. Seu semblante
continuava tenso. Ela realmente estava preocupada. Depois de algum tempo,
sentou-se na cama, colocou as mãos no rosto e ficou assim. Pegou seu celular,
olhou alguma coisa no mesmo e o guardou novamente. Ficou parada, olhando o nada
no infinito… era como se o seu corpo físico estivesse ali, mas não seu
espírito. Deitou-se de costas na cama e ficou olhando fixamente o teto, como se
quisesse enxergar através deste e ver o que existia além. E assim ficou, até
que acabou adormecendo, de sapatos e tudo, pois não se dera ao trabalho de
descalçá-los…
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