A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Oito
A TAÇA DE CRISTAL
Capítulo Oito
O telefone tocou, despertando
Helena. Ela olhou o relógio, estava marcando duas e meia da madrugada. Quem, em
nome de Deus, era assim tão sem noção para ligar para alguém numa hora em que o
sono era o mais gostoso? Seu primeiro ímpeto foi de atirar o telefone na
parede. Claro que não fez isso, afinal ainda estava pagando as prestações do
mesmo. Teve que comprar, pois o seu antigo era realmente antigo, e não tinha
mais como mantê-lo… com muita má vontade, ainda sonolenta, atendeu a ligação.
Em menos de dois minutos estava desperta e já fora da cama. Era seu cunhado, Ricardo, ao telefone. Não estava
dizendo coisa com coisa, estava visivelmente embriagado, mas deu para entender
que Letícia tinha sumido…
- Mas como assim, ela sumiu?
- Sumiu… sumiu, sumindo! Ela
está desaparecida desde ontem…
Helena fica possessa e começa
a falar alto no telefone.
- E só agora você vem avisar,
seu retardado? O que é que você tem na cabeça? Não, não precisa dizer… é
cachaça… afinal, é só para isso que você presta… encher a cara, não é mesmo?
- Por favor, não grita
comigo… estou desesperado! Estou te ligando porque não sei mais o que fazer…
- Pelo menos já foi na
polícia, seu retardado? Já registrou o desaparecimento dela?
- Não… nem pensei nisso...
- Está na cara que não
pensou… a garrafa era mais importante que registrar o desaparecimento de sua
mulher, não é mesmo?
- Não fale assim… estou te
ligando porque eu não sei mesmo o que fazer! Estou precisando de ajuda…
- Já ligou para o celular
dela?
- Já, mas a ligação não
completa… diz que o número foi desligado…
- Estou indo prá sua casa…
- Obrigado, Helena… eu não
sei mesmo o que fazer…
Ato contínuo, Helena abriu o
guarda roupa tratou de se vestir. Uma calça jeans, uma blusa borgonha de
gravata simples… uma das blusas que ela mais gostava, e já ia saindo, quando se
lembrou de pegar uma blusa de frio. Pediu um uber pelo celular, pois aquela
hora não tinha mais transporte publico rodando pela cidade e seu cunhado morava
um pouco longe.
Uma meia hora depois Helena
já estava na porta de seu cunhado. Ela olhou para ele e balançou a cabeça. Os
olhos vermelhos mostravam que ele havia chorado. O cabelo todo desgrenhado
parecia que não via um pente a um bom tempo. A roupa, toda amassada. Ele estava
todo desalinhado. O que era uma coisa excepcional, em se tratando de Ricardo.
Extremamente vaidoso, estava sempre bem arrumado, e seu cabelo vivia cuidadosamente
penteado. Mesmo quando exagerava na bebida, mantinha a compostura. E agora…
chegava a dar pena de ver a situação do rapaz… mas ela tinha mais em que
pensar. Sua irmã desaparecida era sua prioridade número um…
- Quando ela sumiu, Ricardo?
- Ontem… quando cheguei do
serviço, ela já não estava aqui…
- E você a procurou?
- Não… pensei que ela poderia
estar em casa hoje, quando eu chegasse…
- Espera… quer dizer que sua
mulher desapareceu ontem, você não a procurou… porque achou que ela estaria em
casa hoje, quando você chegasse?
- Sim… ela poderia ter ido
para a casa da sua mãe… ou pra sua casa…
- Poderia, mas não foi, seu
retardado… o que aconteceu entre vocês?
- A gente brigou…
- Porque?
- Juro que não sei… não
consigo me lembrar… só sei que brigamos…
- Feio?
- Acho que sim… não lembro…
- E por que brigaram,
infeliz?
- Já disse, eu não sei…
- Aposto que tinha alguma
zinha nessa história…
- O que você quer que eu
diga? Não consigo me lembrar…
- Olhou o guarda roupa dela?
- Sim… sumiram duas malas e
boa parte da roupa dela…
- Bom… pelo menos sabemos que
ela decidiu te dar um pé na bunda…
- Eu…
- Você disse que não
conseguiu falar com ela pelo telefone… bem, isso pode significar que ela
resolveu trocar o chip do celular…já
pensou nisso?
- Não… mas você tem razão…
- Agora, eu volto a te
perguntar…o que aconteceu aqui? Por que a Ceci iria sumir assim de uma hora
para outra?
- Eu não sei… eu juro que não
sei…
- Alguma coisa aconteceu. E
alguma coisa grave. Ela não iria sair assim do nada…
- Repito… eu não sei…
- Nossa, para… até parece um
disco furado! Só sabe repetir a mesma coisa! “Eu não sei, eu não sei!” Já
cansou…
- Eu…
Ricardo se calou. Afinal, sua
cunhada fez uma cara de poucos amigos que o convenceu a não dizer mais uma
palavra. Agora era pensar… onde sua esposa poderia estar e por que ela foi
embora? Helena sentou-se, pensativa. Como iria dar a notícia para sua mãe? Seu
pai até ouviria de boa, mas a sua mãe… nervosa como era, era perigoso ter um
ataque do coração e acabar em um hospital… não, ela não podia dar essa notícia
para seus pais enquanto não soubesse exatamente o que havia acontecido…
- Foi na loja em que ela
trabalha?
- Não… você conhece sua irmã…
se apareço por lá ela faz o maior carnaval…
Sim, Helena conhecia bem sua
irmã. Uma coisa que ela detestava era que familiares aparecessem em seu
trabalho. E demonstrava isso claramente, na frente de seus colegas. Mas essa
era uma situação extremada, que necessitava que se tomasse um atitude. E a
atitude, no caso, era verificar se ela estava indo ao trabalho normalmente…
Helena olhou para seu
relógio… já eram quase cinco horas. Bem, ela não iria trabalhar de novo.
Começou a achar que tudo deu errado no dia anterior porque sentiu que alguma
coisa não estava certa… ela não acreditava muito em mediunidade, mas dadas as
circunstâncias…
- Ricardo, me faz um favor…
vai tomar um banho para ver se melhora um pouco. Vou te fazer um café para ver
se a gente cura essa sua bebedeira. E chega de brincar. Vamos começar a agir
como adultos, pois até agora você bancou o moleque… onde já se viu… sua mulher
some e você, ao invés de procurá-la, fica aí enchendo a cara e chorando pelos
cantos…
- Helena, eu…
- Cala a boca e faça o que
mandei. Daqui a pouco o dia amanhece, e vamos começar a procurar minha irmã de
verdade…
O rapaz abaixou a cabeça e
obedeceu sua cunhada. Enquanto ele estava debaixo do chuveiro, ela se dirigiu à
cozinha e fez um café bem forte. Aproveitou para fazer também uns bolinhos,
pois estava com fome e tinha certeza de que seu cunhado não havia comido nada
no dia anterior…
Depois de decentemente
vestido, barbeado e penteado, Ricardo parecia outra pessoa. Meio sem querer
querendo, Helena acabou prestando mais atenção ao rapaz do que gostaria. Ela
sempre o achou bonito, embora nunca tenha se interessado romanticamente por
ele. Mas o achava bonito, isso não podia negar…
Continuaram a conversar manhã
adentro, tentando descobrir para onde Cecilia poderia ter ido. Doida como ela
era, poderia estar em qualquer lugar. Ou em nenhum, se isso fosse possível. Mas
não adiantava ficar quebrando a cabeça. O negócio era tentar entender o que
havia se passado e procurar encontrá-la. Oxalá conseguissem fazer isso o mais
rápido possivel.
Era pouco mais de nove horas
quando os dois chegaram na loja em que Cecília trabalhava. Ou que eles achavam
que trabalhava. Procuraram o gerente para conversar. Foi quando ficaram sabendo
que Cecília havia pedido demissão no dia anterior via e-mail. E que ele não
fazia a menor idéia de onde a moça se encontrava. Bem, os dois estavam na estaca
zero, novamente. Conversaram com as colegas da moça, mas ninguém fazia ideia
sobre o que havia acontecido. Inclusive, quando foram avisadas que ela não
fazia mais parte da empresa, foi uma surpresa geral, já que no dia anterior ela
estava toda animada, dizendo que até o final daquela semana iria bater a meta
do mês e iria ganhar um extra razoavel pelo excedente… sim, ninguém conseguia
entender porque ela saiu tão de repente…
Sairam a rua, sem saber ao
certo o que fazer. Se bem que, naquela altura do campeonato, o que poderiam
fazer? Helena tinha que reconhecer, estavam mais perdidos que cachorro em dia
de mudança… Bem, só lhes restava ir à delegacia, registrar o desaparecimento da
moça na policia. Poderia não resolver nada, mas pelo menos teria mais gente
procurando Cecília.
Depois de algumas horas de
espera, finalmente conseguiram registrar a ocorrencia. Pegaram a cópia do B.O.
e foram orientados a ir para casa e aguardar serem chamados para esclarecer o
que quer que fosse necessário para resolver a situação. Ricardo não gostou
muito do jeito que o escrivão o olhou, quando disse que sua esposa havia
sumido. Parecia que ele o estava acusando de alguma coisa… Helena também havia
notado os olhares dos policiais sobre Ricardo, e ficou se perguntando se eles não
tinham razão de suspeitar do rapaz…
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