A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo doze


 

A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo doze

 

Cecília estava absorta, totalmente envolvida pelo romance que lia, sentada no banco da praça. Fazia tempo que não se sentia assim, tão tranquila, como agora. É verdade que ela precisava tomar algumas decisões importantes  sobre sua vida. Por exemplo, ela tinha que conversar com sua família sobre o que havia decidido para a sua vida. Sabia que sua mãe não aceitaria muito bem sua decisão de se divorciar de seu marido. E sabia que ele também não engoliria isso assim tão facilmente. Mas tinha que seguir em frente, e com certeza isso seria o melhor para ela. Mas esse não era o momento para se preocupar com isso. Agora deveria simplesmente aproveitar ao máximo o belo por do sol que se via…e curtir o livro que estava lendo. Estava relendo “As brumas de Avalon”, um romance do qual gostava muito… estava viajando no mundo da imaginação, quando ouviu, muito longe, alguém falando com ela. Tentou ignorar, mas a insistência foi tanta, que acabou saindo do mundo fantasioso onde se encontrava, e retornou à realidade. Levantou a cabeça. Em sua frente estava um rapaz… bonito, realmente, mas não tão bonito, assim… que tentava iniciar uma conversa com ela. Olhou para ele com ar de indiferença, mas o rapaz não se deu por vencido. Para tentar atar uma conversa com ela, olhou a capa do livro e começou a falar sobre o que seria o romance. É claro que não falou coisa com coisa sobre a historia, mas até que suas ideias eram interessantes… depois de alguns momentos, Cecília até começou a rir com as considerações que ele fazia sobre o romance. Começaram a conversar sobre várias coisas, até que o rapaz a convidou para tomarem um lanche. Ela acabou aceitando, já que ele conseguiu atrair sua atenção. Ela não estava procurando nenhum romance no momento, mas que mal haveria em aceitar um amigo para espairecer um pouco as ideias? De repente, conversar com alguém era tudo o que precisava nesse momento. Sim, porque já fazia uma semana que não conversava com ninguém, e embora fosse uma pessoa retraída normalmente, de vez em quando era bom ter alguém com quem trocar ideias. E assim ,lá foram os dois, conversando como se fossem amigos de longa data…

Já era quase meia noite, e Cecília continuava conversando com o rapaz. Ficou sabendo, porque ele disse e não porque ela quisesse saber, que o rapaz morava na cidade vizinha de Silverania, e era oriundo de uma das várias propriedades rurais aos pés da Mantiqueira. Estudava Agronomia em Lavras, e estava na cidade por alguns dias, pois queria refrescar um pouco sua mente… igual a ela, pensou de repente Cecília. Com a diferença que ela queria fugir um pouco da vida, e não de um curso escolar… finalmente  resolveu que era hora de se recolher, e dirigiu-se ao seu hotel, sempre acompanhada do seu novo conhecido. Chegaram na porta do hotel, ele tentou dar-lhe um beijo de despedida, ela simplesmente virou o rosto, demonstrando assim que não queria nenhum tipo de intimidade. Despediram-se, e o rapaz foi embora.

Já na cama, Cecília começou a pensar e não conseguiu conter um surto de riso, ao se lembrar que a primeira vez que tivera um contato com Ricardo, tinha sido exatamente dessa maneira. Ela estava em uma praça lendo um livro… por acaso era justamente o “Brumas”… quando seu marido apareceu e começou a puxar conversa com ela. A principal diferença era que ele não era um estudante como o rapaz que acabara de conhecer. Era alguém que tinha um trabalho fixo, e tinha algumas ideias que combinavam com seus projetos de vida. E foi por isso que acabaram ficando juntos… O segundo encontro dos dois foi alguns dias depois. Ele ligou e a convidou para passearem no Horto Florestal. Ela adorou a ideia. E quando se encontraram, deu-lhe a caixinha de música… era uma coisa simples, um presentinho barato, mas a musiquinha era tão linda, tinha tanto a ver com sua personalidade, que ela guardou o mimo com todo cuidado… tanto é que, mesmo depois de quase sete anos, a caixinha ainda funcionava perfeitamente. O terceiro encontro foi para irem ao cinema. Ela não se lembrava mais do nome do filme que assistiram… na verdade, dizer que assistiram alguma coisa era apenas retórica. Ela não viu nem os créditos do filme, nem mesmo os trailers… ficaram de tal forma agarrados durante toda a projeção do filme, que se alguém desavisado visse os dois em seu assento, pensaria que uma pessoa apenas estava ocupando os dois lugares…

E assim, pouco a pouco, Ricardo foi conquistando aquela garota arredia. E já namoravam a três anos, quando ele a pediu em casamento. É claro que ela aceitou na hora, uma vez que desejava viver ao lado daquele que seria o seu príncipe encantado. E escolheu um vestido lindo, branco como diz a tradição, bem acinturado, saia rodada, formando uma copa bem grande, um buquê de flores coloridas, onde as rosas vermelhas eram sem dúvida o destaque, o corpete do vestido, a saia e as mangas todos enfeitados com lindas rosas brancas, e para segurar seu véu, uma delicada tiara de pérolas. Sim, ela era linda e mais linda ainda ficou no dia de seu casamento, quando parecia uma princesa saída de um contos de fadas…

Quando ela entrou na igreja, todos se voltaram para vê-la. E Ricardo, com seu fraque preto, estava todo orgulhoso por ter como sua companheira aquela garota tão linda. Após a cerimônia e a recepção, depois de serem cumprimentados por todos os convidados, saíram para uma pequena viagem, a guisa de lua de mel. Ricardo gostava do mar, Cecília gostava das montanhas. Então, para que os dois tivessem sua vez, passaram dois dias na praia e depois dois dias em uma cidadezinha aos pés da serra, em um hotel fazenda. Finalmente retornaram para a cidade, agora já como marido e mulher, morando na mesma casa. E foi aí que o caldo começou a entornar. Se como namorados combinavam em tudo, ao dividirem o mesmo espaço as divergências começaram a aparecer. E as primeiras discussões foram surgindo. A princípio, pareciam coisas bobas. Mas uma briga de casal que não é resolvida de imediato, e que nenhum dos dois se preocupa em tentar chegar a um lugar comum, vai crescendo aos poucos, até que chega a um ponto insustentável. E foi isso o que acabou acontecendo com os dois. Pouco a pouco, sem perceberem, foram se afastando um do outro. Aquela magia que os ligava quando eram simples namorados já não mais existia. Chegou a um ponto que parecia que não se suportavam. Porém, quando estavam longe um do outro, ela sentia sua falta. Mas não dava o braço a torcer, seu orgulho não a deixava reaproximar-se de seu esposo. E então, ele começou a chegar mais tarde em casa. Primeiro, foram uma ou duas horas de atraso. Depois, passou a chegar de madrugada. E mais algum tempo depois, começou a sair nos finais de semana… sozinho. Ela ficava chateada com a situação, mas nunca quis dar um passo em direção à concórdia. E ele também. De qualquer forma, estavam vivendo mais ou menos… conseguiam manter as aparências, ao menos no inicio. Mas, com o decorrer do tempo…

Sua mãe as vezes era insuportável, nem Cecília a aguentava. Beata, tinha suas ideias sobre como deveria viver um casal. E nunca escondeu de ninguém que não gostava do genro. Seu pai já era mais tranquilo, mas nunca tomou partido do rapaz quando sua esposa o humilhava frente a filha. Por isso, não foi nenhuma surpresa ele evitar encontrar-se com a família da esposa, uma vez que também não se bicava com as cunhadas. Resumindo… a família de Cecília tinha uma parcela de culpa no fracasso do casamento dos dois…

As únicas vezes que o casal não brigava eram quando Ricardo trazia como presente para a esposa um livro novo. Leitora voraz, sua maior felicidade era iniciar a leitura de um novo romance. E seu esposo conhecia bem os seus gostos, e de vez em quando a presenteava com algum romance do qual ela tivesse mencionado alguma vez em casa… isso mostrava que ele, embora não tivesse o mesmo amor pelos livros que ela, prestava atenção no que a ouvia dizer…

E assim foram tocando o barco por algum tempo… ele lhe dava alguns mimos que sabia que ela iria apreciar, e seguiam a vida em frente. Até aquele fatídico dia em que Cecília pegou o ônibus que seu marido estava dirigindo… e o viu se engraçar com aquela mulher. Tudo bem, a relação dos dois como um casal estava bem deteriorada, mas ele poderia ao menos ter respeitado sua mulher oficial… Beijar aquela vagabunda na sua frente e nem se importar com isso? O que ele estava pensando? Ela não tinha sangue de barata e não admitia ter uma sócia em seu casamento. Por isso, quando ele chegou do serviço à noite, ela resolveu conversar seriamente com ele. E foi aí que o caldo entornou de vez…

 

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