A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Dezesseis
A
TAÇA DE CRISTAL
Capítulo
Dezesseis
Eram
sete horas da noite, quando Roseli finalmente terminou seu turno de trabalho.
Tinha que voar para casa, pois teria que pegar Letícia na casa de sua amiga
Bernadete. Ainda bem que Bernadete gostava da menininha, e cuidava dela com
todo o prazer do mundo. Mas Roseli não gostava de abusar da amiga e vizinha.
Por isso a pressa em voltar logo para casa. Sua amiga era casada. E o esposo
desta também gostava muito da criança, o que era um alívio para Roseli. Quando
acontecia dela se atrasar para pegar a menina, o próprio esposo da amiga se
prontificava a buscar a pequena na creche…
Quando
se dirigia para o ponto, levou um susto… Ricardo a estava esperando na saida.
Não gostou muito da surpresa. Não na atual situação. Enquanto não se
esclarecesse o que de fato aconteceu com Cecília, ela não queria ser vista
junto com o amante. Vai que…
Ricardo
abraçou a namorada, ela desvencilhou-se do abraço. Ele estranhou a atitude da
moça, mas ficou em silêncio, pensando com seus botões. “Mas que diabos…
primeiro a Cecília, e agora a Rose? Mas que diabos está acontecendo na minha
vida?” Permaneceu em silêncio,
caminhando ao lado da companheira. Chegaram no ponto, o ônibus estava
encostando. Entraram, se acomodaram em um dos bancos e permaneceram em silêncio
durante toda a viagem. Toda vez que ele tentava puxar assunto, Rose fazia sinal
para que ele ficasse quieto. Quando chegaram no terminal, Roseli lhe disse que
era melhor que ele fosse para sua casa, pois não pretendia ter sua companhia
pelo resto da viagem. Ricardo balançou a cabeça, desanimado… tudo o que
precisava nesse momento era ter alguém para conversar… mas pelo visto, teria
que se contentar em conversar sozinho…
Beber
estava fora de cogitação, pois toda a encrenca em que se encontrava era devido
à bebida. E agora tinha que se cuidar,
pois ninguem queria acreditar que sua esposa simplesmente sumira. Se a
conhecessem como ele a conhecia, com certeza entenderiam… Cecília era tinhosa,
e com certeza resolveu castigá-lo de uma forma que ninguém poderia pensar…
desaparecer depois de uma briga, e não deixar nenhum sinal de vida era, sem
dúvida nenhuma, uma bela jogada.Se não sabiam onde ela estava, isso só poderia
significar que seu marido tinha dado um sumiço nela. E agora cabia a ele provar
que não tinha nada a ver com essa história. Mas como faria isso, se nem se
lembrava do que aconteceu no dia da briga? E, pior ainda, não podia nem afirmar
com certeza que ela estava em casa quando saiu para trabalhar… Sabia que quando
chegou a noite, ela não estava lá… mas de manhã… bem, ele achava que a tinha
visto, mas quem poderia garantir? Bêbado como estava, só se lembra que o
despertador tocou, levantou, tomou um banho gelado para despertar e saiu
correndo sem nem mesmo tomar café… Cecília?
Não poderia dizer com certeza se ela estava em casa de madrugada…
Quando
chegou em casa, o desânimo tomou conta de Ricardo. Tinha pouco tempo para
resolver sua situação. Da semana que o chefe lhe dera, apenas três dias restavam.
E ele ainda não fazia a menor idéia sobre o que acontecera com sua esposa. Notou que algumas pessoas diferentes rondavam
sua casa. Logo lhe veio a idéia de que eram investigadores, tentando descobrir
o que de fato ocorrera ali. Bem, ele também não sabia. Mas tinha certeza de uma coisa… não tinha
nada a ver com o desaparecimento de Cecília…
Deitado
em sua cama, Ricardo começou a divagar. E voltou ao passado, quando conhecera
sua esposa. Lembrou-se do primeiro passeio que fizeram em um parque. E não era um
parque qualquer, era o Jardim do Parque da Independencia. Aquela praça bem
cuidada, com suas flôres tão belas, encantavam Cecília. Andar por aquelas ruas
era como voltar ao tempo do Império. Eles quase podiam ver os aristocratas
caminhando por aquela alameda. E quando entravam dentro do museu, então… ele
não conseguia conter um riso ao se lembrar que uma das seguranças do local veio
chamar-lhes a atenção porque os dois estavam em um cantinho da sala onde as
liteiras estavam expostas, trocando beijos apaixonados… Bem, a visita ao museu
era realmente interessante. Das roupas usadas pela família real até o dinheiro
usado pelos constitucionalistas paulistas, muita coisa exposta contava a
história do país. Uma maquete da cidade de Sâo Paulo, da época da Independencia,
era um dos pontos altos da visita. É claro que a cama do Imperador também não
ficava atrás… Ele se lembrava bem daquele dia. Era um domingo ensolarado.
Tomaram sorvete depois da visita ao museu, e ficaram lagarteando à sombra das
árvores que ficam ao lado do museu. Ficaram algum tempo sentados aos pés de um
ipê amarelo. Depois se levantaram, e seguiram em direção ao centro da cidade.
Pretendiam assistir a algum filme. E foi
o que fizeram.
Quando,
a noite, Ricardo entregou a namorada na casa dos pais desta, os dois estavam
radiantes de alegria. Cecília ganhou um mimo do namorado…ele lhe dera um
ursinho de pelúcia. Não era grande, mas o tamanho não importava, o que
realmente contava era o carinho que o namorado dedicava a ela… de vez em quando
o mimo vinha em forma de um livro, pois ele sabia que ela era uma leitora
voraz… um dos que ela mais gostou foi “O Xangô de Baker Street”, de Jô Soares.
Ela o leu e releu pelo menos umas dez vêzes…
E
todo o seu namoro era assim… passeios e presentinhos. Às vêzes, um simples
botão de rosa, em outras, um livro que ela desejava muito ler. E assim os dias iam passando. De uma coisa
ele tinha certeza… gostava muito daquela menina fanática por flores e livros. E
não sabia mais como ficar sem ela em sua vida. Bem, ele tinha certeza de que
encontrara sua alma gêmea… aquela garota o completava de todas as formas…
E
com esses pensamentos doces, Ricardo adormeceu. E em seus sonhos estava ao lado
de Cecília. Não a Cecília adulta, fria e calculista de alguns momentos, mas a menina
pura e inocente de alguns anos atrás. Ele caminhava pela pracinha do bairro, e
viu a garota sentada em um dos bancos, lendo um livro. Ele já sabia qual era…
“As Brumas de Avalon”. Sentou-se ao seu lado e começou a puxar conversa com
ela. No começo a garota não parecia interessada em conversar, mas então ele
passou a comentar sobre o livro que ela estava lendo. A menina ficou encantada,
e passou a prestar atenção no rapaz… verdade que ele, para puxar conversa com
ela, leu o livro em dois dias. Ele sabia que era a melhor forma de cativá-la.
Quando a convidou para se verem no dia seguinte e ela aceitou, quase não
acreditou… caramba, o sacrificio de “ler aquele livro chato valeu a pena”,
pensou ele. E foi todo feliz para casa, pois tinha finalmente conseguido se
aproximar de sua musa, depois de várias tentativas frustradas…. Tempos depois
descobriu que ela nem se lembrava desse episódio…
O
despertador tocou, tirando Ricardo do mundo dos sonhos. E as lembranças foram
cobertas pela névoa do tempo… Ricardo olhou no relógio… eram cinco horas da
manhã…ainda era cedo. Não tanto quanto ele costumava levantar para ir ao
trabalho, mas ainda assim era cedo. Bem, como dormiu vestido, levantou-se e foi
preparar seu café. Pegou um pão, tinha frios e leite na geladeira. Comeu e
ficou matutando o que deixara escapar todos esses dias. E, de repente, em um
estalo se lembrou de uma coisa já esquecida no fundo de sua memória… O gerente
da loja em que Cecília trabalhara dissera que ela pediu demissão por e-mail…
mas iria assinar os papéis presencialmente. Mas quando era mesmo, meu Deus?
Tinha que saber o dia, pois senão ficaria complicado encontrá-la depois…
pensou, pensou… e então lhe veio a data… “mas era hoje”, quase gritou ele! Bem,
como ela era uma funcionária antiga, com certeza sua homologação seria no
sindicato. Portanto, só teria que se dirigir para lá.
Mais
ou menos umas oito horas da manhã, resolveu que era hora de ir. Ao chegar no
portão, notou um rapaz observando-o. Não teve dúvidas, foi até ele e o convidou
a segui-lo, pois ia se encontrar com sua esposa. Afinal, ele sabia que o
sujeito à sua frente era um investigador de polícia, e portanto, estaria tão interessado quanto ele em
resolver de uma vez por todas aquele problema. Acabaram seguindo juntos para o
Sindicato. Chegando lá, o policial resolveu verificar se realmente Cecília iria
comparecer ao local, ou se era apenas uma jogada de Ricardo. Ela seria atendida
às dez horas. O agente olhou o relógio, era pouco mais das nove. Portanto, se ela fosse comparecer, deveria
estar chegando. Sentaram-se no banco e ficaram conversando um pouco. O policial
não estava mais tão reservado quanto no começo. Trocaram algumas idéias,
enquanto a hora ia seguindo seu caminho, inexorávelmente. Até que, de repente… Cecília adentrou no
recinto. Ricardo a identificou para o policial que foi em sua direção e a
interpelou. Conversaram alguns momentos, explicou-lhe o que estava acontecendo,
a suspeita de assassinato que recaira sobre seu marido…a moça olhou para ele,
com um olhar de pena… Ricardo se sentiu pequeno, naquele momento. Depois de
algum tempo conversando com o agente da lei, Cecília concordou em seguir os
dois até a delegacia, para esclarecerem de uma vez os acontecimentos… e assim o
fizeram.
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