A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Dezessete
Capítulo Dezessete
- Então… acabou mesmo?
- Sim, Ricardo… não tem mais volta…
- Mas… porque? Você sabe que eu te amo…
- Sinceramente? Eu acho que não…
- Cecília…
- Olha, quem ama alguém procura fazer tudo pelo seu amor… não sai por
aí, atrás de outra pessoa…
- Mas eu…
- Você pensou, realmente, que eu nunca iria descobrir sobre a outra?
- Não é o que você está pensando… eu…
- Olha, acho que o melhor para nós dois é cada um ir para o seu lado. A
muito que nosso casamento não anda bem das pernas…
- Cecília, eu…
- Sabe, Ricardo… eu te amei muito. Mas vamos ser francos… nos ultimos
tempos tudo que temos feito é brigar. E isso não vai nos trazer nada de bom.
Por isso, acho melhor a gente terminar nosso caso enquanto ainda há um pouco de
respeito entre nós… porque você sabe… se a gente continuar por esse caminho,
até esse respeito vai se acabar… e aí… só Deus sabe o que pode acontecer em
nossa vida…
Ricardo tomou um pouco do refrigerante que estava a sua frente. Cabeça
baixa, pensativo. Queria dizer alguma coisa que apagasse tudo o que havia
acontecido nos ultimos tempos, mas não sabia o que dizer. Levantou o rosto e
fitou sua mulher nos olhos. E viu nestes a determinação de seguir em frente em
sua decisão.
- Cecília, eu acho…
- Olha, vamos ser francos…fora um papel assinado dizendo que somos
casados, nada mais nos liga de verdade. Você vive ausente de minha vida… chega
tarde todo dia, desaparece nos finais de semana, a gente raramente se vê… não
estamos nos combinando mais em nada! Tudo entre nós é motivo de discórdia, de
briga! E já chegamos ao estágio da agressão física. Se não tomarmos uma atitude
agora, quem pode dizer o que nos acontecerá no futuro?
- Eu te amo, Cecília! Você é o amor de minha vida!
Cecília não respondeu. Limitou-se a olhar para seu companheiro e
balançar levemente a cabeça, demonstrando discordar de suas palavras. Tomou o
resto do suco de morango de seu copo, olhou o relógio, levantou-se…
- Desculpe, já deu a hora de meu ônibus, ele já encostou na plataforma.
Não posso perdê-lo, pois tenho que trabalhar ainda esta tarde… (na verdade, ela
comprara uma passagem para Campinas, pois não queria que ele soubesse para onde
iria, realmente. De lá, ela pegaria outro ônibus com destino a Cataguazes… não sabia
se tinha ônibus direto de Campinas a Cataguazes, mas isso não tinha
importancia. O que interessava realmente é que Ricardo não tivesse noção de
qual seria seu destino final. Ela desceu as escadas em direção ao portão de
embarque. Ricardo a acompanhou.Quando ela ia entrar no portão, Ricardo
perguntou…
- Nem um beijinho de despedida vou ter?
Ela parou, Olhou-o no rosto, novamente. Na ponta dos pés, ela se
levantou e beijou-o no rosto, um beijo fraternal.
- Vou te ver, novamente?
- Só o tempo poderá dizer. Eu realmente não sei…. Boa sorte para você!
E deu-lhe as costas, entregou a passagem para o motorista e entrou no
veículo. Ricardo ainda a chamou por mais uma vez, mas ela não respondeu.
Procurou seu assento, ficaria no fundo do ônibus, novamente. Ricardo tentou
acompanhar, com os olhos, o caminhar de sua mulher dentro do coletivo, porém
não logrou êxito. Se conformou em ficar ali parado, esperando que o carro se
afastasse da plataforma e ganhasse o portão de saída. Aindas permaneceu ali por
algum tempo, mesmo depois que o carro havia partido. Subiu as escadas,
sentou-se em um dos bancos, e ficou em silêncio, pensativo. Ficou ali, perdido,
sem saber direito o que faria da vida. Bem, pelo menos um problema já estava
resolvido. O delegado aceitou as explicações de Cecília sobre o ocorrido, e
nenhuma suspeita mais recaia sobre ele. Agora era tocar o barco para frente. Já
que sua união com Cecília tinha chegado ao fim, o melhor a fazer seria
conversar com Roseli e a assumir oficialmente. Mas do jeito que as coisas
estavam entre os dois, não tinha certeza se isso acabaria por acontecer.
Caramba, sua vida tinha virado de ponta cabeça, nos ultimos dias. Perdeu sua
esposa, suas amante estava reavaliando se valia a pena continuar seu caso com
ele e ao menos por enquanto estava proibido de ver sua filha… será que agora as
coisas poderiam melhorar um pouco? Porque, sinceramente, se piorasse um
pouquinho só que fosse, ele não saberia como sair do buraco em que se
encontrava…
Finalmente se levantou e foi até a plataforma do Metrô. Era hora de
seguir em frente. E assim o fez…
Eram duas da tarde. Roseli deveria estar perto do final de seu
expediente. Resolveu que o melhor seria encontrá-la no trabalho, e conversarem
seriamente. Afinal, tinha que tomar uma atitude frente aos ultimos
acontecimentos. E decidir de uma vez o que fariam da vida.
- Nossa, isso já está virando rotina, não?
- Rô, a gente tem que conversar…
- Eu já te disse… primeiro, você tem que resolver sua situação…
- Mas já está resolvida. Hoje a Cecília apareceu, fomos até a
delegacia, esclarecemos tudo… não existe mais nenhuma pendencia sobre o caso.
- Sério?
- Sim… ela resolveu terminar tudo comigo. Até se mudou de cidade.
Arrumou um novo emprêgo em Campinas, e vai ficar morando por lá…
- Em Campinas? Não é tão longe…
- Eu sei… dá para acreditar que ela estava lá esse tempo todo? E eu
aqui, doido sem saber onde ela havia se escondido…
- E agora?..
- Bem, vou comunicar a família dela onde ela se encontra… depois disso,
não sei o que poderá acontecer…
- E você sabe o endereço dela? Onde vai trabalhar? Onde está morando?
- Não, ela não quis dizer…
- Ahá… então você perguntou, né?
- Ué, se fosse você, não perguntaria?
Roseli ficou surpresa. Respondeu em seguida…
- Sim, claro! Estranho seria se não perguntasse…
Os dois ficaram em silencio por alguns instantes. Ricardo foi o
primeiro a falar…
- Acho que você deve estar com fome, não é?
- Eu almocei… mas sim, estou com fome, sim…
- Bom… então vamos comer alguma coisa, enquanto conversamos um pouco.
- E sobre o que iriamos conversar?
- E sobre o que mais seria? Sobre nós dois, é claro…
- É claro…
E foram caminhando pela rua, em direção a avenida principal, onde
haviam várias lanchonetes. Acabaram por entrar no Ragazzo, que era um dos
locais favoritos de Roseli… entraram, escolheram uma mesa, e fizeram seu
pedido. Ricardo ainda não havia comido nada desde a manhã, tal a tensão que vivera nos ultimos dias. Agora
finalmente iria respirar tranquilo. E Roseli estava com fome, pois seu trabalho
era pesado e gastava muiita energia. Ricardo pediu um bife à parmegiana, Roseli
pediu um Ravioli. Para beber, os dois optaram por um suco de morango… ele não
disse nada a Roseli, mas quando os copos de suco chegaram, lembrou-se de
Cecília… afinal foi o suco que ela tomou, quando se despediram na Rodoviaria da
Barra Funda. Se a Rose ao menos imaginasse isso, certamente se levantaria da
mesa na mesma hora e sairia em passos largos em direção a porta. Mas
felizmente, ela nem sonhava com isso. Enquanto esperavam seus pratos chegarem,
começaram a conversar sobre os últimos dias. De vez em quando Rose lhe fazia
algumas perguntas e olhava para ele, para medir suas reações. Estava avaliando
o companheiro. Precisava saber o quão confiável ele seria dali para a frente. É
claro que ele percebeu as intenções de sua parceira, e respondia com muito
cuidado as perguntas feitas por ela. Estava pisando em ovos, mas não queria que
Roseli percebesse seu desconforto em ser interrogado daquela maneira. O que ele
realmente queria era que resolvessem de uma vez por todas a situação do casal…
ou ficariam juntos de uma vez, ou se separariam ali mesmo. O que não dava mais
era ficar nesse chove e não molha dos ultimos dias…
Os pratos chegaram, fizeram uma pausa em sua conversa e começaram a
comer. Degustavam lentamente sua
refeição, aproveitando cada bocado que levavam à boca. Roseli fechava os olhos,
aumentando assim a sensação de prazer a
cada garfada que comia de seu Ravioli… e Ricardo se deliciava com seu bife…
Finalmente terminaram sua refeição. Não quiseram sobremesa. Ricardo
pagou, os dois sairam em direção ao ponto de ônibus. Retomaram a conversa,
desta vez em um tom mais conciliador.
Sentaram-se juntos, desta vez. Se abraçaram, enquanto conversavam sobre
o que fariam dali para a frente. Ricardo perguntou se não queria ir morar com
ele… já que pagava aluguel, seria uma
boa para ela, pois seria uma despesa a menos… ficou um pouco pensativa, mas a
principio achou uma boa ideia. Só não externou esse pensamento.
O ônibus cortava velozmente a cidade, e em pouco tempo chegaram ao seu
destino. Nunca duas conduções foram tão rápidas quanto nesse dia. Finalmente
chegaram na casa de Roseli, bem na hora que a perua da creche entregava a
pequena Letícia. Quando a bebê viu seu
pai, ficou eufórica, dando os bracinhos para que ele a pegasse no colo. Ele a
aninhou em seus braços, e a pequenina ficou ali, extasiada com a presença
daquele que ela amava muito. Entraram na casa. Ricardo ficou na sala com a
pequenina, enquanto Roseli foi tomar um banho e se trocar. Estava cansada, pois
o dia fora especialmente puxado. Tinham que fazer uma grande entrega de roupas
para um hotel, e devido a quantidade, quase não deram conta. O problema é que
se não conseguissem cumprir o horário combinado no contrato, a empresa teria
que pagar uma multa pesadíssima, podendo até perder o cliente. O que não seria
muito bom, já que era um dos maiores clientes da lavanderia… mas problemas de serviço ficavam no serviço…
em casa, tinha outras coisas com que se preocupar…
- Volta a trabalhar quando?
- No sábado… e vou ficar sem folga por pelo menos uns três meses… foi o
acordo que eu fiz com o seu Alberto…
- Nossa, mas não vai ficar muito puxado, não?
- Um pouco… mas pelo menos não vou ter nenhum desconto em meu salário…
ele vai considerar esses dias que faltei como uma licença…
- Ainda assim… Três meses sem folga é muito cansativo… ainda mais no
seu trabalho… se você se distrair um segundo que seja…
- É, eu sei… mas quem fez a burrada fui eu… chegou a hora de pagar a
fatura…
- Você disse que seria promovido…
- Sim, seu Alberto vai me colocar para treinar com os articulados… aí
meu salário vai melhorar bastante…
- Mas você já é habilitado para esses veículos, não é?
- Sim, mas uma coisa é você treinar na Auto Escola, outra é enfrentar
as avenidas no dia a dia. Você sabe que esses carros não andam só pelo
corredor. Ali é mamão com açucar. Só que vão me colocar numa linha de bairro…
aí, já viu, né?
- É, você vai precisar de muita sorte…
- Rose, mudando um pouco de assunto… a minha casa é bem grande, maior
do que a sua… e é própria, eu não pago aluguel, ao contrário de você…
- E…
- E eu volto a insistir… venha morar comigo lá…
- Só que a casa não é só sua… e se a Cecília resolver voltar?
- É piada, não é mesmo?
- Por que?
- Porque meu casamento realmente acabou…
- E você está triste…
- Olha, foram quatro anos juntos… seria estranho se eu não sentisse nem
um pouco essa separação…
- Sei… mas, e aí, como é que eu fico?
- Não entendí…
- Se ela voltar…
- Rô, ela não vai voltar…
- Tá, mas e se ela mudar de idéia e resolver voltar para você?
- Rose, mesmo que ela voltasse hoje… estou te escolhendo como minha
parceira de lutas…
- Sei… o fato dela ter te dado um chute na bunda não conta, não é
mesmo?
- Olha, a minha relação com ela desandou… não tem mais volta.
- Como posso confiar nisso? A casa é dela, também…
- Nós fizemos um acordo… vou ver com uma imobiliária quanto seria o
valor de aluguel de minha casa. E vou depositar para ela, todo mês, a metade
desse valor…
- E ela aceitou isso?
- Aceitou… disse que não quer mais morar em São Paulo…
- Sim, mas… se vendessem a casa, com o dinheiro arrecadado ela poderia
comprar uma casa boa no interior… no lugar dela, é o que eu faria…
- Ainda bem que não é você que está se separando de mim…
- Bem… vamos esperar um pouco? Deixa eu pensar bem sobre isso… não
quero me arrepender, depois…
- Olha, eu te prometo…
- Você não pode me prometer nada… é bom a gente deixar bem claro uma
coisa… eu não sou a Cecília…
- Isso eu sei…
- Pois, então… não sou só eu que devo pensar sobre essa nossa união… é
melhor você pesar bem os prós e os contras…
- A Letícia dormiu…
- Coitadinha… não tomou nem a sua mamadeira…
- Coloco ela no berço?
- Sim… depois eu troco a roupinha dela… deixa a menina descansar por
enquanto…
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