A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Dezenove
A TAÇA DE CRISTAL
Capítulo Dezenove
- Tudo
bem, chefe…eu entendo! Mas…
Era Jairo, conversando com o gerente da
transportadora na qual dava expediente depois que saia do escritório. Estava
tentando conseguir um reajuste em seus fretes. Mas o gerente era intransigente,
Aliás, tinha que ser, uma vez que não podia estourar seu orçamento. O valor do
frete pago aos seus motoboys era um dos mais altos da região, e qualquer
aumento que cedesse a um funcionário iria refletir no valor cobrado. E por
melhor que fosse o atendimento aos clientes, tudo tinha um limite.
- Olha, Jairo… eu sei que você tem seus
problemas financeiros. Todo mundo tem. Mas infelizmente não posso fazer nada.
- É que… minha mina tá grávida e…
- Verdade? Meus parabéns ao casal…
- É por isso que eu precisava de uns trocos a
mais, seu Ferreira…
- Eu te entendo. Mas o salario de vocês não é
ruim. Eu sei que tem melhores por aí, mas cada um paga o que pode….
- Eu gosto de trabalhar aqui…
- Então, infelizmente terá que se contentar com
o que pago. Não tenho como oferecer mais...
- Horas extras?
- Se quiser encarar, preciso de alguém para os
sábados e domingos de dia. Tem carta para dirigir carro? Ou é só moto, mesmo?
- Dirijo até caminhão, se precisar… minha carta
é “D”…
- Ué, e por que não foi trabalhar com ônibus?
- Atualmente eles querem categoria “E”…
- Tem lógica… a maioria dos carros é
articulada, hoje… e uma habilitação “D” não te autoriza a pegar esses
verdadeiros monstros das estradas….
- Pois é, seu Ferreira… eu estou em uma sinuca
de bico…
O gerente pensou um pouco. Depois de algum
tempo, falou novamente.
- Vamos fazer o seguinte, Jairo. Nesse final de
semana, você vem fazer um teste… se for aprovado, passa para os furgões e ganha
um reajuste.
Passava
um pouco das duas quando Jairo considerou encerrado seu expediente. Voou em
direção a sua casa, pois tinha que estudar para a prova que se aproximava.
Quanto mais estudava, mais confiança adquiria…
- Jairo…
- Mas que… que diabo, Estela! O que você quer,
mulher?
- Eu só queria ouvir a sua voz, antes de
dormir!
- Pois agora já ouviu. Vai dormir, criatura.
Amanhã a gente conversa. Tenho que te falar algumas coisas…
- Está bem… estou te esperando! Um beijo, meu
amor…
Jairo desligou o celular e guardou-o em sua
pochete. Não queria mais falar com ninguém, enquanto estivesse pilotando. Logo
chegou à sua casa. Sua mãe estava de pé no portão, a sua espera…
Balançou a cabeça, em sinal de desaprovação.
Seu bairro não estava muito seguro, nos últimos tempos. Já pedira para que sua
mãe não fizesse isso… sabia que era extremamente perigoso ficar no portão até
aquela hora, mas quem disse que sua mãe o ouvia? Tudo o que ele podia fazer era
rezar para que não tivesse nenhuma notícia desagradável quando chegasse em
casa. Pelo menos até o momento tudo estava perfeito, até agora ninguém tinha
mexido com ela, mas por que sua mãe insistia em abusar da sorte? Por mais que
tentasse, não conseguia uma resposta satisfatória para essa pergunta…
Enquanto jantava, ficou a pensar no dia que
estava encerrando. No escritório, a rotina de sempre… nada de novo no front,
como costumava dizer. Não tinha chance de crescer na emprêsa, não se não
fizesse um curso superior… de preferência, de contabilidade, já que este era o
ramo no qual trabalhava. Mas ultimamente não tinha tempo nem para respirar,
quanto mais pensar em estudar. Sabia que era importante para o seu futuro, mas
no momento a parte monetária tinha que ser a sua prioridade. Afinal, seu pai
estava encostado na Caixa, pois tinha sofrido um acidente e não tinha condições
de trabalhar. E esta situação se manteria por um bom tempo. E o valor que recebia
do INSS mal dava para comprar os remédios que necessitava para o seu
tratamento. Então Jairo se viu, de uma hora para outra, como arrimo da família,
tendo que custear sozinho a manutenção da casa. Marcela ainda não trabalhava.
Havia completado quatorze anos recentemente, e estava ingressando no Ensino
Médio. Estava tentando conseguir uma bolsa de Jovem Aprendiz, mas não estava
muito fácil conseguir. E assim, até mesmo as despesas da irmã tinham que ser
custeadas por ele…
Foi uma sorte um dos seus colegas de trabalho
indicar a transportadora para ele. O
dinheiro extra que começou a entrar em sua conta conseguiu lhe dar uma certa
estabilidade. Chegou até mesmo a pensar em guardar um dinheirinho para se casar
com Estela… mas a gravidez, que não estava nos planos, aconteceu numa hora não
muito boa. Ele sempre desejou ser pai, e Estela era a mãe que ele queria para
seus filhos, embora fosse um bocado imatura. Mas ele pretendia esperar que ela
concluisse o Ensino Médio, antes que resolvessem se casar… só que agora…
Dona Isabel, vendo o filho tão pensativo,
resolveu puxar conversa…
- E então, meu filho, e a sua namorada?
- O que tem ela?
– Você disse que ela estava esperando um filho
seu…
- Sim, mamãe, está. Logo a senhora vai ser avó…
- E ela está de quanto tempo?
- Uns dois meses, eu acho…
Os dois ficaram calados, novamente. Isabel
ficou pensando em como os dois foram irresponsáveis. Não era o momento certo
para vir uma criança neste mundo… Jairo estava se matando em dois empregos… é
claro que ele não tinha culpa de que seu pai tivesse se acidentado, mas pelo
menos por enquanto a família dependia dele. Isabel fazia uns servicinhos no
bairro como manicure, mas a clientela estava um tanto escassa nos ultimos
tempos. As contas da casa não estavam fechando no final do mês. Marcela tentou
de tudo para ganhar algum e ajudar nas despesas, mas como seus pais e seu irmão
diziam para ela, não era hora de se desviar dos estudos… pois se os deixasse de
lado mesmo que por algum tempo, teria dificuldades em retornar.
Geremias sempre trabalhou como pedreiro, sem
registro. Acreditava que, assim, ganhava bem mais. Com muito custo Jairo
conseguiu convencê-lo a se registrar no INSS e recolher um dinheirinho para
garantir uma aposentadoria mais tarde. E, na verdade, foi esse registro que
acabou por salvar o dia. Em uma manhã, quando estava verificando o telhado de
um cliente, perdeu o equilibrio e caiu, de uma altura de quatro metros. Deu
sorte que sua queda não tão foi grave, pois acabou caindo sobre alguns sacos
vazios que acabaram por amortecer o tombo. Mas ficou ferido o suficiente para
ficar imobilizado por algum tempo. E ser aceito na Caixa, por Incapacidade
Laborativa, o que lhe rendeu um salário mínimo por mês, enquanto estivesse
impossibilitado de ficar em pé e trabalhar. Mas, por ser uma pessoa ativa, ele
não conseguia ficar parado, conforme recomendação médica. E, por não obedecer
as orientações médicas, demorava mais para se restabelecer. Sem contar que, por
ser um alcoolatra inveterado, acabava misturando remédio com cachaça, e aí o
caldo entornava de vez.
Isabel pensava nisso tudo. E ficava com dó do
rapaz. Mas… o que poderia fazer? Nesse
momento a família dependia
exclusivamente dele. Trazer mais uma pessoa para o grupo familiar iria deixar
tudo ainda mais complicado nesse momento. Jairo levantou a cabeça, voltou a
falar com sua mãe…
- Seu Ferreira vai me deixar fazer um teste
para ser promovido para os caminhões…
- Você vai sair do escritório?!!!
- Não,
mãe. Vou continuar no escritório de dia, e a noite vou trabalhar com os
caminhões para as entregas. Isso, é claro, se eu passar nos testes.
- E é muito dificil?
- Com o carro, até que não… meu problema vai
ser a prova escrita, mesmo. Estou estudando a semana toda, para tentar passar…
- Vai dar certo, filho… você vai ver…
- Espero que sim… a gente está precisando muito
disso!
E então se levantou e foi para o seu quarto
descansar. Dali a poucas hora teria que começar tudo de novo. E ainda precisava
conversar com a sua namorada, colocar as coisas nos eixos. Queria se casar,
pensou em alugar uma casinha para os dois, mas depois de fazer as contas
friamente, chegou à conclusão de que isso não seria possível. Teriam que dançar
conforme a música. Tudo o que esperava é
que ela entendesse seu problema…afinal, nem tudo que planejamos fazer na vida
dá certo, não é mesmo?...
E com esse pensamento na cabeça, acabou por
adormecer…
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