A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo dez


 

A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo dez

 

 

Helena chegou de repente. Seus pais estavam na sala, conversando com Jairo e Estela.

- Seu Mario, nós precisamos conversar.

Helena chegou já cortando a conversa dos dois.

- Papai, mamãe… fiquem calmos, não fiquem nervosos…

Jairo a olhou, sem entender o que se passava. Mario e Janete olharam para a filha, e a interrogavam com o olhar. Estela sentiu um misto de agonia e alivio pela interrupção da conversa que ela teria que ter com seus pais, mas que na verdade não desejava.

- Papai, não sei como dizer isso… mas a Letícia está desaparecida…

Todos se levantaram de uma só vez de seus assentos, como se tivessem levado um choque. Janete ficou lívida. Mario a amparou, evitando que ela caísse. Sem compreender direito o que ouvira, perguntou para a filha, incrédulo…

- O que você disse? Como…

- Já fazem três dias que ela sumiu. Ricardo disse que brigaram, ele foi trabalhar e quando chegou em casa, ela já não estava mais lá…

- Mas como…

- Não sei, mamãe… a gente foi na delegacia hoje, registrar o B.O.

- Hoje? Porque só hoje?

- Mamãe, ele me ligou as duas da manhã, para me falar sobre isso. Quando amanheceu, a gente foi no emprego dela, e depois fomos na delegacia…

- Mas o que aconteceu, meu Deus do céu?

- Eu não sei… de qualquer forma, tudo o que sabemos é que ela foi embora. Algumas roupas suas sumiram de seu guarda roupa, bem como seus documentos e cartões de banco. Isso é tudo o que sei por enquanto…

Um silêncio sepulcral tomou conta da sala por alguns segundos. Estela foi a primeira a sair do torpor que havia dominado a todos…

- Você foi na loja em que ela trabalha?

- Fui.

- E ninguém sabe de nada? Ninguém sabe o que aconteceu com ela?

- Não. Conversei com seus colegas, ela não falou nada para ninguém. O gerente me disse que ela pediu sua demissão por e-mail…

- Mas, pode isso?

- Bem, não existe nenhuma lei proibindo. Não é muito comum esse procedimento, mas sim, isso é possível…

- Mas com vão saber com certeza de que é ela mesmo quem está pedindo as contas?

- Bem, o pedido pode ter sido on-line, mas o acerto de contas deverá ser presencial… para encerrar o vinculo com a empresa, ela deverá comparecer no Sindicato ou no TRT, para oficializar seu desligamento…

- E o gerente não sabe onde ela se encontra?

- Não… ela ligou para ele antes de ontem, e informou que não voltaria a trabalhar no local…

- E não disse o por que?

- Se disse, ele não falou… mas acredito que não… você conhece a Letícia…

Sim, todos a conheciam muito bem. Reservada ao extremo, procurava não partilhar seus projetos com as pessoas ao seu redor. “Para não dar azar”, dizia ela. “Quanto menos pessoas souberem o que estou fazendo, mais chances de as coisas darem certo”… ela era assim com todos, principalmente com seu marido. Ele nunca ficava sabendo dos projetos de sua esposa. Ela simplesmente não dividia com sua cara metade os fracassos e as conquistas pessoais. “Não tem porque eu falar  sobre o que faço”, dizia ela. “Eu não pergunto nada sobre o seu trabalho… por que eu teria que te falar sobre o meu?” era a resposta que Ricardo recebia, quando lhe perguntava alguma coisa. No começo ficava chateado, e demonstrava seu desagrado. Mas, com o tempo, acabou se acostumando com essa maneira diferente da esposa, e já não perguntava nada sobre como tinha sido o seu dia. Esse foi um dos motivos do inicio do afastamento do casal…

Janete estava desesperada. O que poderia ter acontecido com sua filha? Com certeza, só poderia ser culpa do traste de seu marido. Ela bem que avisara Letícia que aquele sujeito não prestava… o que ela poderia esperar de um sujeito com aquele? Só sabia beber todo dia. Era raro encontrá-lo são em um final de semana… isso quando o encontravam em casa, pois em quase todas as vezes que iam visitar o casal, o rapaz havia saído…

Mario estava meio macambúzio. Não conseguia entender… o que teria acontecido com Letícia para ela sumir, assim? Ela era meio difícil de lidar, nem seus pais conseguiam manter uma conversa com ela quando não queria… mas era uma pessoa centrada, e não costumava tomar atitudes precipitadas. Sua pergunta era a mesma de todas as pessoas ali presentes… o que a teria levado a tomar uma atitude dessas? E sem falar com ninguém?

O silêncio voltou a imperar no recinto.  Todos sentados, pensativos. Janete continuava a chorar, preocupada com o que teria acontecido com a filha mais velha. Novamente foi Mario a quebrar o silêncio que tomara conta do ambiente…

- E você, Jairo? O que queria falar comigo?

- Seu Mario, acho melhor deixar pra outro dia…

- Não, melhor não… se tem alguma coisa pra falar, é melhor que diga de uma vez…

- Acho que não é o melhor momento…

- E existe momento certo pra se falar? Desembucha de uma vez…

Estela ficou pálida… a hora da verdade havia chegado…

- Bom… seu Mario… é que…

- É que o que, rapaz? Fale de uma vez, chega desse suspense idiota…

- É que… não sei… acho que a Estela deveria falar…

Todos se voltaram para a moça, que permanecia em silencio. Seu pai a fitou, com um olhar inquiridor. Ela conhecia bem esse olhar. Queria dizer que era melhor ela abrir o jogo de uma vez, e falar o que quer que tivesse falar, sem rodeios. Ela respirou fundo, baixou um pouco a cabeça, como se estivesse ordenando seus pensamentos, e então finalmente se dirigiu a plateia que a aguardava ansiosamente…

- Papai… mamãe… eu… eu estou grávida!

Não era exatamente o que todos esperavam ouvir…

- E mais essa, agora!...exclamou Mario, ao ouvir a declaração da filha…

- Filha… você… tem certeza?!

- Sim, mamãe…

Mario olha para o casal. Não está bravo, apenas desapontado com a situação.

- Mas… vocês não tem juízo? Gente, eu sei que o namoro de hoje em dia é diferente do meu tempo… mas, caramba… existem mil maneiras de se evitar filhos, nos dias de hoje! Por que não se cuidaram, por mil diabos?!!!

- Mario…olha a boca…

- E o que é que tem falar “mil diabos”?

Janete se persignou e chamou a atenção do marido, mais uma vez.

- Você sabe que invocar o tinhoso traz má sorte para a gente… ainda mais em uma hora sagrada como é a hora das refeições…

- Já tem coisa demais acontecendo nesse momento, você não acha? Então, deixa o pobre do diabo de lado…

Janete persignou-se novamente, e resolveu ficar calada. Sabia que quanto mais tentasse fazê-lo entender a gravidade de suas palavras, mais seu marido iria mencionar o Senhor das Trevas, e ela tinha simplesmente pavor até de ouvir o nome do capeta… Mario voltou-se novamente para Estela…

- E então? Não vou pedir explicações, pois não dá para explicar isso. Contra fatos não tem argumentos. Mas…

- Mas o que, papai?

- Mas, e agora? O que vocês pensam em fazer? Como vão cuidar dessa criança?

- Ué, seu Mario… como todo mundo cuida…

- E como é que todo mundo cuida?

- Eu...

- Pretendem se casar?

- Claro que sim, seu Mario! Eu só preciso…

- Não, papai… eu não pretendo me casar agora…

- Ué, e por que não? Vocês vão ter um filho daqui a pouco…

- Ter um filho não é motivo para se casar as pressas…

- Bom, para vocês terem um filho antes do tempo, tiveram pressa… agora, pra casar…

- Seu Mario, te juro que eu quero me casar o mais rápido possível… mas, pra isso, a Estela tem que querer, também…

Janete resolve falar…

- E por que você não quer casar, minha filha? Não gosta dele?

- É claro que gosto, mamãe… mas agora não é o momento certo…

- Porque sua irmã fugiu?

- Não, é claro que não…eu nem sabia que ela tinha chispado, até uns minutos atrás… é que nem eu, nem o Jairo estamos preparados para dar esse passo… não agora, pelo menos…

- E por que?

- Oras, mamãe… se nós nos casássemos agora, onde a gente iria morar, por exemplo?

- Ué, poderiam morar aqui, até conseguirem se ajeitar…

- E a senhora acha que isso daria certo? Nem a Helena te aguentou, já foi embora a séculos daqui…

Helena respirou fundo. Tudo o que ela não queria era que a envolvessem na conversa. Pensou, mas não falou, embora fosse esse seu desejo… “por favor, me incluam fora dessa”. Felizmente Mario interrompeu a linha de discussão da filha…

- Estela, Jairo… eu sei que a situação é difícil, e ficará ainda mais quando essa criança nascer. E é por isso que estou sugerindo… não estou impondo nada, quem decide são vocês… de ceder um espaço aqui para vocês se ajeitarem…

O casal ficou em silencio. Não sabiam que atitude tomar. A oferta dos pais da moça era generosa, e não apertaria o orçamento de ninguém. Espaço, a casa tinha. E tinha uma outra casinha no terreno, que se encontrava vazia, no momento. Era apenas um quarto e cozinha, mas era independente. Podia dar certo, pensou Jairo…. Só faltava convencer sua namorada…Mas Janete não podia ficar calada, naquele momento, e entornou o caldo…

- Mas tem que se casar logo, antes do nascimento da criança…

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