A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Quinze


 

 A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Quinze
Mais um dia se iniciava em Tocantins. Cecília estava pensando no que iria fazer. Cidade do interior era bom para passear, e ela até teve um impulso de ficar por ali mesmo. Mas depois de uma semana tranquila… até demais, diga-se de passagem… ela estava reavaliando se valia mesmo a pena ficar por ali. Mesmo porque ainda não tinha conseguido nenhuma colocação e embora sua reserva monetária lhe permitisse ficar alguns meses tranquila, estava pensando na possibilidade de procurar outro local. O mercado de trabalho era um tanto quanto restrito, e ela estava sentindo dificuldades em se adaptar. Nem a casa que estava vendo para alugar a entusiasmava mais. Realmente, depois de uma semana, ela estava considerando em voltar para São Paulo. Não precisava ser exatamente no bairro que morava. Poderia muito bem ir para outro extremo da cidade, e seu marido não teria como encontrá-la…
Para espairecer um pouco, resolveu andar pelos arredores da cidade. Caminhava lentamente, observando tudo ao seu redor, quando percebeu uma presença ao seu lado. Era o rapaz do outro dia. Ela sentiu-se incomodada com sua presença. Mas procurou não demonstrar isso. Estava sozinha, não custava nada dar um pouco de atenção para ele. E começaram a conversar. Ela perguntou se ele nascera ali mesmo, respondeu que não… afinal, já havia dito na noite passada que morava em Silverânia…
“Sim”, ela retrucou, “porém morar em um lugar não quer dizer exatamente que você nasceu ali”, retrucou ela. “Eu, por exemplo… nasci em uma cidade e vivia em outra”…
-E de onde você é?
Ao ouvir a pergunta, Cecília tratou de desviar do assunto. Não queria dizer a ele que vinha de São Paulo. Não. Afinal, se resolvesse voltar para a cidade, não gostaria de ter alguém indo procurá-la… e pelo jeito do rapaz, ele era bem capaz de fazer isso… ela o achou meio pegajoso, e não gostou muito dessa característica dele… Ela olhou o relógio… eram duas horas da tarde, as quatro e meia saia um ônibus para Cataguazes. Era uma cidade maior, talvez se sentisse melhor por lá. Deu uma desculpa esfarrapada para o rapaz, voltou ao Hotel, arrumou sua mala e dirigiu-se à rodoviária. Estava decidida a ir para Cataguazes.
Mais ou menos cinco da tarde o ônibus afastou-se da plataforma e ganhou a rodovia. Se tudo desse certo, umas sete e meia estaria na outra cidade. Já havia reservado um quarto no Hotel Alvorada, o que significava que poderia ir com toda calma. Esperava ter mais sorte na nova cidade. Ficaria mais uma semana por ali, se não encontrasse nada que lhe servisse, retornaria para São Paulo… afinal, a poeira já tinha baixado e, de qualquer forma, teria que ir até lá para fazer a rescisão contratual da loja em que trabalhara até pouco tempo. Enquanto o ônibus cortava a rodovia, ela começou a sonhar. E em seus sonhos, estava correndo pelos campos verdes de sua infância. Ela sempre morara no mesmo lugar, e seu bairro era, em essência, uma região interiorana, onde os animais pastavam tranquilamente, nas ruas transitavam charretes e carroças, os rios cortavam toda a região e a mata fechada era a marca do limite das estradas de terra. Na região tinha apenas uma escola primária, e ficava a pelo menos uma hora de distancia de sua casa. À pé, pois não tinha condução ligando seu bairro com o local em que a escola ficava. Mas ela gostava de fazer essa caminhada. Afinal, além do gado que teimava em cruzar seu caminho, tinham os cavalos e outros animais. Pássaros, haviam vários tipos deles. Na represa que ficava perto de sua casa, os paturis faziam a festa, assim como as garças… o lugar realmente era piscoso. Nos mourões das cercas, tizius viviam a pular. Sabiás, pintassilgos, canarinhos, picapaus, Bem te vis cruzavam seu caminho a todo instante. E as andorinhas, com seus voos rasantes… coisa linda mesmo era ver essas pequenas aves se espojando na terra, como se estivessem tomando banho… claro que, vez ou outra, ela cruzava com uma serpente em seu caminho… mas passado o susto inicial, cada um seguia seu caminho, sem grandes prejuízos para nenhum dos lados. Sapos, havia em abundância. E próximo à represa, havia um grande taboal, onde as crianças costumavam buscar material para fazer algum trabalho manual que a professora pedisse.
Ainda em seus sonhos, Cecília de repente se viu junto com suas amigas de infância, brincando de roda. Ela era a Bela Adormecida, no centro da brincadeira. E Tiago, um dos seus vizinhos, era o príncipe encantado que iria acordá-la. E não é que a acordou, mesmo? Bem, não exatamente o Tiago, mas o motorista do ônibus, que estava dando alguns tapinhas de leve em seu ombro, para que ela desembarcasse, uma vez que já haviam chegado a cidade…
Ela esfregou os olhos. Despertou. Levantou-se da poltrona, pegou sua bagagem de mão e desceu… pegou as malas que estavam no bagageiro do carro, e dirigiu-se para o hotel que escolhera. Não era muito longe, cerca de setecentos metros entre um ponto e outro. E ela foi caminhando com sua bagagem para lá…
“Acho que estou pagando meus pecados, andando pra lá e pra cá”, pensou. E finalmente chegou à porta de seu hotel. Registrou-se, se instalou no quarto, arrumou suas coisas, tomou um banho. Após se vestir , olhou as horas… pouco mais de nove horas. “Um bom horário para comer alguma coisa”, pensou. Lembrou-se que em frente à Rodoviária havia visto uma Pizzaria, e resolveu ir até lá… uma pizza de calabreza com mussarela cairia muito bem…
Uns vinte minutos depois ela devorava a pizza que pedira. Estava sozinha, mas resolveu que sua fome era suficiente para uma pizza grande. E a comia realmente com gosto. Não sabia se era a fome, ou se era o sabor da comida, mas nunca havia provado nada tão bom assim, ponderou…
Mais ou menos umas onze horas ela já estava dormindo. Não poderia dizer o porque, mas caiu como uma pedra. E só acordou depois das dez da manhã… o que significava que o horário do café da manhã já havia terminado.
Cecilia saiu para a rua, tanto para tomar seu desjejum quanto para conhecer os arredores. Esta cidade era bem maior que a outra, percebeu logo de cara. Quem sabe se… bem, pensaria nisso depois. Agora, o que ela desejava realmente, era comer alguma coisa. Novamente a Rodoviária foi seu destino. Mas pensou um pouquinho e resolveu caminhar mais, até uma hamburgueria que havia ali perto. Haviam falado bem do local, e ela ficou curiosa em conhecer. Como se chamava mesmo, o local? Era… Johnnie Grill? Sim, ela tinha a impressão que era esse o nome que a recepcionista do hotel falara. E então, sem mais delongas, seguiu para a Hamburgueria. Sentou-se em uma das mesas, olhou o cardápio e escolheu uma das opções. Para beber, pediu um suco de morango com leite. Ela simplesmente amava suco de morango com leite. Quando seu lanche chegou, achou-o realmente robusto. E o atacou. Cada mordida que dava no sanduiche, uma expressão de prazer se desenhava em seu rosto. E assim foi, até o último pedaço. Ficou algum tempo recostada em seu assento, com os olhos fechados, ainda degustando o lanche que acabara de comer. Finalmente, foi ao caixa e pagou sua conta. Ganhou a rua, novamente, e começou a caminhar lentamente, observando tudo ao seu redor. Sim, Cataguazes era uma cidade linda. Não era grande, como São Paulo, mas também não era pequena como Tocantins. Ao passar por uma das ruas… era a Praça Rui Barbosa, perto da Prefeitura da cidade, o que ela vê? Uma loja da rede “Magazines Luiza”, e o que ela vê na porta da loja? Um cartaz pedindo… Vendedora! Não pensou muito, entrou e foi direto conversar com o gerente… não, com a gerente da loja. Conversaram por algum tempo, Cecília explicou-lhe que trabalhava na área já a um bom tempo e que era uma das melhores vendedoras de sua loja. Mas que por problemas pessoais, teve que pedir demissão e sair da sua cidade. E agora estava precisando de um emprego em uma nova empresa, em uma nova cidade. A gerente, que se chamava Katia, a ouviu com muita atenção. No final, perguntou se poderia falar com seu ex-chefe. Cecília disse que sim, sem problemas. E deu-lhe o telefone da loja, com o nome do gerente… conversaram mais um pouco, então Katia disse que lhe daria uma resposta, positiva ou negativa, no dia seguinte. Cecília ficou animada. Afinal, se conseguisse um emprego ali, não precisaria se preocupar em voltar para casa… não que ela fosse voltar para sua casa, realmente… mas se pudesse evitar retornar à cidade por algum tempo, não ficaria nem um pouco triste…
Saiu da loja e continuou sua tournee pela cidade. Caminhando mais um pouco, chegou até a Praça Santa Rita, onde fica o Santuário de Santa Rita de Cássia. Católica não muito fervorosa, resolveu entrar na igreja para rezar um pouco e respirar aquele ar de paz e tranquilidade que estes locais místicos costumam ter…
Depois de algum tempo de meditação, em que fez suas orações e agradecimentos a Deus… de seu jeito, pois ela não costumava ir muito às igrejas… sempre pensou que, para falar com Deus, qualquer lugar serviria. Na sua opinião, não era necessário estar religiosamente todos os domingos (Sua mãe ia todos os dias) para que Deus tivesse certeza de que você o respeitava. O Deus em que ela acreditava era um Deus amoroso, que não pensava em vingança contra seus filhos… quando falava isso para sua mãe, a coitada só faltava ter um ataque do coração. Pois sua mãe era daquelas devotas que acreditavam que, para ganhar as graças divinas, o fiel tinha que fazer penitencias e muita oração…. Bem, pensava Cecília, cada um cultua Deus da maneira que achar melhor… e assim, evitava entrar em conflito com sua progenitora. Seu pai já era mais tranquilo, não só em relação a fé como em muitos outros assuntos da vida. Por exemplo, enquanto sua mãe não via a hora de vê-la casada, mesmo não gostando do futuro genro, seu pai sempre a aconselhou a pensar bem no passo que ia dar. Afinal, namoro era uma coisa, casamento era outra. Enquanto o namoro poderia ser comparado com uma caneca de ágata, o casamento era algo mais refinado… era uma taça de cristal. E, como o cristal, se houvesse algum trincado no relacionamento, ele até poderia ir em frente… mas aquela marca jamais se apagaria. Cecília se lembra de que , até poucas horas antes do enlace, seu pai conversou seriamente com ela e perguntou-lhe, pela centésima vez, se estava segura do passo que iria dar. É claro que ela confirmou. O velho deu de ombros, abençoou-a e desejou-lhe boa sorte. E não é que ele estava certo? Já na primeira semana os dois se desentenderam, e daí pra frente, só foram para trás, como o povo costuma dizer. Cecília descobriu, em pouco tempo de casada, que ela e Ricardo não tinham nenhum ponto em comum… brigavam como cão e gato. E o pior… por coisas bem bobas, que não valiam nem o esforço que faziam para seguir com suas discussões adiante… muitas vezes ela ia dormir magoada com o esposo, mas não tentava se reconciliar com ele. Achava que, já que o errado era ele, ele deveria dar o primeiro passo para a reconciliação. Mas todos nós sabemos que não é bem assim que uma relação funciona, não é mesmo? E foi assim que a taça de cristal que era o seu casamento foi se trincando, se trincando, até que não havia mais como consertar. E ela sabia que o erro era dos dois… bom, a bem da verdade, seus pais também tinham uma pequena parcela de culpa, pois nunca tentaram apaziguar o casal, na verdade, as vezes até jogavam mais lenha na fogueira. E assim, a vida ia seguindo em frente. Com os dois convivendo na mesma casa, mas de forma alguma como um casal. Afinal, aquela chama do amor que existia no seu tempo de namoro foi se extinguindo aos poucos, até que nada restou.. a não ser a companhia que faziam um para o outro. E mesmo essa estava fadada a sumir com o tempo….

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