A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Nove

A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Nove


Era já tarde da noite, e Jairo ainda tinha mais algumas entregas a fazer. Cortando as ruas e avenidas da cidade, correndo contra o tempo para cumprir os pedidos, o rapaz quase não notava o caminho que fazia, pois estava pilotando sua moto somente por instinto. Seu pensamento estava longe daquilo que fazia. Estava pensando em Estela.  Fazia já algum tempo que ela andava meio estranha. Sempre fora uma garota alegre, extrovertida, e no entanto… alguma coisa estava errada. O problema é que ela não se abria. Às vezes ele perdia a paciência. Afinal, que diabos de namoro era esse, que a menina não podia se abrir  para ele, contar o que a afligia? Ele tinha certeza de que deveria ser algo muito grave. Mas não devia ter relação com suas irmãs. Não. Elas brigavam como cão e gato, mas isso não seria suficiente para que ficasse no estado em que estava. Sim, ele estava preocupado com a sua garota.

Fazia já mais de um ano que os dois namoravam. Podia-se dizer que estavam firmes. E ele tinha certeza de uma coisa… ela era uma garota que ele queria para casar. Aquela coisa careta de igreja, cartório, tudo direitinho, como dona Isabel vivia lhe dizendo. Sim, ele queria se casar com ela. Já tinham consumado sua união várias vezes durante esse período em que estavam juntos, e o sentimento que ele sentia por ela ficava cada vez mais forte. Ele já tinha pedido a moça em casamento, mas ela pediu que esperasse até terminar o ano letivo, pois desejava concluir seus estudos secundários antes de dar qualquer passo.  Bem, ele não se importava de esperar. Mas, nos últimos dias… 

Jairo se lembrava que, na ultima vez que foram ao cinema, a garota estava meio estranha. Absorta, distraída… alguma coisa a incomodava, ele tinha certeza. O problema é que ela não lhe dizia nada, e ele não tinha uma bola de cristal para descobrir o que se passava em seu íntimo. O que poderia fazer?

Mais uma entrega foi concluída com sucesso. Era a última do dia. Já poderia ir para casa, descansar para mais uma jornada no dia que iria nascer. E, pela manhã, tentaria conversar com sua mina, para ver se ela se abria de uma vez…

O dia mal amanheceu e ele já estava acordado. Tinha que estar no escritório às oito da manhã. Trabalhava como auxiliar de contabilidade durante o dia e à noite fazia um bico como motoboy, para aumentar sua renda. Estava guardando algum dinheiro para seu casamento. Só que, para se casar, a noiva tinha que aceitar o enlace. Resolveu que iria dar um pulo na casa de Estela na hora do almoço. Precisava conversar com ela, esclarecer de uma vez o que estava acontecendo. E tinha que ser o mais breve possível. 

Estela o recebeu, não tão efusiva quanto costumava ser.  Eles se gostavam, ele sentia isso. Mas, então, por que ela estava tão arredia? Tinha que perguntar, esclarecer de uma vez… e o fez. A resposta o pegou de surpresa, pois não estava esperando tal notícia. Ela estava grávida…

- Grávida? Mas… como isso aconteceu?

- Como? Está brincando comigo, não é?

- Você… você não estava tomando a pílula?...

- Falhou… às vezes, acontece…

- Mas… você tem certeza? Quer dizer, de repente…

- Não tenho dúvidas… sim, vamos ter um filho…

O rapaz baixou a cabeça, pensativo. Um filho não estava nos seus planos. Não nesse momento. É claro que ele desejava ser pai, mas nem ele nem sua namorada estavam preparados financeira e psicologicamente para isso. Mas quem disse que as coisas só acontecem quando você está preparado, não é mesmo? Estela estava parada, olhando para o rapaz. Esperava que ele dissesse algo, o que poderiam fazer nessa situação.

- Seus pais… já sabem?

- Não… ainda não falei nada…

- Porque?

- E ainda pergunta? Como é que eu vou chegar nos dois e falar “papai… mamãe… vocês vão ser avós”?  Não é uma coisa muito fácil de se dizer….

- Mas eles precisam saber…

- Tenho medo da reação deles… você sabe como meus pais são…

- Sei. Minha mãe também é radical. Mas a gente vai ter que dizer…

- Por favor, nem pense em falar nada por enquanto…

- Mas você não vai conseguir esconder isso deles por muito tempo…

- Eu sei. Mas enquanto for possível…

- É por isso que você estava tão estranha esses dias?

- Sim… eu não sabia como você ia reagir quando te contasse…

O rapaz ficou calado por alguns momentos. Mil pensamentos afloraram em sua mente.O trabalho no escritório, o bico noturno… tudo isso para conseguirem construir seu canto e se casarem. E agora, assim de imprevisto… Estava um pouco perdido.

- E a escola? 

- Não vou concluir esse ano. E acho que, com a criança, vai ser mais difícil continuar a estudar…

- É… acho que a gente não estava preparado para isso… não era o momento, ainda.

- O que você quer que eu faça? Aconteceu…

- Você esqueceu do remédio…

- Olha, se você usasse camisinha, isso não teria acontecido. A culpa não é só minha…

- Não estou te culpando. Na verdade essa noticia é maravilhosa. É que… bem, não sei se esse era o melhor momento para essa notícia…

- Não está chateado comigo? Jura?

- Juro. Eu adoro criança. E o que mais  desejo é ser pai. Só que…

- Você não vai querer que eu tire a criança, não é?

- Está doida? É claro que não…

- É que você disse…

- Meu bem, o que eu quis dizer é que, financeiramente, a gente não está preparado…

- E…?

- E a gente vai dar um jeito. Fica tranquila.

- O que você pensa em fazer?

- Bom, eu queria um casamento com tudo aquilo que você merece, mas…

- Mas…?

- Quer ir mora comigo, mesmo sem casar?

- Morar? Aonde? Na casa de sua mãe?..

- Não, claro que não… eu alugo uma casinha prá nós dois…

- Acho que não é o momento certo, Jairo…

- E existe momento certo? A criança está vindo… e ela precisa de um lar.

- Mas aqui eu posso ter o apoio e a ajuda de minha mãe…

- Se o céu não desabar sobre sua cabeça, antes… você sabe que ela é mais radical que a minha mãe… além disso, a gente não sabe qual será a reação de seu pai… e se…

- Não, acho que não…

- Mas você não quis contar para eles…

- Sim… tenho medo de sua reação…

- Ora, de repente eles ficam felizes em ganhar um netinho, já pensou nisso? Eu estou feliz porque vou ser pai…

- Estou preocupada…

- Já marcou seu pré-natal?

- Não, ainda não… amanhã vou ao posto…

- Sozinha?

- Sim, claro… afinal, ainda não contei para minha mãe…

Jairo ficou em silencio novamente. Olhou o relógio. Tinha que voltar ao escritório, sua hora de almoço esta por findar.

- Venho a noite na sua casa. Vamos conversar com seus pais hoje. E, dependendo de sua reação, a gente vê o que faz…

- Jairo, estou com medo…

- Não precisa, vou estar junto com você.

Deu um beijo na garota, montou em sua moto e partiu. Estela ficou remoendo os ultimos dias. Estava preocupada, mas talvez realmente pudesse relaxar. Afinal, se Jairo aceitou a situação numa boa, seus pais também poderiam aceitar. Talvez estivesse se preocupando à toa…

Enquanto se dirigia para o trabalho, mil coisas passavam por sua cabeça. Está certo, não pensava em ter um filho tão cedo, mas também não seria o fim do mundo. Só teria que apertar um pouco o cinto, cortar alguns gastos… a primeira coisa que teria que fazer era arrumar uma casa para os dois. Com certeza não gostaria de ficar na casa dos pais dela, nem na de sua mãe. Tudo o que precisariam seria paz e tranquilidade para a futura mamãe, e ele tinha dúvidas quanto ao tratamento que ela teria se ficassem morando com seus pais, não importa de que lado. Mas, de qualquer forma, ela tinha razão em uma coisa... se ficasse na companhia de seus pais, ela teria quem a acompanhasse durante toda a gestação, o que seria mais difícil se fossem morar juntos. Oh, meu Deus, que coisa mais complicada… é como dizia a Cecília Meirelles… “se põe o anel, não calça as luvas, se calça as luvas, não põe o anel”… mas ele tinha certeza de que tudo entraria nos eixos… era só ter um pouco de paciência…

Sete horas em ponto ele estava de volta na casa de sua amada. O senhor Mario o recebeu muito bem, como sempre fazia. Ofereceu-lhe uma cerveja, declinou da bebida. Depois de alguns minutos, dona Janete chamou os dois para a sala de jantar, que já estava servido. Estela estava sentada a mesa, silenciosa como nos últimos dias. Após terminarem a refeição, Jairo se dirigiu ao pai da moça…

- Seu Mario, nós precisamos conversar…







 

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