DESASSISTIDOS PELA VIDA...



DESASSISTIDOS PELA VIDA...


Tá lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto a foto de um gol
Em vez de reza a praga de alguém
E um silêncio servindo de amém

O bar mais perto depressa lotou
Malandro junto com trabalhador
Um homem subiu na mesa do bar
E fez discurso pra vereador

E com estes versos começa o samba "De frente pro crime", de João Bosco e Aldir Blanc. É uma crônica da violência do dia a dia, onde a vida de uma pessoa tem pouco valor, já que a própria morte foi banalizada pela sociedade... e a morte vem de várias maneiras...

Normalmente, quando passamos por uma avenida movimentada e paramos em um semáforo, fechamos os vidros do carro, devido ao medo da violência urbana... e  quando vemos algumas pessoas tentando ganhar algum dinheirinho vendendo quinquilharias no meio do tráfego, nossa primeira reação é virarmos o rosto e fingirmos que não estão ali... quando batem em nossa janela, pedindo nossa atenção, damos graças aos céus se o sinal fica verde e podemos arrancar, sem que tenhamos ouvido seu pedido silencioso de ajuda. Quando estamos caminhando por uma rua, mesmo que movimentada, e cruzamos com alguém com a mão estendida, pedindo para que o auxiliemos, nosso primeiro ímpeto é atravessar a rua e virarmos o rosto, para que não vejamos a miséria que se apresenta a nossa frente... e quando passamos por aquela avenida, mesmo que estejamos dentro do ônibus, e nos deparamos com uma comunidade inteira se protegendo como consegue das intempéries do tempo, debaixo de marquises e pontes? Mesmo horrorizados com a situação de nossos irmãos, preferimos não tomar ciência do ocorrido, tentando nos convencer de que aquilo jamais aconteceria conosco...

Sim, nosso primeiro ímpeto ao presenciarmos uma situação que só seria admissível em um país em guerra (aliás, nem nesse caso seria admissível) é tentarmos ignorá-lo para que não sejamos contagiados com a situação. Fazemos como o avestruz... escondemos a cabeça em um buraco para que não possamos ver as agruras de nossos semelhantes. Não é por outro motivo que torcemos o nariz quando cruzamos com uma comunidade qualquer. Não é que consideremos as pessoas daquele grupo inferiores a nós. Na verdade, o que temos é medo de, por um motivo qualquer, acabarmos fazendo parte daquele grupo, onde acabaremos passando pelas mesmas dificuldades que eles passam... e o medo de enfrentar adversidades não programadas por nós é deveras perturbador...

Quando vemos aquelas pessoas dormindo sob marquises, cobertas com um pedaço de papelão, quando vemos uma criança faminta nos estendendo a mão... os sentimentos de piedade e de repulsa pela situação se alternam dentro de nós... se forem crianças a nos abordar, nossa primeira pergunta ( a nós mesmo, pois não a externamos...) é... "onde estão os pais dessa criança, que a deixam jogada na rua, correndo perigo?"... sem nos apercebemos que os pais muitas vezes estão a poucos passos dali, tentando conseguir o alimento necessário para a sua subsistência. Estão clamando por ajuda, para que possam sobreviver. Se estiverem sãos ainda conseguem uma migalha de nossa atenção. Mas se, por algum motivo, estiverem sob o efeito de alguma substancia que altere seus sentidos... e não estou falando de nenhuma droga mais pesada, estou falando de álcool, mesmo... bom, aí com certeza não daremos nenhuma atenção a eles, com receio de termos nossa segurança comprometida... e muitas vezes, tudo o que aquelas pessoas necessitam de nós é uma palavra de conforto, de carinho... 

Agora, vamos falar de como selecionamos (se assim podemos dizer) as pessoas das quais teremos menos receio de ajudar... é claro que isso não é uma regra, mas é como normalmente nos comportamos... se for uma criança, as chances de conseguir ajuda são grandes. Se for menina, as chances aumentam exponencialmente. Se for uma jovem, já ficamos com o pé atrás. Se estiver bêbada, ou sob o efeito de qualquer outra substancia, suas chances se reduzem a zero... menos, é claro, se for bonita. Nesse caso, mesmo alcoolizada  ou sob o efeito de outras coisas, terá chances de ser ajudada pelos homens... Se for idosa, de cara limpa ou não, suas chances são mínimas... se for um homem, e não for criança, suas chances de conseguir ajuda serão bem reduzidas, pois a sociedade em geral enxerga os representantes do sexo masculino como um perigo em potencial...

Como eu disse acima, isso não é uma regra, mas é como  em geral, agimos. Para nos proteger daquilo que nós cremos ser perigoso para nossa integridade física, ficamos surdas, mudas e cegas para com as dificuldades de nossos semelhantes. É como diz aquele ditado..."farinha pouca, meu pirão primeiro". É claro que existem exceções, pois toda regra tem exceção. Há aqueles que se reúnem em grupos e  tentam socorrer essas pessoas desassistidas pela sorte e, com a ajuda de uma pequena parcela da sociedade, procuram resgatar e reinserir essas pessoas de volta ao seio da vida...

São oito horas e quarenta e cinco minutos desta quarta feira linda e maravilhosa que se inicia. Estamos com 24ºC, o que prenuncia um dia quente. Pode chover à tarde?  Pode. Mas, se acontecer, será uma chuva localizada...

Que Deus abençoe a todos nós e amoleça nossos corações , para que sejamos capazes de estender a mão aos necessitados sem nenhum tipo de receio de nossa parte. Que tenhamos a sensibilidade de nos colocarmos no lugar dessas pessoas e nos conscientizemos de quão importante é dar a ajuda que necessitam...

Que esta seja a mais belas de todas as quarta feiras que já vivemos em nossas vidas. Até amanhã, se Deus assim o permitir...


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