A VIDA NO SERTÃO...
A VIDA NO SERTÃO...
Eu não troco o meu ranchinho
amarradinho de cipó
Por uma casa na cidade
Nem que seja bangaló
Eu moro lá no deserto
Sem vizinho vivo só
Só me alegra quando pia
Lá praqueles cafundó
É o Inhambu xitã
E o xororó
E assim começa um dos mais belos clássicos da música caipira, de um tempo que não mais há de voltar. Quando o caboclo levantava quando a noite ainda era alta, tomava seu cafezinho preto com um pouco de farinha de milho, pegava sua enxadinha, colocava no ombro e ia feliz para o eito. Às vezes andava duas, três léguas, até chegar no seu local de trabalho. Se encontrava com seus companheiros de trabalho, dividiam as quadras nas quais iam trabalhar e o sol ainda nem pensava em despontar no horizonte quando começavam sua peleja diária. Alegres, cantavam as modas que inventavam na hora, ou que tinham ouvido na ultima quermesse da igreja. De vez em quando algum deles levava, junto com a enxada, uma violinha. E quando paravam um pouco para almoçar, lá pelas nove horas da manhã, começavam uma cantoria, como pássaros agradecendo aos céus por mais um dia. Sim, a vida era boa para quem desejava que ela fosse boa. Se alguém ficasse doente, o médico da cidade era inalcansável. Então as benzedeiras entravam em ação, com suas rezas e mandingas, para curar as enfermidades de seus pacientes. E podiam ser crianças, adultos, idosos. Todos estavam sob os cuidados das rezadeiras, que tinham contato com o andar de cima e por isso conseguiam resolver a maioria dos casos com suas ervas e orações. Sempre havia um benzedor com mais fama que os outros, e na porta deste fazia filas quilométricas de pessoas que precisavam de sua ajuda...
Quando a tardinha chegava, e o caboclo considerava seu dia terminado, pois havia conseguido completar toda a quadra que lhe fora confiada, não raro se reunia com seus vizinhos e iam se divertir noite adentro cantando, contando causos... as mulheres já estavam com o jantar pronto... normalmente um pouco de arroz e feijão, um peixe pescado no ribeirão ou alguma caça capturada quando iam buscar lenha... se a caça fosse de um porte um pouco mais robusto, geralmente era o homem que tinha ido buscar... os mais velhos reuniam a criançada, que na verdade já não se consideravam crianças, e começavam a contar histórias tão antigas quanto o próprio tempo, histórias de quando os animais ainda falavam... quando plebeus venciam dragões e conseguiam se casar com as princesas e iam viver felizes para sempre. Eram tradições orais, passadas de pai para filho e, como se diz, quem conta um conto, aumenta um ponto. Se o narrador tinha o dom para contar histórias, ele a ilustrava tanto que dava para sonhar com os olhos abertos, dava para viajar pelas campinas verdejantes no dorso de um lindo corcel... e a gente podia ver a mãe d'água ofertar seus tesouros para os escolhidos, aqueles a quem ela considerava merecedores de sua dádiva.
Histórias de boi-tatá, mula sem cabeça, lobisomem, bruxa... eram a coisa mais natural do mundo... esses seres conviviam lado a lado com os simples mortais. Veja bem, o "nosso" lobisomem nada tem a ver com os lobisomens clássicos de filmes de terror. Podemos dizer que eram mais... mansinhos! E, além disso, eram o equivalente das bruxas, que nada tinham a ver com as bruxas que conhecemos nos clássicos contos de fadas. Mas, como assim, você me pergunta... eu explico. No interior paulista, principalmente no Vale do Paraíba, aos pés da Serra da Mantiqueira, as tradições eram um pouco... diferentes... do que costumamos achar que fossem. Por exemplo, o casamento... para o caboclo, casamento no civil não tinha nenhum valor perante Deus. O único casamento válido era o religioso, quando o casal se apresentava perante o vigário e tinha sua união abençoada por este. Mas existiam alguns poréns... quando o casal saia da igreja, em direção à festa que seus pares haviam preparado para estes, não podiam olhar para trás, em direção à igreja. Se o fizessem, era certo que a infelicidade iria ser a companheira eterna do casal... quando a criança nascia, deveria ser batizada imediatamente, para que ficasse protegida contra os ataques das bruxas, que adoravam sugar o sangue do umbigo e do pezinho dos recém nascidos... e de onde vinham essas bruxas, você me pergunta... bem, geralmente elas eram a sétima filha de um grupo de meninas. Ou seja, se o casal tivesse tido sete meninas, a sétima nasceria com a maldição e toda noite de lua cheia ela se transformaria e ia sair pelo campo, a procura de alguma casa onde tivesse algum recém nascido para atacar. Como evitar que a menina fosse atingida pela maldição? A filha mais velha da família deveria batizar a caçula, se tornando comadre de sua mãe. Ah, os lobisomens tinha uma origem exatamente igual. Eram sempre o sétimo filho do casal, e para que não fossem amaldiçoados, o filho mais velho tinha que batizar o caçula, tornando-se compadre de seus pais. Por algum motivo o lobisomem era mais tranquilo que a sua contraparte, a bruxa. Enquanto as bruxas atacavam principalmente, mas não exclusivamente os infantes, invadindo suas casas nas madrugadas enluaradas, os lobisomens eram o terror do... galinheiro. Sua refeição favorita eram as entranhas das galinhas e suas fezes. Depois de se refestelar durante a noite com um banquete tão inusitado, tanto as bruxas quanto os lobisomens faziam uma lavagem estomacal, tomando um caldeirão de água morna, para vomitarem tudo aquilo que haviam ingerido durante suas andanças noturnas...
E os boi-tatás? Bem, estes eram aqueles casais que se juntavam... se amigavam, como costumava dizer... e por algum motivo não recebiam a benção da igreja, vivendo em pecado. E assim, nas noites de lua cheia, o casal se transformava na criatura, que era basicamente uma bola de fogo a cortar os céus nas trajetórias mais loucas. Os cavalos em cabeça? Tinham uma origem semelhante. Mas era um pouquinho mais complicado. O cavalo sem cabeça era criado quando dois compadres... o homem e a mulher, é claro... se juntavam em uma relação carnal. Por ser considerada a relação mais sagrada que poderia haver entre as pessoas, quando uma pessoa de fora era convidada a fazer parte de um núcleo familiar, batizando o filho de alguém e se tornando um segundo pai... ou mãe... da criança, se essa pessoa viesse a quebrar esse vínculo sagrado se envolvendo sexualmente com a pessoa da qual era compadre, ou comadre, o castigo para os dois vinha a cavalo, literalmente. O casal era condenado a cavalgar nas noites de lua cheia e assombrar as pessoas da comunidade. Encontrar-se com um boi tata ou um cavalo sem cabeça em uma noite de lua cheia pelos descampados da vida era sentença de morte, sem apelação. Tanto um como o outro matavam suas vítimas com o fogo de seu pecado...
São sete horas e trinta minutos dessa terça feira linda e maravilhosa que está se iniciando. Os termômetros estão marcando 23ºC neste momento, com possibilidade de chegar aos 30, como ontem. E sempre há a possibilidade de termos chuvas localizadas...
Fiquem com Deus e até amanhã, se ele assim o permitir. Que Ele abençoe a todos nós e nos conceda a melhor de todas as terça feiras que já vivemos até os dias de hoje....
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