WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Cinquenta e Cinco


WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS

Capítulo Cinquenta e Cinco

 

As primeiras sombras da noite alcançaram o grupo em sua incessante busca pelo covil de Anhangá. Sua jornada os levou até o rio, próximo à cachoeira. Não acreditavam que ali poderia ser o esconderijo da criatura, mas Juvêncio, pela sua experiência em casos assim, não descartava nenhuma hipótese. Por isso, ao se acercarem da cascata, ele fez sinal para seus companheiros se espalhassem pelo local, não perdendo de vista a queda d’água....

Porque Juvêncio estava certo de que ali poderia ser o local que procurava? Bem, depois de uma vida na estrada, aprendeu que as nascentes e as quedas d'água eram os lugares favoritos  para os seres sobrenaturais se abrigarem dos olhares humanos. 

Parecia lógico. Afinal, aquele ser já existia na região a um bom par de anos... décadas...séculos, talvez. E nunca se localizou sua morada. O fato de ser uma criatura do além não explicava como isso fora possível, pois com certeza o procuraram quando houve os ataques anteriores. Mesmo tendo medo de uma entidade misteriosa, com certeza grupos de caçadores perseguiram a fera. E nunca a localizaram... 

Pelo que Matilde descobrira em sua pesquisa, a criatura era mais velha que a própria história da região. Afinal, as histórias sobre a mesma remontavam gerações anteriores aos primeiros povos conhecidos. Como assim, talvez esteja se perguntando?... Bem, artefatos anteriores à chegada dos primeiros grupos conhecidos de indígenas na região já traziam estranhas inscrições, que arremetiam a um monstro sugador de sangue. Por esses artefatos, deduzia-se que eles faziam sacrifícios para apaziguar seu estranho deus... que não parecia ser exatamente um deus benevolente.

Ah, sim... esses artefatos eram relíquias encontradas quando da construção das primeiras casas dos brancos conquistadores. É verdade que boa parte do material encontrado foi destruído, mas sempre existe uma alma pródiga que deseja saber a origem de tudo... e um certo coronel, dono de uma das primeiras fazendas do lugar, ao perceber o valor histórico das peças encontradas, recolheu-as e as guardou como se fossem um tesouro de valor inestimável... e realmente eram.

Claro que não se salvou muito daquilo que foi encontrado... umas vinte peças, mais ou menos. Mas contavam uma história. Desenhos rupestres narravam uma história visual, onde mostrava o ataque da criatura aos nativos da região e sua caçada sem trégua, até seu desaparecimento.

Se estou inventado isso? Claro que não. Tudo que estou contando aconteceu realmente. É claro que isso já aconteceu a muito tempo, mas como eu disse, Matilde, por ser uma pessoa estudiosa do passado da sociedade, teve acesso a essas peças, cujo dono jamais revelou a identidade. Também nunca disse como ficou sabendo das mesmas, embora isso seja mais fácil de deduzir... Afinal, quem não gosta de exibir seus tesouros para aqueles que sabem aprecia-los, que sabem dar valor ao que realmente tem valor?

Quando Matilde passou essas informações para Juvêncio, ele comparou mentalmente com aquilo que já vivera em outras situações. E chegou à conclusão de que a água era a chave de tudo. Porque um dos pictogramas lembrava uma queda d'água...

É claro que ele não esperava que o desenho fosse fiel à paisagem da região... afinal, tudo se modifica com o correr dos anos. E com certeza, desde que aqueles artefatos foram deixados no local em que foram encontrados até o momento que voltaram a ver a luz do sol, muita coisa se modificou na região. 

Povos vieram, conquistaram a terra, guerrearam, foram vencidos, partiram... outros vieram. E assim os anos foram passando. A única coisa que permaneceu intocada na região era o ser fantasmagórico... esse dormia por algumas décadas. E depois retornava, para cobrar seu tributo de sangue...

Pelo que Juvêncio pôde perceber, em algum momento da história da região, a criatura fora adorada como um deus. Sim, pelo que Matilde lhe contava, ele deduziu que em algum lugar daquela floresta deveria haver um local reservado ao culto de Anhangá. Aliás, porque não? Mesmo os indígenas atuais, embora não lhe prestassem nenhum tipo de culto, consideravam o mesmo como um deus...

Que a criatura tinha poderes e que não pertencia a esse plano, Juvêncio tinha provas incontestáveis. Afinal, mudar toda a estrutura de um animal, transformando-o em outro totalmente diferente... bem, um ser comum não teria condições de fazê-lo... 

Não foi por outro motivo que estavam explorando aquele local... afinal, os povos originais sempre procuraram ficar junto as nascentes... ou mesmo à cachoeiras. E, se existia um santuário dedicado à fera, erigido em algum momento da história humana naquela localidade, o mais provável é que estivesse por ali. Quem tem olhos, que veja, já diziam os sábios da antiguidade. E era isso que Juvêncio tentava nesse momento... enxergar o local destinado à adoração da besta...

Depois de muito procurarem e nada acharem, Juvêncio achou melhor todos se esconderem nos arredores, e ficarem atentos quanto ao rio. Pois ele tinha certeza que seria dali que a criatura apareceria. "Mas, como"? Talvez você esteja se perguntando... "não dizem que os vampiros não atravessam a água corrente?" Bem, há vampiros e vampiros... como já disse acima, esse estava em um patamar superior em relação aos seus pares... tinha status de "deus".

Juvêncio tinha certeza quanto a isso pelo fato de que as três Marias eram mensageiras dos deuses. E ele sabia que não poderia contar com as mesmas até a hora final, quando tudo se resolveria, por bem ou por mal.  Mas sabia que, apesar disso, era necessário mantê-las junto ao grupo. Elas seriam a sua principal proteção contra a criatura da noite.

Confuso? Nem tanto. Apesar de não poderem interferir na luta entre o grupo e a entidade, esta não os atacaria abertamente enquanto o trio permanecesse ao lado da comitiva. Elas eram as Walküren... as mensageiras da morte. E nenhuma entidade mística desejava cruzar o caminho dessas amazonas, cujo principal objetivo era conduzi-la de volta ao reino do além...


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