WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Cinquenta e Quatro


 

WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS

Capítulo Cinquenta e Quatro

 

- Seu Juvêncio...

- Pode falar, Torquato...

- É minha impressão, ou o bicho está encolhendo?

- O bicho está encolhendo.

- Mas isso...

- Eu sei... vai dizer que é impossível!

- E não é?

Doutor Carneiro também resolve falar... 

- Claro que é  impossível... mas o bicho está encolhendo, sim...

- É que ele está morrendo, pessoal....

- E daí?

- É um animal mágico, já se esqueceram?

- E daí?

- Daí, doutor... que não vai ter um dinossauro para apresentar para seus amigos cientistas...

- O que quer dizer, delegado?

- Eu já sei o que é, doutor.... o lagartão virou um teiú...

Todos, com exceção de Juvêncio que já era calejado em coisas do além e das três Marias que também de certa forma, eram criaturas místicas, se espantaram com o que ocorria. De fato, o imenso dinossauro, que a poucos instantes se lançara contra o grupo em um ataque furioso, de repente se tornara um lagarto de no máximo uns cinquenta centímetros de comprimento...

- Sabem o que isso quer dizer, não é mesmo?

Juvêncio olhava para o grupo, quando fez a pergunta. Todos o olharam com estranheza. Não, eles não sabiam o que aquilo significava...

- Gente... está na cara... o vampiro transforma qualquer animal disponível em sua montaria...que por acaso é o lagartão...

- E o vampiro?...

- Ele deve ter seu covil próximo de onde o vimos pela primeira vez. Bem, não é recomendável procurá-lo agora... mas podemos fazer isso durante o dia. Acho que por hoje a caçada acabou... É melhor voltarmos para a cidade...

- O senhor acha que por hoje o bicho não ataca mais?

- Creio que não... afinal, ele não esperava que o confrontássemos... 

- Mas...

-  Além disso, não demora e o dia vai raiar... como eu já expliquei, esses monstros não suportam a luz do sol...

 Não precisou de um segundo convite. Todos trataram de montar  e seguir em direção a cidade. Em nome da ciência, doutor Carneiro recolheu a carcaça do lagarto... 

Os primeiros raios de sol banhavam toda a planície quando o grupo apeou em frente a estrebaria. Deixaram os animais aos cuidados do cavalariço e seguiram em direção a pensão, para comerem alguma coisa e descansarem por algumas horas.  Sim, a delegacia não seria aberta nesse dia. Afinal, tudo estava tranquilo, com relação aos cidadãos. E, se por acaso fosse necessário a intervenção da Lei, os munícipes sabiam onde o delegado estava e com certeza o convocariam....

O atendimento médico aos necessitados ficou mais uma vez nas mãos habilidosas de Marieta. Sim, o doutor Carneiro, sutilmente, deixou sua pupila substituí-lo no dia a dia. Fez a coisa de tal forma que nem Marieta, nem os pacientes perceberam quando efetivamente houve a troca... inclusive, a maioria das pessoas se referiam à moça como "Doutora Marieta"... e já havia muitos pacientes... principalmente as mulheres... que preferiam se consultar com a moça...

Era mais ou menos meio dia quando todos se levantaram, prontos para a ação. Trataram de almoçar e logo partiram para a ação. O plano do dia? Descobrir onde ficava o covil do vampiro. Isso tinha que ser feito durante o dia, pois a noite o ser  era poderoso em demasia... não que durante o dia ele ficasse completamente indefeso... claro que não.  Com certeza seu local de descanso seria bem protegido.

Quando já estavam se preparando para partir Marieta chegou a pensão. Precisava conversar com o Doutor Carneiro. Ela tinha uma paciente que necessitaria de uma pequena intervenção cirúrgica. E, apesar de ter ajudado o doutor em muitas operações, não se sentia confiante o suficiente para assumir os riscos.  Conversou com o doutor,   explicou-lhe os sintomas e pediu para que ele a ajudasse... depois de ouvir tudo o que sua pupila tinha a dizer, falou para que ela marcasse a cirurgia para o dia seguinte... e ele a ajudaria.

Marieta retornou para o consultório, tensa. Seria o terceiro dia que iria clinicar sozinha, sem a ajuda de seu mentor. Estava preparada? Claro que sim... mas ainda se sentia um pouco insegura...

Finalmente a comitiva se pôs  a caminho. Tinham que descobrir o local em que Anhangá (na falta de um nome melhor) se escondia. Depois de algum tempo de cavalgada, finalmente chegaram no local do dia anterior. Trataram de deixar os animais o mais confortáveis possível e começaram a bater a pista, a procura de qualquer indicio que pudessem encontrar.

Novamente foi Torquato quem descobriu os primeiros sinais de passagem do vampiro. Foi por acaso. Alguns animais mortos. De médio porte. Um queixada, dois lobos... e até uma onça. Todos com a garganta cortada. Com a cabeça quase decepada...

- Seu Juvêncio, não era o lagartão que cortava as cabeças, não...

- Percebi, Torquato... o que o senhor diz, doutor?

- Que aquela garra não era do dinossauro... mas do nosso amigo Anhangá.

- Mas porque ele matou esses animais? Ele não é o protetor da floresta?

- Quem, dona Matilde?

- O Anhangá, Juvêncio... dizem que ele protege os animais contra os caçadores... não faz sentido...

- Dona Matilde... entenda uma coisa... esse ser que estamos caçando é um vampiro... não é guardião de nada. E atacou esses animais porque ainda estava com fome ... e tinha pressa de se proteger contra o dia...

- Mas... pelo que entendi, ele está aqui a um bom tempo... e nunca ...

- Dona Matilde, esse ser fica em estado dormente por algum tempo. Depois retorna à vida para saciar sua fome. É isso o que acontece...

- Nossa! Mas isso é tão...

- Selvagem, eu sei... mas, se pensar um pouco, não somos muito diferentes dele...

- O senhor se acha parecido com um vampiro?!!

- A senhora não come galinha, porco... gado em geral?

- Sim, é claro... Deus deixou esse animais para saciarem nossa fome...

- Tenha certeza que os animais não devem pensar dessa forma. Se pudessem escapar do destino que lhes reservamos , com certeza o fariam...

- Mas, seu Juvêncio, não é a mesma coisa...

- Pensa um pouco... e se, ao invés de nascer humana, tivesse nascido uma galinha, por exemplo? Acharia justo os humanos matarem seus iguais para saciarem sua fome?

- Não mas...

- Acho que agora a senhora entendeu... No caso do vampiro, ele também acha que o seu criador nos deixou nessa terra para o alimentarmos...

Matilde se persignou...

- Deixa de heresia, seu Juvêncio... nós fomos criados à imagem de Deus Pai... não fomos criados para que nos usassem como gado de corte...

- Mas não é assim que a criatura nos vê... para ela, não passamos de um bom petisco...

Matilde resolveu encerrar a conversa por ali... não estava gostando do rumo da mesma. O grupo continuou em silêncio, seguindo a trilha de Anhangá...

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