5 - NOITE NA CAMPINA


5 - NOITE NA CAMPINA

Zacarias procurou organizar os turnos de vigília de forma que todos descansassem o suficiente para enfrentar a caminhada do dia seguinte. Embora não achasse necessário, conferiu a munição de suas armas e pediu que os companheiros fizessem o mesmo. Ali não parecia ser um lugar perigoso, mas vai que aparecesse alguma onça pintada querendo se banquetear com uma das vacas do "seu" Nardi... isso estava fora de questão. Os animais tinham que chegar na fazenda fortes e saudáveis. Afinal, eram vacas leiteiras que deveriam aumentar a produção da fazenda. Depois de jantarem e conferirem se tudo estava nos conforme, Zacarias assumiu o primeiro turno de guarda. Seus parceiros estenderam seu baixeiro debaixo de uma árvore frondosa e trataram de fechar os olhos.  Juca não conseguia dormir, receoso com as histórias que ouvira do local. Levantou-se várias vezes para conversar com seu companheiro, que sempre o mandava tentar dormir um pouco, pois a carga do dia seguinte seria puxada. De vez em quando olhavam para o firmamento. As estrelas brilhavam como pequenos vagalumes, como pequenas contas enfeitando o manto noturno. A lua prateada não iluminava muito, pois o terreno era bastante arborizado e as copas das árvores encobriam sua luz.... a maior preocupação dos três realmente era uma chuva, comum nessa época do ano... geralmente chegava sem avisar...
 
Devia ser perto da meia noite quando caíram os primeiros pingos d'agua. Mansinho, de inicio...  quase que não dava prá sentir. Então, de repente, sem nenhum aviso uma verdadeira tromba d'água desabou sobre a terra. Juca, que estava vigiando o gado, correu para acordar seus companheiros. Claro que não havia necessidade disso, pois a água que caiu por sobre os dois os despertara na hora. A preocupação momentânea na verdade era outra... os primeiro trovões começaram a ecoar bem longe, lá na serra... mas brevemente seriam audíveis onde os três estavam com o seu gado... e aí...

Zacarias tratou de juntar as cabeças de gado em um círculo e torceu para que não perdessem o controle sobre os animais. Os três homens, cada um montado em seu cavalo, se dividiram em volta do rebanho, prontos para qualquer eventualidade. Logo o gado começou a se agitar, pois os coriscos não só começaram a cair mais próximo de onde estavam, como o som dos trovões ecoavam cada vez com mais intensidade...  Não foi um trabalho fácil, mas com a ajuda de Uísque, o fiel companheiro, conseguiram manter o gado onde estavam acampados... a chuva estava diminuindo sua intensidade, os raios e trovões começaram a escassear... o gado começou a se acalmar... aparentemente, haviam vencido a batalha... iriam passar o resto da noite molhados, já que não tiveram tempo de colocar suas capas, pois a prioridade era manter o gado agrupado... bem, pelo menos haviam vencido aquela etapa. Ou assim pensavam... 

Tonhão assumiu o turno da guarda e seus companheiros foram se recostar, para descansar um pouco. Não demoraria a amanhecer e teriam que pegar o estradão em direção ao arraial. Os dois estavam começando a dormir, quando Tonhão os chamou, apavorado...

- Zacarias... Juca! Boi-Tatá!

- Está ficando doido, rapaz? O que está falando?

Juca olhou para o lado em que Tonhão apontava... e falou, apavorado....

- Ele está certo! Olha!...

Zacarias olhou também... ficou lívido!

- Não, gente... não é um boi-tatá...

- É, sim, homem... olha lá...

- Tonhão, aquilo te parece uma bola de fogo?

O dois companheiros olharam para a aparição que estava no alto do céu... quase cobria a lua, tão grande era... Girava em uma velocidade tal que faiscava mil cores, enfeitando o céu com um arco-íris multicolorido... a bola cortava o céu indo de um ponto para o outro desenhando arcos  coloridos... ora era azul, ora vermelho... e em seu rastro, o arco-íris... iluminando tudo como se fosse dia...

- Gente, isso aí é outra coisa...

- O que é, então?

- Eu tinha ouvido falar que isso tinha aparecido lá no Limoeiro... olha, não quero dar noticia ruim prá vocês, não... mas a gente vai ter trabalho a noite toda, hoje...

- Mas o que é isso, homem de Deus?

- Vocês já vão descobrir...

De repente, a bola começou a avançar em direção ao grupo em uma velocidade tal que parecia que ia explodir o mundo... explodiu, mas sem barulho nem estrago maior sobre a terra. A bola rompeu-se e, de seu interior saíram centenas de diabretes de uma perna só, barrete vermelho na cabeça e um cachimbo na boca ...  a pele era bem escura, e os olhos... pareciam duas bolas de fogo, de tão vermelhos. Apesar do inusitado, não tinham aparência malévola. Na verdade, tinham altura e aparência de uma criança de uns oito, nove anos. E começaram a agir como crianças peraltas, fazendo diabruras mil no acampamento.  O gado, que a muito custo tinha sido contido, desta vez se esparramou pela campina... e os três homens ficaram parados, sem ação... não sabiam como agir diante da situação... Finalmente, depois de algum tempo, os pequenos seres sumiram pela mata, gargalhando ante as peraltices aprontadas. Não era uma gargalhada maldosa, apenas aquele riso franco de crianças que estão satisfeitas em aprontar travessuras... de qualquer forma, para os três não tinha remédio. Iriam passar o resto da noite tentando juntar novamente todo o gado... e rezar para não ter perdido nenhuma rês...

A noite, que tinha ficado clara durante a manifestação da estranha esfera e seus ocupantes, voltou a ficar na penumbra noturna. Os três homens, desanimados, procuraram seus cavalos... mas estes também  haviam se dispersado. Caminharam pela mata a procura dos animais, até que os encontraram, esfalfados, assustados... a crina e o rabo ostentavam tranças, travessura dos pequenos seres noturnos... Levaram algum tempo para acalmar suas montarias e finalmente começaram a busca pelo gado dispersado. Uísque foi de grande valia para eles, pois conseguia localizar as reses com relativa facilidade. Depois de umas duas, três horas, conseguiram reunir todas as cabeças em um só local. Examinaram os animais. Apesar de assustados, nenhum deles havia se machucado. Zacarias olhou desanimado para seus companheiros... O sol já despontava no horizonte, era hora de partirem... e nenhum deles tinha conseguido dormir um pouco, que fosse... essa seria uma viagem realmente difícil...

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

QUEM SOMOS NÓS?

23 - A NEW DIRECTION

SELF-ACCEPTANCE