4 - A CAMPANHA


4 - A CAMPANHA 


Já era noite alta quando os três cavaleiros se aproximavam de seu destino. Haviam cavalgado o dia todo, parando apenas para comerem alguma coisa e os animais descansarem. Mas finalmente o destino estava próximo... a Fazenda do Lageado estava a apenas uma hora, talvez um pouco mais, de distância... e isso era bom por demais. Não haviam exigido muito de suas montarias... foram devagar, num passo lento, pois não viam necessidade de castigar os animais em uma corrida desenfreada. A campina, qual mar verde, descortinava-se a sua frente. É bem verdade que agora já não estava mais tão verde, afinal o véu escuro da noite a muita que já cobria toda a extensão da terra, desde a serra, que a muito deixaram para trás, até a mata na qual se embrenhariam em sua ultima etapa da viagem.

- Vamos parar um pouco, Zacarias? Os animais estão cansados...

- Melhor não, Tonhão... a gente já está perto, e logo descansamos na invernada...

O rapaz deu de ombros. Havia sugerido a parada porque realmente estava cansado... estavam em cima da sela a mais de três horas e com certeza os animais estavam tão cansados quanto ele. Mas Zacarias estava certo... era melhor se  sacrificarem um pouquinho mais e descansar em segurança na fazenda. Continuaram na marcha mansa que vinham tocando, sem exigir muito de suas montarias. Uísque, o cachorro campeiro que os acompanhava, corria alguns metros à frente. De vez em quando parava, ficava farejando as moitas, olhava para os três boiadeiros, e voltava a correr pela campina. E assim foram nesse passo, até que finalmente avistaram a porteira da fazenda. Juca apeou, abriu a passagem para os companheiros e então continuaram estrada afora, até que avistaram a Casa Grande, a sede da fazenda. Ainda montados, bateram palmas frente à porta principal, até que uma luz bruxuleante de um lampião se fez avistar caminhando pela sala da casa...

- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! (Alguém falou da sala, com as portas ainda fechadas)

- Para sempre seja louvado! (Responderam os três homens)

A porta se abriu e um senhor de uns sessenta anos finalmente apareceu. Olhou para os três, e finalmente dirigiu-se para Zacarias, o mais velho do grupo...

- São da Fazenda Santa Helena?

- Sim, senhor. Viemos buscar as reses que o senhor vendeu para o seu Nardi...

- Chegaram muito tarde da noite. Podem apear, vamos descansar e amanhã cedo vão ver o gado...

Não esperaram um segundo convite para desmontar. Desceram, tiraram os arreios dos animais, soltaram os mesmos no campo, para que também descansassem. Então seguiram para o alojamento dos vaqueiros, na verdade um grande galpão que servia como dormitório, quando algum camarada de outra fazenda chegava para buscar  ou entregar gado. Juca pegou seu embornal e dele tirou uma panela, onde sua esposa tinha preparado um virado, que seria sua janta naquela noite. Seus parceiros fizeram o mesmo. Para arrematar a comida, uma garrafa de cachaça surgiu do nada nas mãos de Tonhão. Cada um tomou uma talagada da bebida, puxaram seus baixeiros e trataram de descansar, pois a lida no dia seguinte seria brava... afinal, se levaram um dia inteiro para chegarem até a fazenda sozinhos, a viagem inversa iria demorar o dobro do tempo, já que o gado andava bem mais devagar do que o desejado. Sim, eles sabiam que na noite seguinte teriam o céu como cobertor... só rezavam para que, de repente, não começasse a chover quando estivessem voltando para casa...

A noite foi tranquila, os três conseguiram descansar e quando o sol despontou no horizonte, já estavam a muito de pé, separando as reses que iriam levar para seu patrão. Finalmente estavam preparados para iniciar o retorno. E lá foram os três,  Zacarias na frente, tocando o berrante, chamando o gado em sua caminhada. Tonhão vinha no meio, controlando a fila de animais, para que nenhum se desgarrasse. E fechando a coluna, Juca vinha no fim do grupo. cuidando para que os animais permanecessem no caminho que iriam percorrer. Uísque seguia junto de Zacarias, sempre atento aos comandos de seu dono. Se alguma res saia da fila que se formara, lá ia o cachorro fazer com que ela voltasse a formação original do grupo. 

E assim foram tocando o dia, parando de tempos em tempos tanto para que o gado não se cansasse em demasia, quanto para descansarem e fazerem suas refeições... afinal, a caminhada até Santa Helena seria longa... 

A  noite estava caindo novamente, quando chegaram ao Ribeirão das Almas. O rio tinha esse nome por ter fama de mal assombrado. Diziam que nas noites de lua cheia as almas daqueles que haviam partido antes do tempo vinham ali para pedir ajuda dos vivos... o problema é que nem todas as almas eram pacíficas e, se você tivesse o azar de cruzar com uma alma penada e não fosse uma pessoa com fé muito forte... se não conhecesse algumas orações poderosas para te proteger... de qualquer forma, o grupo não tinha muita escolha. Apesar dos pesares, o lugar era o melhor que poderiam encontrar para o acampamento. Pastagem para o gado e seus animais, água com fartura, vegetação baixa, o que minimizava os perigos da estrada... e estavam exatamente no meio do percurso, o que significava que depois de uma boa noite de sono, chegariam em seu destino à tardinha... mas quem disse que teriam uma boa noite de sono? O Destino costuma pregar peças nos viventes, e Ele tinha preparado uma surpresa não muito agradável para os três companheiros...

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