NA SERRA DA MANTIQUEIRA
NA SERRA DA MANTIQUEIRA
Na serra da Mantiqueira
Sob a fronde da mangueira
Que ela em moça viu plantar
Sentadinha no seu banco
Trançando o cabelo branco
Mãe Maria vai sonhar
(Ary Kerner Veiga
De Castro)
Quando eu era criança, todos os dias de manhã acordava
com os acordes desta música. Sempre a achei bonita. Mesmo porque era a versão
orquestrada. E toda madrugada, às cinco horas ou cinco e meia, não tenho
certeza (com o tempo a memória vai apagando alguns detalhes) começava na Radio
Nacional um programa que tinha como título o nome dessa canção… “Na Serra da
Mantiqueira”… Quando começavam os primeiros acordes da canção…meu Deus, eu
viajava pelo espaço… era lindo demais. É claro que a emissora só tocava essa
estrofe da música, então eu não tinha noção de quão triste era a letra desta
canção… e nem tinha noção sobre o que realmente esta falava. A única coisa que
eu sabia é que ela tinha o nome do local de origem de minha família… a serra da
Mantiqueira…
Tanto a família de meu pai quanto de minha mãe vieram
daquela região de São Paulo… eu mesma
também sou oriunda dessa região… afinal, Taubaté, minha cidade, fica bem
próxima do pé da serra… ah, sim, sou do Vale do Paraíba… Meus avós paternos
moravam na serra, mesmo. Os avós maternos, já viviam no Vale, mas sempre
próximos à serra…
Eu amava visitar meus avós… era tão bom estar
ali, no meio daquela imensidão que eram o Vale e a Serra. Verdade seja dita, eu
gostava do lugar porque não era muito diferente do local que eu morava, aqui em
São Paulo. A topografia dos lugares era bem semelhante, ao menos para mim. Eu
sei que alguém vai dizer “São Paulo é um planalto, não uma serra…” bem, na verdade os morros e as serras que
formam o Planalto Paulistano… afinal, temos a Serra da Cantareira, a Serra do
Mar… fazem com que a topografia do lugar seja assemelhada à das cidades do
interior…
Meus avós maternos sempre moraram no Vale do
Paraíba, trabalhando nas plantações das fazendas ao pé da Serra… entre os
vários locais que trabalharam, as fazendas de arroz eram as mais belas… aliás,
quase que me afoguei em uma plantação de arroz, acreditam? Bem, quando está próxima a colheita de arroz,
as quadras são inundadas, e as valetas são bem profundas. Para caminharem de
uma quadra à outra, os camaradas costumam usar um tronco de madeira como ponte.
Um dia, quando fomos visitar meus avós, eles estavam trabalhando na plantação
de arroz. E minha mãe resolveu ir vê-los no trabalho. Eu tinha uns cinco anos,
mais ou menos. Quando fomos atravessar de uma quadra para a outra, eu escorreguei
e caí na valeta. Minha tia pegou-me pelos cabelos e me salvou de me afogar…
O que eu achava lindo no interior era,
principalmente, as quedas d’água… as cachoeiras… os rios que cortavam as
campinas eram lindos… e tudo isso me era familiar, pois a região em que moro
era toda cortada por regatos e minas d’água que desembocavam na represa que
fica próxima de minha casa. Sim , ainda hoje moro próxima da represa, então
ainda tenho o privilégio de ter o verde ao meu redor. Não tenho tanto verde
quanto eu gostaria, mas tenho mais do que a maioria das pessoas podem
desfrutar. A orla da represa ainda tem
árvores, onde os pássaros ainda fazem sua pousada. É bem verdade que, de uns
tempos para cá, o número de urubus aumentou e muito… mas aí é culpa dos despachos
que insistem em fazer à beira da água…. Aliás, se o povo não insistisse tanto
em sujar as margens da represa com suas oferendas, o lugar em que moro seria o
local mais belo da terra… enfim…
Bem,
mas eu comecei a falar sobre a canção e, de repente, mudei totalmente o foco…
quando criança, jamais imaginei que o tema dessa música era o entrevero de São
Paulo contra a União… a bem da verdade, nessa época eu nem sabia que São Paulo
um dia tinha entrado em pé de guerra contra a Federação… e mesmo quando entrei
na escola, e comecei a aprender a história do Brasil, mesmo quando nos deram
noções sobre o que seria a Revolução Constitucionalista, demorei muito para
ligar os pontos. Isso se deveu em parte porque eu não conhecia a letra da
música inteira… e também nunca tive curiosidade em conhecer… afinal, os versos
iniciais me eram suficientes para sonhar… imaginem o susto que levei na
primeira vez que ouvi a música inteira e
percebi que no final a alma do filho da Mãe Maria, que morreu no confronto
contra as tropas legalistas, vem avisar sua mãe que logo ela também irá para a
terra dos pé junto…. Bem, aí eu achei que ela era um tanto quanto tétrica…
enfim…
Quando
eu era adolescente, meus avós estavam idosos e já não conseguiam manter o ritmo
exigido para se trabalhar na roça…. E conseguiram uma colocação como caseiros
em uma fazenda… nossa, como eu amava visita-los nessa fazenda… primeiro porque,
assim que eu chegava, meu avô ia até a mangueira para buscar leite fresquinho
para mim… o leite vinha quentinho… era uma delícia! Depois tinha o pomar, onde eu me deliciava
com os vários tipos de fruta ali plantados.
E a horta… aquela verduras
fresquinhas, colhidas na hora para fazer parte da refeição… nossa, era
simplesmente delicioso… é claro que, de vez em quando, você cruzava com uma
cobra ou outra…mas elas não estavam nem um pouco interessadas em interagir com
a gente… e cada um seguia seu caminho…
Uma
vez, quando estava passeando pelas redondezas da fazenda, eu vi uma pata com
seus filhotinhos… não resisti e acabei pegando um deles… era tão fofinho… mas
acabei soltando o bichinho, pois o que eu iria fazer com ele? Com certeza estaria bem melhor ao lado de sua
mãe e seus irmãos…
Ah,
sim, um dos lugares mais gostosos de se ver era a tuia, onde deixavam os grãos
de café secarem ao ar livre… era um espaço bem grande, com uma lona cobrindo
todo o chão, e o café esparramado por sobre essa lona. De vez em quando
precisavam mexer os grãos, para que a secagem destes se desse por igual…
O
interior era muito bonito. O verde a se perder de vista, os rios caudalosos
serpenteando por entre as campinas, o arvoredo espalhando seu perfume
inebriante… os pássaros em seus voos lindos… bem te vis, corruíras, canários,
sabiás, tizius, tico ticos… nossa, a infinidade de pássaros… era uma coisa
muito, mas muito bela, mesmo! De manhã, quando a passarada vinha anunciar o dia
que estava amanhecendo, era uma coisa do outro mundo. É claro que quando você
está vivendo o momento, não tem a dimensão exata da beleza daquilo que está
ocorrendo ao seu redor. Só muito tempo depois, quando a lembrança te faz rever
momentos vividos é que você compreende o quanto foi agraciada com algo que a
maioria das pessoas nem imagina que exista.
Mesmo porque toda experiência é única, e cada pessoa tem uma visão diferente
do que acontece ao seu redor. Exemplo: - uma sala de cinema, onde as poltronas para
o publico eram caixas de tomates…mas isso não tirava a beleza do filme… todo
mundo ficava com os olhos grudados na tela, assistindo o desenrolar da
história, rindo a bandeiras despregadas… era uma coisa tão legal, onde as
pessoas ficavam tão à vontade, que o fato de não haver cadeiras no salão não
fazia a menor diferença. O que importava era a diversão. Eu assisti um filme
nesse cinema. O filme só poderia ser do
Mazzaroppi, é claro. Ainda me lembro do título da película… era “A Carrocinha”.
Foi muito divertido. Nesse dia foi toda a família… eu, meu pai, minha mãe, meu
irmãozinho, minhas tias e meus avós. Realmente, foi uma sessão muito divertida.
Cinema na roça era outra coisa…
Quando
do episódio do cinema, meus avós haviam se mudado a pouco para a localidade de
Eugênio de Melo, em São José dos Campos. Então meu pai foi rever seus amigos de
infância que moravam na região. Nossa, caminhar por aquele estradão de terra
batida, cercado por todo aquele verde, era simplesmente delicioso. A linha de
trem seguia por toda a extensão do vilarejo, e a estação ficava bem próxima da
casa que meus avós moravam. Aliás, nesse dia voltamos para São Paulo de trem…
foi uma experiência diferente, pois até então a gente só viajava de “Pássaro
Marron”…
Viajar
de trem era gostoso, mas demorado. Uma viagem que, de ônibus, gastava no máximo
duas horas levou bem mais tempo, mas a visão proporcionada durante o trajeto
era simplesmente espetacular… o único senão era que os vagões vinham
superlotados, pareciam os ônibus urbanos em horário de “rush”… e a gente parou
em um lugar bem diferente do que eu estava acostumada… o final da viagem era na
estação do Brás, bem longe da Estação da Luz, onde ficava a Rodoviária. Mas o
passeio diferente valeu a pena… pelo menos para as crianças, pois creio que os
adultos estavam muito cansados para dizer que aproveitaram realmente a viagem…
Afinal,
cuidar das malas e ficar de olho em duas crianças pequenas, em um trem lotado,
que parava a todo instante… sem considerar que boa parte do percurso ficaram de
pé… bom, não era uma tarefa fácil, vamos convir. “Mas porque os adultos ficaram
de pé no trem?” Simples… a viagem demorou algumas horas, o vagão era de segunda
classe e os adultos simplesmente não conseguiam ficar sentados por muito tempo
naqueles bancos de madeira, bem diferentes das poltronas acolchoadas dos ônibus…
Sim, era muito bom viajar para a casa de meus avós… e, quando estávamos em nossa casa, que como eu já disse várias vezes, não era tão diferente assim do lugar em que eles moravam, quando a gente ouvia as notas de “Na Serra da Mantiqueira” nas madrugadas, lembrava das montanhas, riachos e quedas d’água que cercavam a morada de meus avós… e o desejo de voltar ali, caminhando entre as quadras de arroz, voltava forte e firme… mas é claro que se passava um tempo até que pudéssemos visitá-los novamente…
São sete horas e quinze minutos desta quinta feira linda e ensolarada... o dia promete ser muito gostoso, com uma temperatura amena... nesse momento os termômetros estão marcando 20ºC, mas a previsão é de que chegue aos 29ºC... e pode ser que chova à tarde...
Que Deus derrame sobre nossas cabeças a benção dos Céus e nos conceda a mais bela de todas as quinta feiras que já vivemos... até amanhã, se Deus assim nos permitir...
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