A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Vinte e Seis
A
TAÇA DE CRISTAL
Capítulo
Vinte e Seis
Mario e Cecília estavam
conversando sobre o passado, quando Janete chegou da missa. Trazia consigo
algumas coisas que comprara no mercado, a caminho de casa. Ficou feliz em ver
que a filha não tinha ido embora, isso queria dizer que ela não estava mais
zangada com a mãe. Sim, Cecília ficou algum tempo sem querer conversar com sua
mãe, e Jane sabia que a culpa era dela. O problema é que Jane era uma religiosa
fanática, e quando alguma coisa não se encaixava em sua crença, não conseguia
ficar calada. Tinha que falar! A sua prioridade era sempre a salvação das almas
e, se para isso tinha que machucar alguém, que acontecesse. Mas ela não deixava
as ações contrárias àquilo em que acreditava crescerem até ficarem
incontroláveis….
A desavença com suas
filhas… sim, ela havia discutido com as três, de uma só vez… teve como pivô um
comentário feito por Estela, a mais nova de suas filhas. As três irmãs se
encontravam no quarto desta, e discutiam sobre o que seria de verdade uma
experiência espiritual… Helena logo disse que não gostava desse assunto, pois
era algo um tanto quanto difícil de mensurar, e ela não gostava de mexer com
nada que não conseguisse entender de verdade. Letícia era mais pé no chão, e já
disse com todas as palavras que era atéia e que não acreditava em nada do que
algumas pessoas diziam. Foi então que Estela, que viu sua mãe próxima da porta
do quarto, falou em voz alta, para que essa escutasse….
- Quer dizer então,
Cecília, que na sua opinião a mamãe fala muita abobrinha, não é?
- Eu não disse isso,
Estela. O que eu disse é que não partilho das crenças dela…
- E não é a mesma
coisa? Se você não concorda com ela, é porque acha que as crenças dela são
bobagens…
- Estela, a Ceci não
falou nada disso…
- E você, Helena? Com
suas crenças estranhas…
- Que crenças
estranhas? Está doida, é?...
- Ué, não vive dizendo
que sente coisas andando perto de você? Que parece que tem sempre alguém
andando ao seu lado?
Foi quando Janete
resolveu entrar na conversa…
- Você sente coisas
andando do seu lado, Helena? Minha filha… isso é o capeta te atentando! Isso é
falta de oração! Também, você não vai mais na igreja, deixou de rezar… está
ficando atéia igual a Cecília…
- Opa, opa, opa… me
deixa fora disso, por favor!
A partir daí, começaram
as discussões. Estela, pivô de toda a confusão, tentou sair de fininho, mas
Helena não permitiu. Quando os ânimos
ficaram mais exaltado que o normal, Mário subiu para ver o que estava acontecendo,
e quase não acreditou no que viu. As quatro mulheres, mãe e filhas, estavam se
engalfinhando…
Bem, nem é preciso
falar que, depois dessa, tanto Helena quanto Cecília deixaram de frequentar a
casa de seus pais por algum tempo… a mãe, até que conseguiram perdoar…. Mas a
irmã caçula, que provocara toda a confusão… bem, com essa não queriam mais
conversa. Só amoleceram um pouco quando
seu pai lhes contou que a irmã estava grávida…
Jane estava atarefada
com as suas panelas, preparando o almoço, quando Cecília entrou na cozinha.
Enquanto preparava uma comida e outra, Jane foi conversando com a filha.
Logicamente que o assunto em pauta era a separação do casal, ela queria
entender porque a filha se recusava a se reconciliar com o marido. Cecília
explicou várias vezes que o pivô principal da separação era a segunda família
do marido, que ela não tinha condições de manter um casamento aberto, como
parecia ser o desejo de seu ex-esposo… além disso, ela não suportava pessoas
embriagadas, e a muito que Ricardo começara a beber todo santo dia, chegando
toda madrugada mais pra lá do que pra cá, trocando as pernas e chifrando as
paredes… e definitivamente, ela não aguentava mais aquela situação. Quando
finalmente decidiu se separar dele, o alívio que sentiu em sua alma foi a coisa
mais intensa que já sentira em sua vida…
Jane balançou a cabeça,
desaprovando a filha. Em sua concepção, o casamento era algo tão sagrado que
não permitia nenhum tipo de ruptura, não importa qual fosse o motivo. E é claro
que Cecília não concordava com as ideias de sua mãe.
Estavam os quatro à
mesa, para o almoço. Por um milagre divino – palavras de Jane – Estela resolveu
almoçar junto com a família. Fazia já um bom tempo que tal fato não acontecia.
A verdade é que Estela estava com mil coisas passando por sua cabeça e
precisava conversar com alguém, que não fossem seus pais. E já que sua irmã
estava jundo deles nesse domingo, por que não conversar um pouco? De repente,
ela poderia ajudá-la a tirar algumas dúvidas que a atormentavam já a dias… é
claro que Estela sabia que sua mãe não iria aceitar de boa suas idéias quanto
ao seu futuro, mas ela se sentia protegida pela presença da irmã… talvez, quem
sabe, uma luz se acendesse em sua vida e conseguisse encontrar uma resposta
para todos os seus problemas…
- Então você resolveu
deixar mesmo o Ricardo…
- Sim, Estela… não
havia mais condições da gente viver junto…
- Mas… porque?
- Essa é uma pergunta
difícil… e a resposta não é fácil… acho que a gente deixou de se gostar…
- Acha, ou tem certeza?
- Certeza, não tenho,
não. Às vezes sinto a sua falta. Isso pode significar que ainda gosto dele…
- Ué, então porque
largou dele?
- Muitos motivos… um
deles, o principal, foi a quebra de confiança…
- Como assim?
- Você namora o Jairo a
um bom tempo, não?
- A mais ou menos uns três
anos…
- Muito bem… agora me
diga uma coisa… o que você faria se descobrisse que ele tem outra mulher em sua
vida?
- Eu…
- E pior, ainda… se
você descobrisse que ele tinha um filho com essa mulher?...
- Eu não iria querer
ver a cara dele pelo resto de minha vida…
- Pois foi justamente
isso que descobri sobre o Adriano… ele me trai praticamente desde que nos
casamos com essa zinha, e tem uma filha com ela… a menina tem um ano e pouco…
- E como você ficou sabendo disso?
- Não foi dificil… esse
tipo de coisa você descobre facil…
- E aí você resolveu
dar um pé…
- Isso… mas o pior
ainda estava por vir…
- Sério?
- Sim… eu fiquei sumida
por um mês, mais ou menos…
- É… você deixou todo
mundo louco…
- Eu tinha que colocar
minha cabeça em ordem… você não imagina como eu fiquei, quando descobri a
sacanagem que ele me tinha feito…
- É, mas você sacaneou
ele também… quase foi preso por suspeita de ter te assassinado…
- Eu sei… esse foi um
dos motivos que me fez voltar… esclarecer as coisas, para que não houvesse
nenhuma dúvida quanto as nossas ações…
- Mas você disse que
ele fez uma coisa pior…
- Sim… depois que fomos
à delegacia e esclarecemos tudo, ele teve a cara de pau de me pedir para morar
com a lambisgóia em nossa casa…
- Não acredito…
- Eu também não acreditaria,
se me contassem…
- E o que você fez?
- Deixei que ele a
levasse. Não pelos dois, mas pela criança…
- Sério, isso?
- Sim. A menina não tem
culpa de ser filha de quem é…
- Eu não deixava barato
desse jeito…
- Eu sei… mas a vida
nem sempre é como a gente espera que seja…
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