A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Quarenta e Dois


 


Helena estava andando na beira de um penhasco... como fora parar ali? Não tinha a mínima ideia.... o que sabia, com certeza, é que tinha que tomar muito cuidado, pois um pequeno vacilo de sua parte significava uma queda de ao menos quatrocentos metros... morte certa. Era noite... para complicar, o céu estava carregado de nuvens, o que dificultava visualizar o caminho a ser feito e, em consequência, tornava a caminhada ainda mais perigosa. Bem, pelo menos não estava usando salto alto... estava de sapatilhas, o que tornava a caminhada um pouco menos penosa. Depois de uma hora mais ou menos finalmente venceu a trilha obscura na qual se enfiara e colocou-se em segurança. Estava agora em um platô... parecia familiar, embora não conseguisse identificar exatamente onde estava. Seguiu com cuidado, pois embora não corresse o risco de cair em uma ribanceira, sempre tinha a possibilidade de tropeçar em algum galho ou prender o pé em um buraco qualquer e terminar no chão... passo após passo, foi seguindo em frente. Continuava sem entender o que fazia ali, naquela imensidão perdida do mundo. Mas sentia que tinha que seguir em frente. Para onde? Não sabia. Mas tinha certeza de que saberia, quando lá chegasse. E assim foi caminhando. Depois de algum tempo começou a sentir-se fatigada, os primeiros sinais de cansaço começaram a aparecer, mas ela seguia sempre em frente, obstinada a concluir sua jornada, chegar até onde o destino a enviara...

Cecilia observava sua irmã. Ela dormia um sono agitado, embora mais tranquilo que nos últimos dias. Resmungava de vez em quando palavras inteligíveis. E algumas vezes, praguejava. O que era engraçado, de certa forma, pois ela nunca fazia esse tipo de coisa quando estava acordada.Ao menos, Cecilia não se lembrava dessa faceta na irmã... Helena era sempre tão calma, comedida... a única vez que Cecília viu a irmã perder a paciência, foi quando as duas tiveram uma discussão com Estela... fora essa, ela nunca perdia a compostura... nunca pronunciava um palavrão ou coisa do gênero. Mas agora, que estava em um estado onírico...

A aventura de Helena continuava. Estava chegando no "pé" de uma montanha.  Ela era bem arborizada. A moça continuou caminhando, sempre avançando. A sua frente havia uma touceira de amoras, daquelas brancas, que dão em espinheiro. Essa amoreira escondia a entrada de uma caverna e, mesmo sem saber o porque, entrou na mesma. Engraçado, apesar de ser noite, apesar de não ter lua, ela conseguia seguir pela caverna tranquilamente. Estava até mais fácil caminhar pela caverna do que havia sido pela montanha anterior. Helena estava cansada. E resolveu descansar um pouco. Sentou-se em uma pedra que aparecera em sua frente.

Cecília ficou em estado de alerta.... sua irmã acabara de se sentar na cama. Mas ainda estava dormindo, dava para ouvir seu ressonar, bem como seus olhos continuavam fechados. Bem, logo ela deveria voltar a se deitar, pensou Cecília... mas qual nada. De repente, sem aviso (se tivesse avisado não era de repente, não é mesmo?) ela se levantou e começou a caminhar pelo quarto. Cecília ficou atenta, procurou não perder de vista sua irmã... o que não era difícil, já que só moravam as duas naquela casa... de repente, sem mais nem menos, abriu a porta do quarto  e saiu em direção a cozinha...

Helena voltou a caminhar caverna adentro. Mas como havia obstáculos, Meu Deus! Mas, devagar, dando um passo por vez, ia vencendo todas as dificuldades impostas pelo terreno pedregoso que se abria à sua frente. Então, de repente, um abismo se abriu à sua frente, e sobre ele apenas um tronco de árvore caído, servindo de passagem para o outro lado...

Cecília ficou sem entender o que sua irmã estava fazendo. De repente abriu os braços e começou a caminhar com todo cuidado em cima da linha divisória do piso da cozinha. Meu Deus... ela parecia estar se equilibrando sobre uma corda ou coisa parecida. Algumas vezes parecia perder o equilíbrio, mas então conseguia manter-se ereta sobre seja lá o que for que estivesse atravessando. Seria engraçado, se não fosse trágico... bem, quando ela terminou de atravessar o... sei lá o que... e abriu a porta, ganhando o quintal de sua casa, Cecilia gelou... Afinal, sempre ouviu dizer que não se deve acordar um sonambulo, com o risco de causar-lhe um problema psicológico grave... mas e se ela resolvesse sair para o meio da rua? Tudo bem, até que estava bem vestida, seu pijama era... decente... dava para ficar em publico sem se constranger... o problema era se ela resolvesse atravessar uma rua, na frente de algum carro...

Nossa... de repente a temperatura caiu drasticamente... sim, estava muito frio nessa parte da caverna... se tivesse um meio de retornar... mas eis que surge uma nova passagem, e Helena resolveu entrar nela... foi devagar, para não ter surpresas desagradáveis... como no inicio, um passo por vez... tomando o máximo de cuidado. E, de repente, lá está ela no trecho inicial de sua odisseia...

Cecília respirou aliviada quando sua irmã deu meia volta, retornando para dentro de casa. Tudo bem que entrou pela janela da sala...  (ela jurava que a havia trancado por dentro, mas a irmã conseguiu abrir...) mas pelo menos estava novamente em segurança. Com um  pouco de sorte ela poderia até retornar para sua cama... de qualquer forma, Cecilia não deixaria sua irmã se machucar....

Quando estava bem no meio da sala, Helena parou, de repente. Por alguns segundos pareceu meio perdida. Abriu os olhos e levou um susto ao perceber que estava de pé, no meio da sala. Sua irmã a observava, impassível....

- O que... o que aconteceu...?

- Graças a Deus, nada, menina...

- O que estou fazendo aqui na sala?

- Acredita se eu disser que não faço a menor ideia?

Helena ficou em silêncio por alguns segundos. Depois, levantando a cabeça, olhando sua irmã nos olhos, começou a descrever os locais por onde caminhara. Cecilia levou a irmã até a cozinha, a fez sentar-se e então preparou um chá para as duas, pois essa era a melhor maneira de acalmar os nervos e recuperar o sono, que parecia estar um pouco perdido naquele instante...
- Bem, pelo menos não foi um pesadelo....

- Para você... não imagina o pavor que senti quando você abriu a porta e estava indo para a rua...

- Posso...

- Claro que sim... acho melhor a gente trocar as duas camas de solteira por uma de casal...

As duas riram da brincadeira... um riso amarelo, um tanto quanto forçado... e se dirigiram para o quarto, tentar dormir as horas que ainda restavam na noite... o relógio marcava três horas da manhã...

 

            

 

 

    

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