A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Quarenta
A TAÇA DE CRISTAL
Capítulo Quarenta
Era um domingo manso, tranquilo... daqueles dias em que a única coisa que desejamos fazer realmente é lagartear, pois existe coisa mais gostosa do que simplesmente curtirmos a preguiça de um domingo onde o sol está naquela temperatura agradável, convidativa, implorando para que a gente corra para uma praia, pisar na areia branca, brincar com as ondas ou, em caso de não ter condições de estar na praia, ficar à beira de uma piscina, apenas curtindo o momento? Com certeza, se pudesse, Roseli estaria curtindo uma praia nesse momento... mas já fazia quase três meses que não visitava sua filha. O serviço na Lavanderia havia aumentado muito e as empresa pediu aos funcionários para que a auxiliassem, uma vez que o beneficio seria para todos... aquela história de sempre, que os empresários jogam para seus funcionários... vamos trabalhar para que o bolo cresça, e depois repartimos com todo mundo... é claro que nunca sobra nem o farelo do bolo para o pessoal que realmente trabalha, mas isso faz parte da vida, não é mesmo? De qualquer forma, as horas extras não programadas acabaram rendendo um dinheiro extra, com o qual Roseli não contava... e dinheiro a mais na conta é sempre bem vindo. Sendo sincera, Roseli estava um caco. Dava para ver em seu rosto os sinais de cansaço. Mas, como eu disse, já fazia algum tempo que ela não via sua filha, e por esse motivo, aproveitou seu dia de folga para visitar dona Olga, sua quase sogra. Quase, porque embora não tenha se casado com Ricardo, já que ele já era casado quando se conheceram, Letícia era o fruto dessa união proibida. E no momento dona Olga cuidava da pequena. E as duas se gostavam muito. Verdade seja dita, antes de conhecer Roseli e sua filha, dona Olga tinha certas reservas quanto a moça, reservas essas que se dissiparam quando a conheceu. E dizias, para quem quisesse ouvir, que Roseli sim, era a mulher certa para seu filho... pena que ele não concordava com essa ideia...
- Menina, que cara de enterro é essa?
- Cansaço, dona Olga... a gente está trabalhando quatorze horas por dia, de segunda a segunda...
- Mas porque isso, menina?
- A firma conseguiu um cliente novo... e não tem funcionários suficientes... então...
- Sei... igual a empresa de ônibus onde o Ricardo trabalha...
- É... é mais ou menos isso... mas pelo que a chefia falou, logo vai entrar gente nova e aí o serviço fica mais leve...
- Isso é bom...
As duas ficaram quietas por algum tempo, se ocupando de esvaziar a xícara de café que estava em suas mãos. depois de sorver mais um gole do líquido amargo que estava no recipiente, Roseli voltou a falar...
- E a Lê, como está se comportando?
- Essa menina é um anjinho, não dá trabalho nenhum... e hoje acho que vai dormir até o meio dia, já que não precisa ir para a creche...
- Vamos deixá-la dormir, então... quando acordar, eu brinco um pouco com ela...
- Você devia vir aqui mais vezes...
- Não dá, dona Olga... tanto meu serviço quanto minha casa ficam muito longe...
- E por que não vem morar aqui comigo? A casa é grande, só tem eu e a nenê... o Ricardo quase nunca vem me ver...
- Não sei, dona Olga... não me parece certo...
- O que não é certo, menina?
- Vir aqui, morar com a senhora... o Ricardo pode não gostar...
- Ele quase nunca vem aqui...
- Ainda assim... ele pode achar que estou forçando alguma situação... é melhor não dar espaço para mal entendidos...
- Eu entendo... mas como te disse, a casa é grande e eu moro sozinha. Uma companhia me faria muito bem... e você estaria perto da sua filha...
- Vou pensar...
As duas ficaram mais alguns segundos em silencio, depois começaram a conversar sobre banalidades, sobre nada, como toda conversa costuma versar. Depois de algum tempo ouviram um barulho vindo do quarto e foram ver. era Letícia que havia acordado. Roseli a pegou nos braços e as três voltaram para a sala. Passado algum tempo, depois que trocaram a criança e a alimentaram, Roseli convidou dona Olga para as três passearem, já que o dia realmente estava muito lindo. E assim, as três saíram em direção ao Shopping, onde a pequena poderia se divertir no parque e depois iriam assistir um desenho animado e, é claro, devorar uma Pizza Hut...
Cecilia estava um tanto inquieta. Nem ela mesma sabia o motivo, mas de qualquer forma, sentia que seu nervosismo tinha muito a ver com os pesadelos de sua irmã. Notou que esta a olhava com um olhar misto de medo e compaixão, e ficava se perguntando se os pesadelos de Helena não tinham alguma coisa a ver com esse comportamento... do que será que sua irmã tinha tanto medo, que não queria compartilhar um simples sonho... pesadelo, na verdade... com ela? Bem, cada um tem seu jeito de ser, e esse era o de Helena. Se alguma coisa a preocupava, não sabia como dividir essa carga com ninguém... guardava para si todo o peso do problema do momento... mas não conseguia evitar deixar pistas sobre o que a incomodava... como agora, por exemplo... sempre que seu olhar se cruzava com o da irmã, a sensação de que algo muito ruim estava por vir era muito forte. E por isso gostaria que ela lhe contasse qual era o problema... mas...
Aproveitando que agora folgava todos os finais de semana (quando trabalhava na loja tinha uma folga semanal... domingos, só um a cada três meses... dois dias de folga? Nem pensar...) Cecília resolveu dar uma caminhada pelo parque que ficava próximo de sua casa. Helena fora trabalhar, então ela estava sozinha, já que a irmã só retornaria lá pelas cinco, seis horas... e o dia estava muito bonito para ficar presa, sozinha, entre quatro paredes. Pegou sua bolsa e um livro (o terceiro volume de As Brumas de Avalon) e lá foi ela esticar um pouco as pernas, como se costuma dizer. Talvez mais tarde desse uma chegada na casa de seus pais, para filar o almoço de domingo. Cozinhar só para ela não tinha muita graça, e comer num restaurante... não, era melhor aproveitar a comidinha da mamãe, mesmo. E assim, Cecília seguiu em frente...
Era pouco mais de duas da tarde quando Cecília chegou na casa de seus pais. Já do portão sentia aquele cheirinho de rosbife recém assado... já sabia que o cardápio do dia era macarrão à bolonhesa, salada de maionese e rosbife... meu Deus... não precisava de nada mais além disso para deixar seu dia incrivelmente lindo e maravilhoso. Tanto que a inquietação que sentira pela manhã se dissipou como a névoa se dissipa com os raios do sol... e lá foi Cecília, conversar com seu pai, com Estela... e é claro que pegou a pequena Selene no colo... a garotinha era tão fofinha, não tinha como não se apaixonar por ela...
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