A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Vinte e Nove

 




A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Vinte e Nove

 

 

Ricardo estava chegando no ponto final de mais uma viagem… era a segunda do dia. Essa fora tranquila. Transito leve, poucos passageiros, horário de tabela cumprido. Mais duas ruas e já estacionaria o veículo, e então seria liberado para almoçar. E só retornaria para sua rota dali a uns quarenta, cinquenta minutos. O carro estava perfeito… havia acabado de sair da revisão e, apesar de não ser um dos mais novos da frota, era um dos melhores carros para se trabalhar. Ricardo era seu motorista exclusivo, digamos assim. Não o havia pego zerado, mas o piloto anterior também era cuidadoso, e o carro parecia novo, tão bem cuidado havia sido.  Ricardo não descuidava da manutenção do veículo. Qualquer barulho estranho, já encostava o mesmo para verificar. Aliás, foi por isso que o chefe do tráfego não o puniu por suas faltas, nem mesmo tirou seu carro de escala. Pois um carro bem cuidado tinha um valor um pouco maior na hora da renovação da frota. E isso se convertia em prêmio para o chefe de tráfego. Finalmente avistou seu destino final. Fez as ultimas manobras para estacionar e então puxou o freio de estacionamento. Estava oficialmente em seu horário de almoço… o cobrador de seu carro desceu célere para entregar o relatório de viagem para o fiscal, que os aguardava na guarita.  Fez as anotações de praxe e dispensou a dupla, dizendo aos mesmos que a próxima viagem seria dali a uns noventa minutos. Ricardo ficou surpreso. Afinal, era raro ter tanto tempo assim para o descanso do meio dia. Mas a cavalo dado não se olha os dentes, não é mesmo? E lá foram eles, para a lanchonete…

Ricardo não costumava levar marmita para seu local de trabalho. Dizia sempre que a comida não ficava tão boa, se requentada. E que, além disso, já levara muita marmita em sua vida e que preferia passar fome a andar com ela debaixo do braço.  E assim tocava a vida. Enquanto esperava seu prato chegar, ficou olhando a fila de ônibus parados próximo ao ponto final. Realmente haviam muitos naquele dia. Será que a empresa havia colocado carros extras na linha? Mas porque? Não havia nenhum motivo especial para isso. O fluxo de passageiros estava normal…. Vai entender, não é mesmo?  De qualquer forma, não era problema dele… aliás, de problemas, sua vida estava repleta. Não precisava arranjar mais nenhum… e começou a pensar em Cecília. Tudo bem, ele estava ciente que havia pisado feio na bola com ela, e várias vezes seguidas. E a ultima, sem dúvida, foi levar sua segunda mulher para morar na casa em que os dois viviam… ela tinha ido embora, é certo. Mas a casa era dela, e o que ele havia feito realmente não era direito… Tudo bem que na hora lhe pareceu uma boa ideia… Roseli não precisaria mais pagar aluguel e ele ficaria perto de Letícia, sua filha. E ele realmente era amarrado na garotinha. Pensando bem, o único motivo que o fez ter a ideia de levar a outra para sua casa foi a pequenina. E de certa forma, foi uma boa decisão… mas será que foi, mesmo? Afinal, ao agir assim ele praticamente fechava a porta para a volta de Cecília. E realmente não queria que sua separação fosse permanente. Afinal, ele ainda era apaixonado por Cecília. Diabos, ela era meio doida, tinha um gênio difícil, mas ele ainda a amava… e sentia sua falta. Principalmente porque a vida ao lado da nova companheira não se parecia em nada com o que ele havia imaginado. Se Cecília tinha um gênio difícil, perto de sua nova companheira ela era um anjo de candura. As brigas entre os dois eram constantes. E eram piores do que as com Cecília, pois esta revidava. A primeira vez que ele chegou tarde em casa… coisa que era comum quando morava com a ex… a casa quase veio abaixo. Ele havia tomado algumas a mais, admitia isso… mas o escândalo que sua parceira fez só por isso… foi a primeira vez que acabou levando uns tapas da parceira… o que era uma novidade para ele. Afinal com Letícia, a briga não passava do campo das palavras… E Cecilia jamais tentou agredi-lo, embora ele o fizesse constantemente… sim, o paraíso na terra estava se mostrando o inferno encarnado….

A ultima briga dos dois tinha sido uns três dias antes. Ele nem tinha mais ideia do que realmente havia acontecido. Simplesmente se lembrava que a nova esposa partiu para cima dele com uma vassoura. Claro que ele quase revidou, mas parou no meio da ação… afinal ela não teria nenhum pudor em entregá-lo à delegacia mais próxima, e a Lei da Maria da Penha lhe custaria o emprego… que já estava por um fio, a bem da verdade… e ele não precisava de mais esse problema em sua vida. Sim, realmente estava em uma sinuca de bico. Entrar na confusão havia sido extremamente fácil, e não via nenhuma saída agora.

Se amava sua nova esposa? No começo, achava que sim. Agora, já não tinha mais tanta certeza sobre isso.  Sim, ela era bonita. Sim, era incomparável na cama, sabia como deixá-lo louco… bem diferente de Cecília, com quem o sexo era morno, calmo… mas não é que estava começando a sentir saudades da calmaria? Enquanto novidade, se perguntassem qual das duas preferia, sem dúvida Roseli seria a escolhida. Agora, depois de pouco mais de um mês de convivência, sem dúvida alguma seu desejo era voltar para os braços da ex esposa…

Seu prato chegou. Começou a comer… e em cada garfada, um pensamento aparecia em sua mente.  Sim, ele precisava terminar sua relação com Roseli. Só não sabia como. Afinal, como poderia pedir que ela deixasse a casa que ele mesmo abrira a porta. Além disso, e a pequenina?  Como ela ficaria, nessa história toda? É, sem dúvida, havia arrumado sarna para se coçar. Pelo menos Cecília não veio reclamar seus direitos, pensou ele… pois imagina só se de repente ela resolvesse pedir a casa de volta… é, quando a cabeça não pensa…

Terminou seu almoço, consultou o relógio. Ainda tinha uns vinte minutos antes da hora de retornar ao seu carro.  Teria ainda mais duas viagens antes de buscar “a boa”, se não houvesse nenhum contratempo. E quem trabalha nas ruas sempre está sujeito a enfrentar situações não esperadas.

Finalmente a hora de mais uma viagem. Ligou seu carro e o levou até o ponto onde já havia alguns passageiros aguardando. Estacionou, esperou que seu parceiro se acomodasse na catraca e então abriu a porta para que os passageiros embarcassem. Engraçado, estava se sentindo meio irritado agora a tarde. Não sabia exatamente o porquê, mas tinha alguma coisa que o incomodava. Bem, como tinha uma viagem para fazer, o melhor era se acalmar… afinal, volante e nervosismo nunca combinaram. Sua atenção tinha que estar voltada completamente para o transito, e nada poderia tirar sua atenção. Afinal, qualquer distração poderia lhe custar um prejuízo razoável…

Finalmente o fiscal liberou sua saída. Suavemente começou a caminhada. O carro respondia perfeitamente ao seu comando. E lá foi ele, sempre atento ao menor problema que pudesse aparecer em sua frente...

 

 

 

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