A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Um
Depois de alguns dias atribulados, Helena chegou
à conclusão de que deveria sair um pouco da rotina para espairecer. E foi o que
fez... pediu uma semana de licença em seu emprego (já estava a dois anos sem
férias) e tratou de colocar o pé na estrada. Seu passeio teria que ser de
ônibus, já que não tinha um carro à disposição... mas resolveu verificar o
quanto ficaria o aluguel de um... de repente, o valor poderia compensar, com o
conforto que traria. Enquanto pesquisava os valores dos aluguéis, acabou se
apaixonando por um carrinho que estava no pátio da locadora a venda... era um
carro já com dois anos de uso, mas estava realmente muito bonito. Resultado...
acabou indo viajar com seu carro novo... um Ford Ka hatch, prata, pois depois
que o viu na agência não sossegou enquanto não conseguiu fechar o negocio.Com
isso acabou atrasando seu passeio por quase um mês, pois tinha que arrumar toda
a documentação do veículo e revisá-lo, para ter certeza de que poderia pegar a
estrada tranquilamente.
Resolveu sair pelo mundo, sem destino certo. Em
uma bela manhã de domingo, deu um beijo em seus pais e ganhou a estrada. Teria
uma semana inteirinha para descansar e, quiçá, se livrar dos pesadelos que
tanto a atormentavam. Na verdade, a viagem de recreio havia sido uma sugestão
de sua psicóloga, que depois de ouvi-la, chegou à conclusão que tudo o que
Helena tinha era estafa, por trabalhar demais e descansar de menos... Claro que
uma nova consulta foi marcada, mas a doutora só queria vê-la depois que essa
seguisse suas instruções e ficasse alguns dias longe da cidade. E foi isso que
ela fez....
Como o verão ainda não havia acabado, resolveu
visitar o Vale Encantado... iria passar o dia todo mergulhada na piscina, e só
à noite continuaria sua viagem pelo mundo afora... E tratou de se divertir o
dia todo, aproveitando ao máximo a água quente de algumas das piscinas...
durante o dia todo ela se divertiu... sozinha, sim, mas era como se estivesse
com um grupo de amigos... conseguiu relaxar bastante. A tarde, voltou a pegar
estrada, tendo como destino a cidade de São Luís do Paraitinga, no Vale
do Paraíba... ela queria paz e sossego, e São Luiz ainda tinha o ar bucólico de
uma cidade do interior... escolheu uma pousada tranquila para ficar. Não chegou
muito tarde na pousada, pois saiu de Biritiba Mirim por volta das três da
tarde. Mais ou menos umas seis horas já estava confortavelmente instalada em
seu quarto... depois de um bom e relaxante banho, era hora de pensar onde
comer.... e resolveu ir até o centro da cidade, procurar algum lugar tranquilo.
O dia amanheceu cálido e sereno, o cheiro das
folhas das árvores se espalhava pelo ar. Helena levantou-se, tomou seu café da
manhã e resolveu sair para conhecer o centro da cidade. Sim, ela já havia
passado algumas vezes pela cidade mas, não, nunca teve tempo para conhecer mais
de perto a alma do pequeno vilarejo que era o centro... digo "pequeno
vilarejo" porque o centro era bem diferente do resto da cidade... as
construções antigas, mantendo as linhas arquitetônicas de quando foram
construídas, arremetiam a imaginação para um passado já longiquo, quando as
campanhas de gado cortavam as ruas da pequena cidade. Sentada em um dos bancos
da praça da matriz, cerrando os olhos, Helena quase que ouvia o som do berrante
chamando o gado em sua caminhada... sim, a paz se fazia sentir pelo ar daquela
localidade. Se lá não existiam problemas? Em que lugar deste mundo não
há? Mas ao menos para Helena, naquele momento, ali era o Paraíso na Terra e era
o lugar ideal para conseguir espantar seus fantasmas...
Depois de algum tempo simplesmente lagarteando,
a moça chegou à conclusão de que era hora de conhecer novos rincões... e
decidiu, depois de muito pensar, em visitar o Parque Estadual da Serra do Mar.
Ela sabia que poderia fazer um passeio belíssimo pelas trilhas do parque, e não
pensou duas vezes... foi para lá. A viagem de carro até o Parque não era longa,
e logo ela estava caminhando pelas trilhas demarcadas, aproveitando o contato
com o verde esparramado à sua volta. Era quase como uma viagem ao seu tempo de
criança, quando caminhava pela mata acompanhada de seus pais e avós... sempre
que a família ia visitar seus avós no interior, aproveitavam para explorar a
grande mata que se avizinhava do vilarejo. Muitas histórias eram contadas sobre
essa mata. Ela era parte de uma fazenda a muito abandonada, e tinha fama de mal
assombrada. Claro que a maioria das pessoas fazia troça desta história, mas
Helena sempre se sentia mal cada vez que se embrenhavam trilha afora. Bem
diferente da sensação que sentia ao caminhar pelo parque. A vista era linda...
de onde caminhava, dava para apreciar a cachoeira que caia por sobre as
pedras... não era uma queda muito alta, mas com certeza isso tornava aquele
trecho nada saudável para navegar. Afinal, uma queda de sete metros de altura
era deveras desagradável... além de que, ao chegar ao leito do rio novamente,
as águas cortavam grandes blocos de pedra, que dificultariam ainda mais o
desejo de quem quer que fosse de navegar por aquele trecho. Helena desceu até a
margem do rio, tirou os sapatos e entrou na água, caminhou um pouquinho dentro
do rio e, se conscientizando de que estava sozinha naquele local, resolveu
tirar suas roupas e nadar um pouco nas águas gélidas do local. Ficou mais ou
menos uma hora, aproveitando ao máximo a temperatura cálida que fazia no
momento. Descansou um pouco na margem, esperando que a brisa secasse seu corpo,
já que não havia levado nenhuma toalha... após sentir-se enxuta, vestiu
novamente suas roupas e começou a fazer o caminho de volta... Estava feliz e
satisfeita... o passeio tinha sido muito bom até aquele momento. Os pesadelos
que viviam a atormentá-la resolveram dar-lhe uma folga e, depois de muito
tempo, Helena via o mundo de uma forma mais agradável...
Já era noitinha quando Helena retornou a sua
pousada. Já havia jantado, até participou da missa na igreja da matriz, e agora
tudo o que desejava era uma caminha quentinha e uma boa noite de sono... e
assim o fez...
Helena despertou no dia seguinte leve e
tranquila. A noite de sono realmente foi restauradora. Levantou-se, tomou seu
café e se preparou para continuar a explorar os arredores da cidade. Depois de
pensar um pouco sobre o que faria durante seu segundo dia na região, decidiu
dar um pulo em Cunha, pois a cidade não ficava tão longe de onde estava. Sempre
foi fascinada pela história do Estado, e decidiu que iria visitar o Museu
Francisco Veloso, onde havia em seu acervo peças referentes a Revolução
Constitucionalista. Foi seu primeiro ponto de parada. Depois de apreciar as
peças ali exposta, e acessar a Biblioteca Municipal e se encantar com os livros
ali expostos, resolveu conhecer o Parque Ceramista da cidade. Afinal, Cunha
tinha em suas raízes a tradição herdada dos indios tamoios da arte ceramista.
Desde o ano 1000, quando os tamoios/tupis expulsaram os tapuias, que fizeram da
arte ceramista rudimentar um de seus pontos altos... claro que, na atualidade,
não é essa a cerâmica explorada pelos artistas da cidade, mas sim as peças
produzidas nos fornos Noborigama, introduzidos na cidade em 1975 pelo casal Toshiyuki
e Mieko Ukeseki e Alberto Cidraes, usando o espaço do Matadouro Municipal que
estava fechado, pelo regime de comodato, cedido pela Prefeitura Municipal de
Cunha.
Helena ficou encantada com as peças ali
produzidas e seu ímpeto era levar o maior número de peças que
conseguisse. Porém o espaço físico de seu veículo era uma imposição
quanto ao que levar como recordação, e acabou que ela escolheu duas jarras,
sendo que uma seria um presente para sua mãe, e a outra, ficaria em sua casa...
consultou o relógio e percebeu quão tarde já era... então resolveu encerrar sua
visita e retornar para a pousada... mas não antes de experimentar o Carbonara
do Il Pumo... ela ouvira falar que este era um prato incomparável, e como era
louca por massas, não iria deixar escapar a oportunidade de experimentar esse
prato, que só de falar já a deixava com água na boca... quando chegou aquele
prato de espaguete com aquele guanciale crocante (guanciale é um tipo de bacon
não defumado italiano, preparado com as bochechas do porco, onde a carne é
esfregada com sal e pimenta do reino e é curada por três semanas...) com aquele
molho de gema de ovos, pimenta do reino e parmesão ralado... bem, ela sentia-se
no paraíso a cada garfada que consumia do prato...
Terminada a refeição, era hora de retornar para
São Luís. Estava feliz, porque o dia fora proveitoso e divertido. E a única
coisa que desejava era que o resto da semana fosse tão bom quanto esses
primeiros dias o foram...
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