A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Três
Todos os pertences que Roseli trouxera para a
casa de Ricardo couberam em apenas uma mala. Depois de conferir se estava tudo
em ordem, chamou um Uber. Iria levar suas coisas para sua nova morada. Quanto
aos móveis, utilizaria os que tinha em sua casa antiga, que haviam ficado
guardados na casa de uma amiga... Havia avisado seu chefe que se atrasaria um
pouco. O que significa que simplesmente iria pegar as chaves da casa, guardar
sua mala no quarto e voltar para o serviço. Iria arrumando suas coisas aos
poucos. O relógio marcava seis e meia da manhã quando um Renault Clio estacionou
em frente ao portão. Era o carro que ela havia solicitado. Não se despediu de
Ricardo, pois esse não havia retornado até aquela hora. Deu de ombros, pegou
sua mala, trancou a porta e embarcou no veículo... era uma página que se
encerrava na novela de sua vida... houve bons momentos? Sim, claro que houve.
Mas também tiveram cenas dignas de um filme de terror. E a culpa foi de ambos
os lados...
Ricardo continuava sentado no mesmo banco da
praça, em frente ao bar. Ao seu lado, duas garrafas de cachaça, uma vazia,
outra já pela metade. Não é necessário dizer que ele estava embriagado. E que,
uma vez mais, faltava ao seu trabalho. Antes que perguntem, ele não estava
raciocinando. Sorvia o líquido da garrafa apenas por instinto. Pequenos goles,
depois uma pausa... o olhar perdido às vezes dirigido para o céu, às vezes para
algum ponto do infinito. Não, ele não pensava em nada. Havia se desligado da
realidade quando sua parceira pronunciara as palavras "eu vou te
deixar". Podemos dizer que seu sistema entrou em curto. E nem havia
motivos para isso, pois ele mesmo já cogitara várias vezes terminar a vida em
comum com ela... mas a mente humana é um mistério indecifrável. Às vezes um
simples gesto, uma palavra não esperada, podem desencadear reações que
normalmente não ocorreriam... é... a vida é um mistério!
Apenas quando o fluxo de pessoas a sua volta
aumentou é que Ricardo acordou para a vida... logicamente que não tinha
condições de trocar um único passo que fosse, mas de repente voltou à
realidade. O nome de "Cecília" foi balbuciado por ele, que logo em
seguida tombou sobre o banco... várias pessoas acorreram para acudi-lo, e logo
alguém chamou o socorro. Nosso amigo estava em coma alcoólico. Também, depois
de ingerir quase dois litros de cachaça, era até um milagre ainda estar sentado
ali...
Eram mais de duas horas da tarde quando
finalmente Ricardo foi liberado do Pronto Socorro. Nem tanto por seu estado de
saúde, mais porque mal conseguia dar dois passos em linha reta. Mas finalmente
liberado, ganhou a liberdade de se dirigir para sua casa, e ver o que teria
acontecido entre sua conversa com Roseli e o momento que recebera alta do
médico. Sabia que as perspectivas não lhe eram favoráveis, já que sua
companheira não havia se dignado sequer a responder as ligações feitas para que
ela o buscasse no PS... é, Ricardo estava pensando que ela realmente falara a
sério na noite passada. E agora, o que faria? Estava desnorteado. Passar pelo
mesmo problema de novo? Será que conseguiria aguentar? O que faria a
partir de agora, se Roseli estivesse falando sério e o abandonasse, realmente?
Como iria conseguir permanecer naquela casa onde, por duas vezes, fora
rejeitado? Mas... de repente Roseli pode não ter ido vê-lo porque seu celular
estaria descarregado... era algo que poderia acontecer, não é mesmo? E, com
esse pensamento, dirigiu-se para sua casa...
Por diversas vezes naquela manhã o celular de
Roseli tocou. Mas, como estava realmente ocupada, resolveu nem olhar quem
poderia estar ligando. Muito provavelmente era alguma amiga ou colega de
trabalho querendo fofocar sobre alguma coisa... e ela não estava com espírito
para jogar conversa fora. Não naquela manhã, pelo menos. Depois de acomodar
suas coisas em um dos cantos do quarto... o amigo que lhe traria os móveis só
poderia fazê-lo no final de semana, o que significava dormir por dois dias no
chão... e logicamente não teria como fazer suas refeições, já que o fogão e os
pratos viriam todos junto com o resto das suas coisas... isso significava que,
até que suas coisas chegassem, teria que passar com lanches... não seria o fim
do mundo, para ela, uma vez que já estava acostumada. Claro que preferia fazer
suas refeições corretamente, mas dois dias não era nenhuma tragédia. Além
disso, perto de seu emprego, havia um boteco onde a comida era boa e
barata...
Terminando de arrumar suas coisas... arrumar não
seria bem o termo... tratou de se preparar para mais um dia de trabalho. E lá
foi ela, conhecer o novo caminho até seu emprego. Não achou tão ruim assim o
novo trajeto, como lhe parecera no dia em que fora conhecer seu "possível
novo lar"... e acabou alugando a casa... bem, pelo menos ela não precisava
preocupar-se com sua pequenina, uma vez que esta iria ficar com a avó paterna.
Por quanto tempo, somente Deus poderia dizer. Mas o que realmente importava
para Roseli nesse momento é que a pequena não iria passar nenhuma privação...
Já passava do meio dia quando Roseli chegou ao
trabalho. Sua chefe a chamou de lado e a comunicou que estaria dispensada
naquele dia. Poderia compensar as horas em outras oportunidades. Afinal, a
menos que ela desejasse trabalhar no período da tarde naquele dia, não haveria
sentido nenhum trabalhar duas horas e depois sair... não discutiu e acatou a
sugestão da chefe. É claro que não iria para casa ainda... a visão das
pareces vazias não era muito agradável...mas aproveitaria a tarde para
espairecer um pouco, colocar as ideias em ordem. De uma coisa ela tinha plena
certeza... nem que este fosse o último homem sobre a face da terra, não queria
mais ver a cara de Ricardo na sua frente...
Ricardo finalmente chegou em casa. Quando pegou
a chave para destrancar a porta, sua mão estava tremendo. Está certo, a casa
estava vazia... mas nesse horário Roseli estaria em seu trabalho, portanto...
abriu a porta e entrou na sala... a escuridão resultante das cortinas fechadas
dava um ar tristonho ao ambiente. Ricardo tratou de abri-las, para que a
luminosidade do dia banhasse o ambiente. Aquele silêncio sufocante estava lhe
dando agonia...ele não queria ficar sozinho... não podia ficar sozinho. Foi até
o quarto... tudo na mais perfeita ordem. Cama arrumada, cobertores esticados...
sim, parecia estar tudo bem. Mas então seus olhos pousaram sobre a
penteadeira... e a perceberam vazia. Seu próximo passo foi abrir o guarda roupas,
onde constatou que todos os pertences dela haviam sumido. Sentou-se sobre a
cama, pôs as mãos no rosto, balbuciando...
- Cecília... por que você foi embora?
E começou a chorar. E assim ficou por um bom
tempo. Ah, sim, antes que pensem que escrevi o nome da mulher errada... não,
ele não chamou a mãe de sua filha... ele chamou o nome de sua primeira esposa.
E nem mesmo percebeu que havia chamado por ela. De qualquer forma, ele ficou
algum tempo chorando... até que finalmente se recompôs. Sabia que teria que se
explicar para seu chefe por sua falta, ainda mais que não dera a menor
satisfação à empresa. Iria tentar usar o Atestado que recebera do PS... mas
será que colaria? Afinal, seu atestado dizia claramente que estava... como
podemos dizer educadamente, sem ferir os brios dos mais sensíveis? Tá, tudo
bem... ele deu entrada no P.S. alcoolizado. Por isso teve que ser medicado...
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