A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Trinta e Nove


 

A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Trinta e Nove

 

- Helena, acorde!

Era Cecília, tentando acordar sua irmã... que estava aos gritos, deitada em sua cama. Cecília, apavorada, acendeu a luz e fez o que podia para despertar Helena. Finalmente, esta abriu os olhos. Durante alguns segundos fitou o teto do quarto, olhos perdidos no nada. Parecia não reconhecer onde estava.  Finalmente, fixou-se em sua irmã... sentou-se na cama, pousou o rosto nas mãos e ficou assim alguns segundos, que para Cecília pareceu uma eternidade. 

- Está tudo bem com você?

- Está, sim... não se preocupe!

- Menina, você me assustou!  O que aconteceu? Porque...

- Ceci, eu não quero falar sobre isso...

- Está bem... mas você me assustou...  

Helena levantou-se, e foi em direção à cozinha...

-Vou fazer um chá, para mim... quer um também?

Cecilia seguiu a irmã...

- Com certeza. Estou precisando!

Dali a alguns minutos, as duas estavam tomando seu chá, em silêncio. Cecilia até queria perguntar o que havia apavorado sua irmã durante o sono, mas achou melhor ficar quieta. E assim logo as duas retornaram para o seu quarto...

- Se importa se eu dormir junto contigo?

- Claro que não, Helena... você sabe que eu não me importo!

E as duas irmãs dormiram juntas, como se fossem duas crianças abraçadas.

Ricardo havia largado do serviço às oito da noite. O relógio marcava quase meia noite, e ele ainda estava no bar, virando todos os copos que apareciam na sua frente. Já estava bem embriagado. Seus amigos tentavam convencê-lo a ir para casa, já que dali a algumas horas ele teria que entrar em serviço, mas nada conseguia convencê-lo a ir descansar. Até que acabou dormindo na mesa do bar, mesmo. O dono, como já o conhecia, resolveu deixá-lo ali... pelo menos estava descansando. E a hora que o rapaz teria que acordar era a hora em que ele iria abrir o bar, mesmo... então não haveria problema.... ao menos, não para o dono do bar.

Janete continuava inconsolável pelo fato de que Cecilia não queria voltar a morar com o marido. Como assim, ela vivia se perguntando... ela prefere viver no pecado? Na visão de Janete sua filha estava errada em não aceitar seu esposo de volta. E daí, que ele a havia traido? Afinal, isso faz parte da vida. De qualquer forma, ela aprendeu a não mais externar essa sua idéia, pois da ultima vez Mario quase brigou com ela. Quase, porque Mario só perdia a paciência depois de muito ser testado. E Janete sabia qual era o limite do marido.

Estela desceu para a sala... a pequena Selene estava dormindo, e a garota resolveu tirar uns minutos de folga do "cuidado maternal". Ela realmente estava cansada. Ainda mais porque sua mãe vivia atazanando seus ouvidos dizendo que teriam que batizar a criança o mais rápido possivel...

Estela sentou-se no sofá, pegou uma xícara de chocolate quente e o sorveu calmamente. Após alguns minutos, seu Mario também desceu, e começou a conversar com a filha. Baixo, para não acordar o resto da família.

- E então, Estela? Como estão as coisas?

- Podia ser pior, papai... podia ser pior.

- A pequena...

- Está dormindo. Por isso desci um pouco...

- Tem conversado com Dona Isabel e Seu Geremias?

- Sim... felizmente Seu Geremias já está recuperado... 

- Bem, um acidente daqueles sempre deixa sequelas...

- Eu sei... mas seu Geremias está sempre de pé... ninguem diria que ele ficou de cama por...

- O filho dele faz falta...

- E o pai de minha filha, também....

- Eu sei, Estela. Mas a vida é assim. Os bons sempre partem mais cedo...

- Então não compensa ser boa...

- Shhhh! Não deixe sua mãe te ouvir falar isso....

O relógio acusava cinco horas da manhã. As portas do bar estavam se abrindo.  Ricardo piscou... ainda estava sob o efeito do álcool... levantou-se da cadeira, pagou a despesa para o dono do bar, que lhe serviu um café bem forte... e seguiu em frente, em direção à garagem de ônibus. Ia trocando as pernas no inicio mas conforme avançava, conseguia manter-se ereto. Depois de algum tempo, já caminhava normalmente... Pegou seu carro de escala... seu cobrador o olhou com o canto dos olhos... sentiu o cheiro de alcool no companheiro, e não tinha certeza se queria realmente trabalhar com ele.... no fim, resolveu relevar. Afinal, Ricardo nunca se envolveu em nenhum acidente, a tanto tempo que estava na empresa. E lá se foi seu carro, ganhando estrada, em direção ao ponto inicial. Ricardo tinha uma pontinha de esperança de rever sua ex... afinal, a linha para a qual fora designado naquele dia era justamente próxima da casa de sua cunhada... e provavelmente Cecilia deveria estar morando com ela. Pelo horário, deveria pegar seu carro para ir ao trabalho. Será que ela estava trabalhando? Onde seria seu novo emprego? Ele não fazia idéia. Mas tinha que encontrá-la. Estava tão obcecado pela ex, que já fazia mais de mês que não ia visitar sua filha. Como Roseli também não tivera nenhuma folga nos ultimos quarenta dias, a menina se apegava cada dia mais a sua avó...

- Pronta para mais um dia de trabalho, Ceci?

- Sim... me dá uma carona?

- Como sempre... você não quer se arriscar com o ônibus, não é?

- Sim... vai que...

 -Te entendo. E não se preocupe... a tarde te pego de volta...

- Obrigada...

- Mas você está consciente de que não vai conseguir fugir dele para sempre, não é mesmo?

- Sim, eu sei disso... mas quanto mais demorar esse encontro, melhor...

- Então, vamos...

Na verdade, Helena estava mais preocupada com a possibilidade de Cecília se encontrar com seu ex do que a própria. Os últimos pesadelos que a atormentavam sempre tinham como protagonistas o casal... e em sua visão, Ricardo assassinava Cecília... e Helena nunca conseguia chegar a tempo para evitar o crime... esse pesadelo a atormentava, e ela não tinha coragem de contá-lo para a irmã... ela até achava que deveria, pois talvez assim Cecília poderia proteger-se melhor de um eventual encontro... mas e a coragem para contar-lhe isso? Como poderia dizer a irmã que, noite após noite, ela assistia ao seu assassinato?...                 

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