A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Trinta


 

A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Trinta

 


Roseli estava pensativa. Fazia quase dois meses que se mudara para junto de Ricardo, mas as coisas não caminhavam como ela esperava. A vida a dois estava se mostrando bem diferente do que havia imaginado. Definitivamente, seu parceiro não era  a pessoa que ela esperava. Tudo bem, tinham uma filha juntos. E isso era algo para se levar em conta. Mas fora isso, o amor que parecia algo tão forte entre os dois, mostrava-se como um tecido que se esgarçava a cada dia... as brigas começaram leves, de inicio… apenas discussões.  Mas com o passar dos dias, começaram as agressões de um contra o outro. E já atingiram o estágio onde chegaram às vias de fato. Na última briga, inclusive, ela deixou um ferimento no ombro de seu companheiro. Ele não revidou, mas ela sabia que, se continuassem por esse caminho, em algum momento aconteceria algo que não teria mais volta…

Dois meses era pouco tempo para se avaliar uma relação… mas não tinha nada para avaliar na situação deles. Não tinha dado certo, isso era tudo. A única coisa que os ligava… o sexo… não era algo forte o suficiente para manter sua união. Ela estava resolvida a retornar para sua vida solitária de antes. Como sua mãe sempre dizia, antes só do que mal acompanhada. E estava muito mal acompanhada ultimamente…

Claro que morar com Ricardo tinha suas vantagens. Não pagar aluguel, por exemplo, era uma delas. E não ter que se preocupar com a pequena Letícia era outra coisa boa. Afinal, a mãe de Ricardo adorava a criança e ficava com ela todo o tempo em que a pequena não estava na creche… mas isso não era o suficiente para que se mantivessem juntos. E ela começou a buscar uma nova casa para morar. Não havia conversado com Ricardo, ainda… mas iria falar assim que encontrasse um lugar para ficar.

O horário de almoço estava terminando e teria que retornar ao trabalho. Suzana, uma colega sua, tinha lhe falado sobre uma casa perto de onde ela morava que estava para alugar. Pelo que a amiga falou, seria perfeito para Roseli e sua filha. Mas teria que ver o local, primeiro. E pretendia fazer isso logo depois que terminasse seu expediente. Não haveria problemas, visto que Ricardo chegaria tarde do trabalho, rotina diária. Ele nunca chegava em casa antes das onze da noite. Quanto à pequena Letícia, sua avó cuidaria dela até que Roseli chegasse… e ela não pretendia chegar tarde  para buscar a menina.

Uma das coisas que tirava Roseli do sério era o horário que seu esposo chegava em casa todos os dias... como ele fazia o chamado "carro direto", onde cumpria uma jornada de doze horas, ela sabia que seu expediente deveria se encerrar no máximo às sete da noite... mas era raro ele chegar em casa antes das dez e meia, onze horas. É claro que esse comportamento só começou depois das primeiras brigas do casal. Era como se ele estivesse fugindo de sua presença. E ela simplesmente odiava essa sua atitude. Outra coisa que a incomodava bastante era o fato de que ele sempre chegava em casa cheirando a bebida alcoólica. Ela também bebia, mas não suportava sentir o cheiro de cachaça em outras pessoas... sentia seu estômago embrulhar.

Quando os dois foram morar juntos, corriam para casa tão logo saiam de seus empregos. Ela chegava em casa por volta de umas cinco horas, ele geralmente entre sete meia e oito horas... era tudo como se estivessem no Paraíso na terra... até que começaram as primeiras discussões, por coisas banais, sem nenhum sentido. Um prato fora do lugar, o sapato fora da sapateira... coisinhas pequenas que não valiam uma discussão acalorada, mas que serviam de estopim para tal. E aos poucos foram crescendo em sua... digamos assim... importância. Um belo de um dia Ricardo esqueceu seu copo no braço do sofá... era o tipo de coisa para a qual Cecília não ligava, simplesmente pegava o objeto e o guardava em seu local correto. Mas não Roseli... talvez por estar acostumada a morar sozinha e ter todas as coisas guardadas em seu devido lugar, simplesmente não suportava a ideia de qualquer coisa espalhada pela casa... não gostava daquilo que chamava de bagunça.

O relógio finalmente marcou duas da tarde... o seu expediente se encerrava naquele momento. Roseli esperou Suzana se juntar a ela, pois como havia prometido, iria mostrar-lhe a tal casa que havia para alugar. A principio o que desagradou Roseli foi a distancia... era muito longe do seu local de trabalho... mas se o valor do aluguel compensasse... bem, só havia uma maneira de saber, não é mesmo? O jeito era ir até lá e descobrir... perguntar para o locador quanto ele queria de aluguel e avaliar se realmente valeria a pena... quanto mais se aproximavam do destino, menos Rose sentia atração pelo que poderia ser sua nova morada por algum tempo. O lugar não era nada daquilo que ela esperava. Estavam no trajeto a mais de uma hora e já fazia um bom tempo que transitavam por ruas sem asfalto, esburacadas. Roseli ficou pensando como o lugar deveria ficar em um dia de chuva...

Finalmente chegaram em seu destino, e Suzana a acompanhou até o local em que o imóvel estava para alugar. Cada vez mais ela gostava menos do local... a rua era de terra, toda esburacada e a casa em questão ficava em um terreno abaixo do nível desta. Roseli voltou a pensar nos dias de chuva... para descer até o terreno propriamente dito, havia uma escada rudimentar de madeira. Roseli já se viu em apuros com a pequena Letícia no colo, subindo e descendo por ali... definitivamente, o lugar não a agradava. Mas, já que tinha ido até ali, o negócio era ver quais as reais condições da casa em questão. O terreno era grande, e atrás das casas havia um pomar e um galinheiro. Meu Deus, pensou Roseli, estou no interior e não sabia!

A casinha até que era aconchegante...Um quarto, uma sala, cozinha e o banheiro dentro de casa... o chão era de piso de cimento queimado, na cor vermelha. As paredes pintadas de branco e a porta e as janelas de verde... é, até que a casinha era bonitinha. Atrás de sua casa ficava o pomar, onde a dona do imóvel lhe disse que poderia apanhar frutas à vontade... no pomar havia um pé de caqui, uma laranjeira, uma ameixeira (ameixas amarelas, não as vermelhas) alguns pés de banana... e outros frutos que Roseli não conseguiu identificar de primeira. Além do pomar havia uma horta, com alfaces, couves e outras verduras e legumes... além, é claro de um jardim onde brotavam camélias, margaridas, rosas, palmas, copos de leite... e Roseli acabou se apaixonando por aquele imóvel... mas quando pensou em descer por aquela escada de madeira com a sua filhinha no colo.... todo encanto pela propriedade se desvanecia como a neblina se desfaz com o sol...

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