A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Trinta e Sete
A TAÇA DE CRISTAL
Capítulo Trinta e Sete
- CECÍLIA! VEM AQUI! A
GENTE TEM QUE CONVERSAR!
Eram
dez horas da noite. Mario, Janete e Estela levaram um susto com a gritaria em
frente ao seu portão. Gritaria só, não. Ele batia e chutava o portão. Quando
Mario olhou pela janela da sala, quase não acreditou no que viu... afinal,
Ricardo estava caindo de embriaguez, e estava fazendo aquele barulho todo em
frente a sua casa. A pequena Selene, assustada com o barulho, chorava no
colo da mãe. Mario fez menção de sair para falar com o rapaz, mas sua esposa o
segurou pelo braço...
- Está
louco, homem?
-
Alguém tem que falar para esse... esse... que isso não são horas para se ficar
gritando na porta dos outros...
- E
você acha que ele vai te ouvir...
-
Jane, se ele vai me ouvir, eu não sei... mas tenho que tentar!
- Pai,
não era melhor chamar a policia? Vai que...
- Não,
não há necessidade. Tenho certeza de que uma boa conversa resolve tudo...
E
Mario saiu para o quintal, em direção ao portão, para conversar com o seu
genro...
-
Ricardo, Ricardo! Isso são horas de ficar gritando na porta dos outros?
- NÃO
QUERO FALAR COM O SENHOR! EU QUERO VER A CECÍLIA...
-
Rapaz, fala mais baixo.... desse jeito, vai fazer toda a vizinhança vir aqui...
- QUE
SE DANE A VIZINHANÇA! EU QUERO FALAR COM A MINHA MULHER!
-
Primeiro, meça suas palavras... não é porque está um pouco... alterado... que
pode dizer o que quiser. Não é assim que as coisas funcionam...
- EU
QUERO FALAR COM A CECÍLIA!
-
Ricardo, pela ultima vez... fala mais baixo... ou a gente não vai ter como
conversar...
Mario
olhou para o rapaz, e sua expressão não deixava dúvidas de que falava sério.
Ricardo se intimidou com o olhar seco e gélido a ele direcionado. Mesmo no
escuro, deu para perceber que seu sogro não estava brincando. E, bêbado ou não,
Mario sabia qual o chão em que estava pisando...
- Seu
Mario, eu... me desculpa... o senhor sabe o quanto te considero...
- Bela
consideração... chega gritando na minha porta no meio da noite... e sabe que
tem criança pequena dormindo...
- Seu
Mario, eu... eu só quero conversar com a Cecília...
- Mas
ela não quer conversa com você, rapaz... ou acha que ela já esqueceu toda a sua
papagaiada?
- Seu
Mario, eu... eu amo a Cecilia...
- Sim,
eu sei... e você provou para ela o tamanho desse amor... com outra mulher em
sua vida, com uma filha fora do casamento...
- Seu
Mario, eu... eu não consigo viver sem ela... a Cecília é a minha vida...
Mario
olhou sério para o rapaz. Sua fisionomia não permitia saber se estava com pena
ou com raiva ... de qualquer forma, Ricardo sentiu-se intimidado...
-
Ricardo, não vamos conversar hoje. Você não está em condições. Vá para sua
casa... vá dormir. Outra hora a gente conversa. A sério.
Vendo
que não tinha saída, Ricardo enfiou a viola no saco, como se diz, e tratou de
se retirar. Mario ficou olhando aquela figura patética sumindo na penumbra da
noite. Ficou com um pouco de dó do rapaz, mas ao mesmo tempo sentia ganas de
dar-lhe uns tapas. Sabia que a vida não era fácil para ninguém, e todo mundo
está sujeito a errar, mas quando pensava que aquele sujeito teve a coragem de
levar sua amante para a casa que tinha sido de sua filha, o sangue lhe fervia.
Mas trincou os dentes e entrou de volta na casa.
- Ele
já foi?
-
Sim... felizmente não estava tão bêbado quanto parecia... o bom senso ainda não
o havia abandonado...
- O
que ele queria, pai?
- O
que você acha? Falar com a Cecília, é claro...
- Eu
acho que ela deveria conversar com ele...
- Está
louca, Jane? Nossa filha está certa... vai saber do que ele é capaz...
- Mas
ela é mulher dele... seu lugar é ficar ao lado do marido...
-
Jane... essa história de que "até que a morte nos separa" não
funciona muito bem, não... para mim, a integridade física de nossa filha está
acima de tudo...
- Você
acha que...
- Eu
não acho nada... só não quero que a nossa menina se torne mais um número na
estatística da violência contra a mulher...
- Pai,
o que o senhor acha que ela deveria fazer?
- O
que você faria no lugar dela?
- O
que ela fez...
-
Muito bem... e depois?
-
Depois? como assim?
- Você
largava do sacripanta... cada um ia para um lado.... aí ele começava a te
perseguir... o que você faria?
- Acho
que eu registraria um b.o. contra ele...
-
Certíssima...
-Casamento
é para sempre!
-
Jane, pelo amor de Deus! Vê se para de falar besteira....
Dando
as costa para sua esposa, Mario subiu as escadas em direção ao quarto. Toda a
sua energia foi gasta na conversa com seu genro, e ele queria apenas um pouco
de paz e sossego. E sabia que, com sua esposa, acabaria se exaltando... e tudo
o que desejava agora era uma boa noite de sono. Estela conseguiu acalmar a pequena
Selene, colocou-a no berço e tratou de deitar-se e aproveitar as parcas horas
que sua pequena a deixava descansar. E, quando cerrava os olhos, a figura de
Jairo se projetava em sua mente... e a moça chorava sozinha... um choro triste
e manso, um choro de saudade. Então, adormeceu
Janete
ainda ficou mais algum tempo circulando entre a sala e a cozinha. Finalizava
suas tarefas antes de poder descansar. Normalmente seu esposo a ajudava, e só
se recolhia depois que ela terminasse tudo. Mas não hoje... hoje ele
estava chateado com as palavras pronunciadas para por sua cara metade. E
demonstrou isso cortando a conversa, deixando-a falando com as paredes...
Ricardo
continuava sua caminhada, tropeçando e praguejando, maldizendo a própria sorte.
Sabia que o único culpado por sua situação atual era ele mesmo, mas a gente
sempre dá um jeito de culpar os outros pelas nossas mazelas, não é mesmo?
Finalmente chegou em casa. Como foi andando de uma casa a outra, quando chegou
ao seu lar, umas três horas depois, estava semi sóbrio. Entrou na casa,
sentou-se no sofá e ficou algum tempo ali parado, pensando nas besteira que
fizera até então. E a última... bem, essa com certeza, ganhava de todas as
outras. O que ele estava pensando, quando começou a berrar em frente à casa de
seus sogros? E agora? O que eles estariam pensando dele? Com certeza, nada de
bom... e então, o rapaz acabou pegando no sono na posição em que se
encontrava...e dormiu profundamente, até que a gravidade o fez tombar no
chão... e isso fez com que acordasse na hora... assustado, ficou a olhar para
todos os lados por alguns segundos... então compreendeu que estava em sua sala,
sozinho por sua própria culpa... e pôs-se a chorar...
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