A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Trinta e dois


 

A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Trinta e dois


- Ricardo, precisamos conversar.

Era Roseli, encostando seu amante/marido na parede. Ela chegou à conclusão, depois de muito pensar, que deveria ter uma conversa franca com seu parceiro. Ele também pensava a mesma coisa, mas não tinha coragem de iniciar esse tipo de conversa…

- Não dá para deixarmos essa  conversa para amanhã?  Estou cansado, e tenho que levantar bem cedo…

- Não… a gente precisa conversar e tem que ser agora…

- Mas porque essa urgência toda, criatura?

- Ricardo, não está dando certo…

- O que não está dando certo?

- Nós dois… nós dois não estamos dando certo, Ricardo…

- Por que você acha isso?

- Não acredito…

- No que não acredita, menina?

- Que você não está vendo que nós dois estamos caminhando para o abismo…

- Você está sendo muito dramática…

- Ah, estou? Ricardo, eu sei que tem hora que seu desejo é torcer meu pescoço… e tem hora que, se eu pudesse, te esganava…

- Também não é assim…

- Ah, não? E a nossa discussão da semana passada? Faltou pouco para acontecer uma desgraça…

- Mas não aconteceu…

- Sim, mas… se acontecesse…

- Não aconteceu nada…

- Ricardo, eu sei que você está me entendendo…

Claro que Ricardo a entendia perfeitamente. Seu desejo era dizer-lhe que queria que ela fosse embora. Mas simplesmente não conseguia falar isso… por mais que fosse o que seu intimo pedia, não conseguia transformar isso em palavras…e isso Ricardo não conseguia entender. Afinal, aquela atração inicial que sentia por Roseli esvaia-se dia a dia... então, porque, ao invés de concordar com a moça que era melhor cada um ir para um lado, tentava insistir em continuarem juntos?

- Ricardo, me escute... é para o nosso bem... nós dois estamos nos maltratando... meu medo é que uma hora a gente acabe se matando... afinal, se em dois meses já estamos assim, não quero nem imaginar como seria daqui a um ano...

Ricardo continuou em silêncio. Sabia que sua companheira estava certa. Sabia que tinha que deixá-la ir. Mas não conseguia... por que? Medo da solidão? De ser rejeitado por sua parceira? Seria isso? 

- Ricardo... eu já decidi... eu vou te deixar...

Ao ouvir essa frase, o mundo desabou ao seu redor como se fosse uma bomba. Claro que ele também desejava isso... mas, ouvir da boca de Roseli que ela o deixaria, o pegou desprevenido. Sem proferir uma palavra, dirigiu-se à porta... e saiu para a rua. Roseli ficou parada no meio da sala, sem ação... não esperava que seu parceiro reagisse dessa maneira...

Ricardo começou a caminhar a esmo. Não tinha noção do estava fazendo... apenas caminhava noite adentro. Não pensava em nada, sua mente era uma lousa em branco. atravessou a praça que ficava próxima de sua casa, continuou pela avenida que se abria a sua frente... simplesmente caminhava, sem destino. Depois de algum tempo, quando as pernas começaram a doer pelo exercicio inesperado, resolveu sentar-se no banco de outra praça, esta um pouco longe do local onde morava. Com as duas mãos no rosto ficou parado, perdido não em seus pensamentos, pois no momento em nada pensava... podemos dizer que estava perdido no infinito, sem norte, sem saber que rumo seguir. E nem era assim tão dificil a decisão que precisava tomar... bastava concordar com sua parceira que os dois realmente não podiam conviver no mesmo ambiente. Talvez, se se afastassem, a chama da paixão se reacendesse. E, além disso... que diabos!!! Ele mesmo havia pensado em falar com a moça sobre sua separação. Ele tinha plena consciência de que os dois não estavam dando certo... Mas, no entanto... Ricardo ficou parado ali... imóvel. Não se mexia. Quase não se ouvia a sua respiração, tal estava seu estado... o que seria de sua vida, dali para a frente? Não... ele não queria ficar sozinho. Sim, sua relação com Roseli estava esgarçada e não tinha mais conserto... Mas apesar disso, não conseguia se ver sozinho, sem alguém ao seu lado. E Letícia, como ficaria? Com certeza iriam deixar de se ver com tanta frequência... se bem que... atualmente a pequena estava aos cuidados de sua mãe, e tanto ele quanto sua parceira só visitavam a menina nos finais de semana... foi então que ele pensou novamente na criança... como seria daqui para frente?

Finalmente se levantou... a poucos passos de onde estava, havia um bar, ainda aberto. Dirigiu-se para lá...

Roseli ficou algum tempo parada no meio da sala, depois que seu parceiro saiu. Levaram alguns minutos para que seu espanto se dissipasse. Sentou-se um pouco no sofá e colocou a mão direita sobre a face por alguns instantes, pensativa. Ficou nessa posição por um pequeno período de tempo, mas que para ela pareceu ser longo em demasia. Então, levantou-se, dirigiu-se ao quarto e começou a arrumar suas coisas. Iria embora pela manhã, para aquela casa que lhe despertara amor e aversão... só levaria o que trouxera quando se juntou com Ricardo, nem uma agulha a mais do que isso. Ela tinha o seu orgulho. Quanto à pequena Letícia, já havia conversado com a sua quase sogra. Ela não queria dificultar a vida da pequena... a menina se apegara a avó e a recíproca era verdadeira. Sua vida era praticamente só trabalho, quase que não tinha tempo para cuidar da filha, então combinou com a mãe de Ricardo em deixar a menina aos seus cuidados. É claro que a senhora adorou a ideia, uma vez que sentia-se muito só... seu esposo já havia falecido a alguns anos e Ricardo não era exatamente um filho muito presente... o que pesou na decisão de Roseli em deixar a menina com  a avó foi principalmente a distância e a precariedade do bairro para onde se mudaria. Ela iria visitar  a filha sempre que pudesse... e isso significava que nem em todos os finais de semana isso seria possível...

Dona Olga tinha muito carinho pela neta. Com autorização de Roseli, ela colocara a menina em uma creche próxima de sua casa e ia levar e buscar a menininha todos os dias. E a pequena, quando avistava a avó, já lhe estendia os bracinhos.  Sim, a pequena estava em um ambiente bem mais saudável do que estava na companhia da mãe, onde vagava de casa em casa. E foi isso que pesou na decisão da moça... o bem estar de sua filha era sua principal preocupação. E daí, que Ricardo teria mais chances de se encontrar com a filha do que ela? Pelo que conhecia de seu quase ex companheiro, dificilmente ele iria visitar a menina frequentemente... mesmo gostando muito da filha. O problema era que, embora enquanto estivessem em domicílios separados ele desse toda a atenção que podia para a nenê,  depois que foram morar na mesma casa e a pequena passou a ficar com dona Olga ele quase não ia visitá-la.

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