A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Vinte e Oito


 

A TAÇA DE CRISTAL

Capítulo Vinte e Oito

 

 

- O que está rolando, Helena?

- Uhn? Não entendi…

- Olha, eu sei que você não queria preocupar nossos pais… mas que está acontecendo alguma coisa contigo, está…

- Continuo não entendendo…

- Lena, te conheço desde outros carnavais… sei que alguma coisa está te preocupando…

- Oh, não é nada sério…

- Do jeito que você está, duvido… alguma coisa muito séria está acontecendo contigo…

- São só uns sonhos…

- E desde quando sonhos te deixam assim?

- Quando se repetem quase todo dia…

- É tão ruim, assim?

- Você não imagina quanto…

As duas silenciaram por algum tempo, e ficaram observando a paisagem noturna que ia se modificando, conforme o ônibus avançava rumo ao seu destino. Mil pensamentos afloravam na mente das duas irmãs. Cada qual pensando em seu  problema imediato. Helena, que já estava  ficando com medo de dormir, Cecília, preocupada com o rumo que havia tomado sua vida. Ricardo estava tranquilo por ora,  mas ela sabia que essa calmaria não iria durar muito. Ela o conhecia bem, e sabia o quão possessivo ele era. Por enquanto a amante era novidade… mas não demoraria para que ele viesse procurá-la novamente. Aliás, esse foi o motivo que a fez sair da cidade, quando resolveu separar-se de sue marido. Afinal, se ele não tivesse ideia de qual o seu destino, as chances de que ela conseguisse viver em paz aumentariam exponencialmente…

- Você também não está tão tranquila quanto aparenta, não é mesmo?

- Percebeu?

- Sim… a tensão em seu rosto ficou presente o dia todo…

- Bem, você entende…

- Eu sei… mas ele está com a outra e a filha… não acha que isso é o suficiente?

- Seria… mas eu conheço o Ricardo não é de hoje… e sei que as coisas ainda vão desencaminhar… eu sei que vão…

- É, a gente poderia formar uma dupla…

- Um trio, você quer dizer… porque a Estela, com certeza, também está enfrentado problemas…

- E quem não está? Até o papai e a mamãe…

- Bem, pelo menos os dois estão em paz um com o outro e com a vida…

- Não tem como termos certeza… afinal eles são uma verdadeira esfinge em nossa frente…

Helena levantou-se do banco, e foi seguida por sua irmã. O ônibus diminuiu sua velocidade, até parar completamente. Abriu as portas. As duas desceram…

- Nossa, a sua casa fica bem longe da mamãe, não é mesmo?

- Se você quer privacidade em sua vida, não pode morar perto de seus pais…

- Verdade… por isso resolvi te imitar e procurar um lugar bem longe para morar…

- Vem cá… você realmente está preocupada com o Ricardo?

- Sim… seria muito bom se ele ficasse ligado em sua amante, mas eu sei que não vai ser assim…

- Por que?

- Lena, eu conheço meu ex… e tenha certeza de que ele não se considera  “meu ex”…

- Mas… alguma vez ele já…

As duas ficaram quietas, novamente. Haviam chegado na casa de Helena. Esta abriu a porta e as duas entraram na sala. Sentaram-se no sofá, ainda em silencio. Cecilia olhou todo o ambiente e sorriu. Sua irmã não deixava um único palito fora de lugar. Era costume de infância, trazer tudo na mais perfeita ordem. Permaneceram assim por alguns minutos…

- E então, Ceci? Toma um chá, um café…?

- Café a essa hora? Você quer é que eu fique a noite toda acordada…

- Até que não seria má ideia…

- Porque?

- Olha, eu sei que parece coisa de criança… mas nos últimos tempos estou com medo até de dormir, acredita?

- Ué, mas qual é a causa disso?

- Estou tendo pesadelos noite após noite…

- Está indo dormir de estômago cheio…

- Antes fosse. Mas não é nada disso… eu realmente ando meio…

- Estressada?

- Apavorada é a palavra certa. Toda vez que fecho os olhos, ao invés de descansar, sinto que posso morrer…

- Bem, todo mundo está sujeito a isso… nós não somos imortais, você sabe…

- Não é disso que estou falando… como eu poderia te explicar? Nem eu entendo o que está acontecendo comigo…

- Sei… e você vai…?

- Bem, tenho uma consulta com a psicóloga amanhã… espero que ajude…

- E se não ajudar…?

- Sei lá… o negócio vai ser recorrer para o que puder aliviar essa sensação…. Até terreiro de macumba está valendo no momento…

- Menina, que fala mais preconceituosa… desse jeito parece que a solução para todos os males está no som dos atabaques…

- Você sabe que sempre fui cética quanto a manifestações do além…

- Cética, pero no mucho… você sempre acreditou nas histórias que papai contava…

- Claro que não…

- Sei… quem é que ficava apavorada quando as luzes se apagavam? E isso porque já tinha uns quatorze anos…. Era até engraçado… eu, com dez, tentando te acalmar, te dizendo que aqueles monstros não existiam…

- Não exagera…

- Mas não é exagero… olha só… você simplesmente se recusava a apagar as luzes do nosso quarto…

- Eu…

- Sabe, eu diria até que a sua ceticidade foi uma forma que você encontrou para tentar vencer seu medo do além… se você negava o que não conhecia, ele simplesmente não existia...

- Virou psicóloga, agora?

- Não… mas não é preciso ser psicóloga para perceber isso…

- Olha, eu…

- Aceito seu chá… mate, bem doce, não é mesmo?

- Meu chá não é tão doce, assim…

- Menina, não esquenta a cabeça… vamos ou não vamos tomar esse chá?

E as duas seguiram para a cozinha, discutindo sobre quem estava certa com relação ao medo… tarde da noite, as duas irmãs no quarto….

- Ceci…

- Que foi?

- Está dormindo?..

- De que jeito? Está me chamando a cada cinco minutos….

- Eu…

- Fica tranquila… estou brincando contigo…

- Se importa se eu…

- Tudo bem, Helena… pode acender a luz, eu não me importo…

- Não é isso… eu queria saber se posso dormir junto com você…

- Na mesma cama?…

- Sim…

- Menina, você não está meio grandinha para isso, não?

- É que…

- Tudo bem, tudo bem… medo do pesadelo, não é?

- Sim…

- Pode vir, sem problemas…

E Helena deitou-se ao lado da irmã. E quase em seguida, começou a dormir, um sono suave, como a muito não conseguia. Cecilia, com a irmã abraçada a ela, ficou se perguntando se não teria sido melhor dormir na casa de seus pais… mas  vendo a irmã dormir tranquila em seus braços, acabou se arrependendo de seu pensamento. Acariciou os cabelos da irmã e acabou adormecendo, também…

Apesar do desconforto, Helena descansou bem… foi a primeira vez, em semanas, que não teve nenhum tipo de sonho mau. Até sonhou, mas não se lembrava com o que. O que realmente importava era que estava leve como a muito não se sentia. Cecília continuava dormindo. Com muito cuidado, para não despertar a irmã, Helena levantou-se e foi para a cozinha, preparar o desjejum das duas. Sua psicóloga seria depois do almoço e ela já avisara na loja que não iria trabalhar naquele dia por motivos de saúde.

Uma meia hora depois que Helena já havia levantado, Cecília acordou. Ficou surpresa por sentir-se leve e descansada, afinal a cama não era tão grande assim. Ela pensou que iria acordar toda quebrada, e no entanto… da cozinha emanava um cheiro bom de comida. Ela estava faminta. O que não era normal. No dia a dia Cecilia fazia refeições bastante frugais. E quase nunca sentia fome, não como a que estava sentindo naquele momento. Usando uma frase muito comum na boca das pessoas, ela comeria um boi inteiro se lhe oferecessem… Levantou-se, foi ao banheiro para a higiene matinal, trocou de roupa e seguiu para a cozinha, ver o que sua irmã estava aprontando.. fosse o que fosse, o cheiro estava muito bom...

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