A TAÇA DE CRISTAL - Capítulo Quarenta e Um


 A TAÇA DE CRISTAL


Capítulo Quarenta e Um



Ricardo estava cabisbaixo nessa manhã. Quando chegou na garagem para pegar seu carro de escala, foi avisado de que estava suspenso. Perguntou qual o motivo, o fiscal de plantão disse não saber. Mas, quase que sussurrando, deu-lhe uma dica... um fiscal do Sistema de Transportes do Município havia reportado à empresa que ele fora flagrado aparentemente alcoolizado. O número de seu carro e o horário da viagem foram anotados, para confirmar que era realmente ele o denunciado pelo fiscal. Seu cobrador havia sido chamado para confirmar ou não a impressão da fiscalização. E esse era o medo de Ricardo... afinal, não foram poucas as vezes que Valdir, seu cobrador, havia lhe dado toques quanto ao seu estado... e tinha deixado bem claro que não iria entregá-lo para a chefia, mas se lhe perguntassem sobre o companheiro, não mentiria. O rapaz do setor de tráfego pediu-lhe que retornasse dali a dois dias, para falar com o chefe. A luz vermelha acendeu de imediato em seu pensamento... sim, não havia dúvidas que tinha exagerado nos últimos tempos... mas, caramba... nada que pudesse desaboná-lo havia acontecido nos últimos tempos... nem mesmo caronas, que de vez em quando dava para seus amigos ( mais para as amigas) estava liberando atualmente. Cumprira a tabela de horários com uma pontualidade britânica, não chegando nem adiantado, nem depois do horário... e seu carro sempre levava a lotação máxima... caramba, agora não era uma boa hora para ficar desempregado... porque era isso que estava para acontecer, ele pressentia...

Já fazia um par de horas que Ricardo caminhava sem destino. É, nos últimos tempos nada estava dando certo em sua vida. Desde que... é, desde que se separara de Cecília. Parece que, depois que ela foi embora, tudo na sua vida começou a desandar. Se acreditasse em castigo, diria que estava sendo castigado pelo destino... primeiro, com Cecilia, depois com Roseli... nenhuma das duas mulheres queriam vê-lo, nem pintado a ouro... caramba, como ele decaíra! Se bem que, quanto a Roseli, ele não se importava muito. Gostava dela? Claro que sim, afinal tinham uma filha juntos... aliás, fazia um bom tempo que ele não ia visitar a menina... Mas também, com tantos problemas a afligi-lo... em todo caso, a menina estava sendo bem cuidada pela sua mãe... ainda bem que Roseli resolveu deixá-la sob os cuidados de dona Olga... assim ele poderia visitar a pequena quando quisesse... se bem que... sim, os pensamentos vinham na cabeça de Ricardo em uma profusão tão confusa, que nem mesmo ele conseguia compreender direito sobre o que pensava... culpa da bebedeira da noite passada... ele havia perdido alguns quilos nos últimos dias, culpa das bebidas que ingeria, sem comer nada... estava com o rosto um pouco inchado, e uma certa protuberância se formara em sua barriga... quem diria, justo ele, um rapaz que sempre fora tão vaidoso, tão preocupado com a sua aparência... e agora... Cecília... por onde andaria Cecília? Ele tinha certeza de que, se a encontrasse, sua vida voltaria ao normal, tudo voltaria a dar certo para ele... mas onde andaria essa mulher, Deus do Céu? E assim, lá foi ele, ainda trocando as pernas, porque na verdade a bebedeira da noite passada não havia passado por completo...

Helena acordou preocupada naquela manhã. Havia sonhado novamente com Oscar. Mas desta vez ele simplesmente se recusara a olhá-la no rosto. Quase não conversou com ela, limitando-se a acompanhá-la enquanto caminhavam pelo Jardim do Infinito. Sim, esse era o nome pelo qual ela chamava o espaço no qual transitava quando em seus sonhos. E porque ela o chamava assim? Bem, em primeiro lugar, porque era realmente um jardim, com uma profusão tal de flores, como uma gama de cores diferentes, lindas, que acompanhavam todas as flores que ali se apresentavam. Suas favoritas eram, sem dúvida alguma, as rosas. Havia de todos os tamanhos e cores, inclusive algumas que ela jamais apreciara deste lado da existência. Bem, mas estávamos falando de seu encontro com Oscar, seu amigo do além. Ela não gostava muito de encontrar-se com ele no mundo de Mr. Sandman. O motivo? Simples... desde que ele partiu para o outro plano e prometeu não abandoná-la e protegê-la dos percalços pelos quais ela teria que passar, não houve uma só vez em que os dois se encontrassem e não ocorresse alguma tragédia em sua vida. E desta vez, a tragédia anunciada era terrível. Helena rezava todos os dias, suplicando ao Altíssimo que afastasse aquele destino para longe de sua irmã. Quando Helena entrou no Reino Onírico e se viu caminhando pelo Jardim, a principio como na maioria das vezes, caminhava sozinha. Depois de algum tempo sentiu a presença tão sua conhecida, porém havia algo de diferente desta vez. Ela sentia que algo estava errado, pois essa era a primeira vez em que não se sentia mais tranquila com a sua aparição... na verdade, o pavor tomou conta de seu ser. E isso era algo desconhecido para ela. Sim, porque a presença de Oscar sempre foi um bálsamo para curar as suas feridas... mas, hoje, no entanto...
- Helena, o que foi?

A garota foi arrancada do mundo de seus pensamentos... Cecília a trazia de volta para o Mundo dos vivos...

- O que foi, Cecília? O que aconteceu?

- Me diz você... Fazem quase dez minutos que está esfaqueando o pobre pãozinho...

Helena olhou, incrédula, para seu prato. Realmente, ela tinha dado tantos golpes com a faca em seu pãozinho, que o mesmo tinha virado farelo...

- Nossa... porque eu fiz isso?

- É o que eu queria saber... tá certo que é só um pão com presunto, mas olha só o estrago que você fez... não tem como comer isso... virou uma pasta...

- É lógico que tem... me arranja uma colher...

Cecília lançou um olhar meio torto para a irmã, mas levantou-se e lhe deu a colher que havia pedido. E Helena comeu aos bocados aquela mistura esfarinhada de pão com presunto. Logo seu prato ficou vazio...

- Melhor sairmos... acho que você já está atrasada, não é mesmo?

- Um pouco... mas como você vai me dar carona, chegamos rapidinho em meu emprego....

E logo as duas ganharam as ruas, não sem antes dar uma ajeitada na cozinha... Quando cruzaram uma esquina, a mais ou menos uns dois mil metros da casa de Helena, Cecília exclamou...

- Não acredito!

- No que você não acredita, menina?

- Acabei de ver o Ricardo... Meu Deus, como ele está acabado!

- É a vida...

- Me deu pena dele...

- Só falta você ter uma recaída...

- Jamais... não voltaria com ele nem que fosse o último homem da terra...

Continuaram o resto do caminho em silêncio, cada uma mergulhada nas lembranças que tinha...

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