WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Vinte e Sete
WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS
Capítulo Vinte e Sete
Há uma semana Graça ajudara sua amiga de infância
Izabel. Esta voltara para o interior, com suas peças prontas, a tempo de
entregar todas as encomendas. Não poderia estar mais feliz. Conseguiu cumprir
os prazos solicitados às clientes e pôde rever a velha amiga, com quem a tempos
não tinha um contato mais próximo.
Enquanto estava sentada em seu banco no trem,
esperando que o mesmo avançasse pela estrada e chegasse ao seu destino, Izabel
acabou cochilando. O que era perfeitamente normal, uma vez que durante sua
estadia na Cidade Grande não conseguira descansar de verdade... a preocupação
com seu trabalho não a deixava relaxar. Por três noites seguidas ela passou
costurando as peças que precisava, enquanto suas auxiliares descansavam. A
iluminação a gás deixava o ambiente claro como o dia... e Izabel aproveitou o
quanto pôde do recurso que tinha à mão. Claro que sabia que isso tinha um
custo, e não iria deixar Graça arcar com suas despesas. Afinal, ela já fizera
muito em ceder-lhe um espaço para trabalhar. Ainda tinha que acertar o valor do
tecido que usara. Pelas suas contas, esse era um pedido que, se não desse
prejuízo, já estaria de bom tamanho...
Enquanto dormia, Izabel começou a passear pelos campos
de sua infância. De repente viu-se com seis, sete anos de idade. Estava
correndo pela pradaria, acompanhada de seu cãozinho Mosquito. Pezinho no chão,
vestidinho rodado, duas tranças... a liberdade de seus passos era a mesma das
asas dos pássaros que esvoaçavam pelos céus...
Em seus sonhos a menina brincava despreocupadamente
com seu cãozinho. Ao longe, próximo da beira do ribeirão, estava sentada uma
garotinha. Cabelos compridos, amarrados em um rabo de cavalo, vestidinho todo
florido... também estava descalça, como Izabel. Parecia meio tristonha. Izabel
não teve dúvidas... aproximou-se da menina e tratou de puxar conversa...
- Oi...
A garotinha continuou cabisbaixa, fitando a água que
corria em direção ao mundo...
- Vamos brincar?
Ela continuou calada... Izabel sentou-se ao seu lado.
Ficou alguns segundos olhando para o semblante da menina....
- Você está triste... por que?
A garotinha levantou os olhos... parecia que iria
chorar...
- É meu pai...
- O que aconteceu?
- Ele se machucou! E minha mãe disse que ele vai ir
pro céu...
Izabel ficou alguns instantes em silêncio... o pai da
garotinha ir para o céu não era muito bom, não... ela ainda lembrava quando sua
avó partiu... bem, disseram que ela partiu. Um dia sua avó não se levantou mais
da cama. Veio um homem de roupa branca, examinou ela e depois a colocaram
dentro de uma caixa.. "ela foi para o céu", lhe disseram.... a garota
ficou impressionada. Como é que sua avó foi para o céu, se ela ainda estava
ali? Bem, ela não ficou muito tempo, não. Logo colocaram sua avó dentro de uma
caixa, cobriram ela de flores, fecharam a caixa e seis homens a
carregaram até um lugar cheio de cruzes. Sua mãe estava chorando e outras
pessoas também. Todos cantavam uma música triste. Izabel não gostou nem um
pouco da música. Mas não tinha como deixar de escutar. Finalmente desceram a
caixa em um buraco e depois a cobriram de terra. Izabel ficou sem entender. Se
a sua avó tinha ido para o céu, porque a colocaram em uma caixa, depois a
colocaram em um buraco e cobriram de terra? Que esquisito! E agora... pelo
jeito iam fazer o mesmo com o pai daquela garotinha estranha... Izabel abraçou
a menina. E ficou ali assim durante um bom tempo. Então perguntou para a
pequena se ela gostava de morangos. A menina assentiu com a cabeça. Izabel
levantou-se, deu a mão para a garota, para ajudá-la a se levantar e lá foram as
duas, acompanhadas de Mosquito, à procura de morangos silvestres.
Depois de algum tempo as duas já estavam brincando
alegremente. Ao menos por algum tempo a garotinha, que disse chamar-se Graça,
esqueceu que seu pai estava ferido e que poderia "partir para o
céu".... sim, Izabel estava lembrando da primeira vez que se encontrara
com sua amiga inseparável...
Izabel foi desperta por uma de suas auxiliares. A
composição estava chegando em Quiririm, onde deveriam desembarcar. Ainda teriam
que alugar uma charrete para chegarem até sua loja. Logo se acomodaram em uma
das muitas à disposição dos passageiros e depois de mais meia hora finalmente
chegaram ao estabelecimento comercial de Izabel. Descarregaram os pacotes,
conferiram tudo para ter certeza de que nada ficou para trás. E finalmente a
moça respirou aliviada. Sim, conseguiu preparar as peças para honrar seus
compromissos. Mas pelas suas contas, nessa brincadeira não teria lucro algum. E
tudo por culpa de seu fornecedor habitual, que simplesmente a deixou na
mão.
Izabel estava em seu escritório, pensativa. Se tivesse
mais um ou dois tropeços como esse, cairia. E dificilmente conseguiria se
levantar. Teria que procurar outros fornecedores, além da CTI...mas, onde? Ela
era uma pequena empresária, e não era prioridade para a maioria das
distribuidoras. Agora... bem, ela esperava não passar por outro sufoco igual a
esse tão cedo.
O relógio marcava duas horas da tarde. Nem Izabel, nem
suas auxiliares haviam comido nada, ainda. Estavam apenas com o café da manhã,
que tomaram no hotel. Depois, na correria, acabaram não tendo tempo para se
alimentar. Ela saiu do escritório, chamou todas as suas colaboradoras, avisou
que estava fechando a loja por aquela tarde e que todas, sem exceção, iriam
almoçar com ela no restaurante da pracinha. Claro que todo mundo ficou
contente. Afinal, ganhar uma tarde de folga e mais um almoço...
Estavam acabando de cerrar as portas quando Juca
chegou da fazenda. Tinha que resolver um problema para o patrão, então foi logo
cedo para a sede. Depois de conseguir desatar o nó que tinha com a cooperativa
de leite, dirigiu-se à loja de sua esposa. Sabia que ela deveria retornar em
breve, mas não tinha certeza quanto à data. Então, durante esse tempo ele abria
o estabelecimento, distribuía as ordens do dia e depois ia para a sede da
fazenda, resolver as pendencias do dia a dia. Após resolver tudo o que
precisasse de sua atenção, retornava à loja, onde ficava até encerrar o
expediente. Quando viu que a esposa já havia retornado, deu um suspiro de
alívio...
Enquanto caminhavam todos para o restaurante, Juca e
Izabel conversavam, cada um pondo o outro a par de suas novidades. Juca
abraçava a esposa e os dois andavam, no meio do grupo, bem agarradinhos como na
época de namorados...
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