WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Vinte e Seis
WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS
Capítulo Vinte e Seis
Eram dez horas da manhã. Izabel estava na recepção da Companhia Taubaté
Industrial, aguardando ser atendida pelo responsável pelas entregas das
encomendas. Ela havia encomendado um lote de amorim a duas semanas e até agora
não havia recebido as peças. E seu estoque estava se findando. Se não recebesse
logo o lote de fazenda encomendado, não poderia cumprir alguns compromissos
firmados, e isso seria prejudicial para sua loja. Algumas das senhoras da
região haviam feito encomendas para a confecção de alguns vestidos de festa, e
isso para ela realmente era importante. Sua loja tinha uma certa reputação e
ela não queria ver esta manchada por não ter conseguido cumprir seus contratos,
mesmo que a culpa não fosse dela.
Quando Ezequiel finalmente chegou, deu de cara com Izabel. Ao ver seu
rosto, logo percebeu que teria uma conversa difícil com a cliente. O que
ocorrera... a Comercial Gebrüder Hering, situada em Blumenau tivera um problema
com um de seus fornecedores e tinha uma grande encomenda para entregar... e
pediu socorro para as principais tecelagens do país, para poder suprir sua
necessidade imediata. A CTI, de vez em quando, usufruía de alguns favores da
Hering, e essa era uma via de mão dupla. Embora a empresa de Izabel fosse uma
cliente fiel, já com algum tempo de relacionamento, não tinha como comparar-se
com a Hering. E não só ela, como vários pequenos clientes foram deixados de
lado para que a empresa sulista fosse atendida. Claro que Ezequiel não contou
isso para sua cliente, não podia dizer isso... inventou uma história, dizendo
que houve um problema com os fornecedores de algodão, matéria prima para sua
empresa... e prometeu que faria tudo que estivesse ao seu alcance para que a
cliente fosse atendida o mais rápido possível, mesmo sabendo que essa era uma
promessa vazia...
Quando Juca viu sua esposa chegando, ficou preocupado. Ela estava com
cara de poucos amigos, o que sinalizava que não tivera boas notícias em sua
incursão na fábrica. A garota entrou, passou direto por todos que estavam no
salão da loja e dirigiu-se direto para seu escritório. Fechou a porta. A tensão
instalou-se no ar... o que teria acontecido para que Izabel chegasse nervosa na
empresa? Juca não tinha nenhuma vontade de descobrir, mas que remédio... ele
teria que ir até sua esposa descobrir o que estava acontecendo. Mesmo porque as
funcionárias precisavam ficar a par do que ocorria... na oficina de costura, a
ultima peça de fazenda de amorim estava se findando... e haviam muitas
encomendas paradas devido a falta do tecido...
Juca abriu a porta do escritório, mas não entrou de imediato. Ficou
parado na soleira, pensativo. Quanto a Izabel, estava sentada em sua cadeira,
cotovelos apoiados na mesa e o rosto sobre suas mãos. Estava com o olhar
perdido, como se não visse a saída para o problema. E não via, mesmo... afinal,
não conseguiria honrar seus compromissos, e isso a deixava nervosa. Se soubesse
a mais tempo que não receberia o material solicitado, teria pedido ajuda para
Graça, na Capital... Bem, à tarde tinha um trem que ia para São Paulo... com
certeza, estaria nele. Levaria os desenhos dos pedidos e iria torcer para que a
a amiga pudesse socorrê-la... sabia que era um tiro no escuro, mas tinha que
tentar...
Juca finalmente tomou coragem e aproximou-se da esposa. Continuou em
silêncio, apenas a observando. Sabia que, quando ela estava nesse estado
pensativo, era melhor não perturbá-la... o ideal era deixar que ela resolvesse
falar alguma coisa... sim, Izabel era uma boa pessoa, mas... bem, quando tinha
algum problema era um pouco... explosiva. Bem, depois de algum tempo ela
levantou a cabeça e viu seu marido parado à sua frente, silencioso. Apenas
olhando-a. Com uma pergunta nos olhos que jamais iria ser expressa em palavras.
Ela sorriu... não conseguia entender essa devoção do esposo, mas simplesmente
amava esse gesto de sua parte. Ele nunca cobrava nada dela, sempre a apoiava,
dava-lhe todo o cuidado de que ela necessitava... e nada pedia em troca....
- Senta... ou vai ficar o dia inteiro aí de pé?
Juca sentou-se em frente a sua esposa.
- O que aconteceu, Belinha?
Ela olhou para o esposo, pensativa...
- Vou pegar o trem das quatro para São Paulo...
- Vai para São Paulo? Por que?
- Porque a CTI vai atrasar ainda mais a entrega do amorim... e eu
preciso dele para terminar as encomendas...
- Sei, mas... o que a CTI tem a ver com São Paulo?
- A CTI? Nada... eu vou pedir ajuda para Graça...
- E acha que ela poderá ajudar?
- Espero que sim... de qualquer forma, vou levar as três costureiras
comigo...quem sabe se não consigo...
Juca ficou calado... sabia que Izabel e Graça eram muito unidas na
infância e adolescência, mas já fazia um bom tempo que as duas não se
encontravam... e se as coisas não saíssem como Izabel esperava?
Com um pequeno atraso, a composição saiu da Estação Ferroviária de
Taubaté, com destino a São Paulo. A viagem levaria umas seis horas, se não
sofresse mais nenhum atraso durante o percurso. Como já eram quase três horas,
na melhor das hipóteses chegariam na Capital lá pelas nove da noite. Ficariam
em algum hotel ali no Brás, perto da Estação Ferroviária. E na manhã seguinte
se dirigiriam até a loja de Graça. E Izabel pediria ajuda para a amiga. Claro
que ela sabia que de repente a amiga poderia não ter condições de ajuda-la. Mas
a única maneira de descobrir isso era conversando com ela. E era isso que teria
que fazer.
Mais ou menos umas dez horas da manhã Izabel estava na porta da loja de
sua amiga. Deixara suas auxiliares no hotel, achou melhor não chegar com seu
batalhão... afinal, primeiro teria que sondar o terreno, ver se haveria
condições de sua amiga a ajudar. Estava contando com isso. Precisava dessa
ajuda. Mas sabia que nem sempre aquilo que necessitamos nos é ofertado, já que a
vida tem suas próprias rotas já traçadas. Quando coincidem com aquilo que
esperamos, que felicidade. Mas nem sempre é assim...
Quando Graça viu a amiga entrando na loja, quase não acreditou. Afinal,
fazia já um bom tempo que as duas não se encontravam. E ficou feliz com a
chegada de sua companheira de traquinagens em seus bons tempos. As duas se
abraçaram efusivamente, e depois de apresentar Izabel para todas as suas
funcionárias, dizendo que, de certa forma, aquele local só existia graças a sua
amiga, as duas dirigiram-se ao escritório. E Izabel expôs seu problema. Graça
ficou alguns instantes pensativa. Levantou-se, foi até seus livro de controle,
examinou-os. Verificou também sua lista de pedidos e seu estoque. Estava séria,
pensativa. Izabel ficava cada vez mais preocupada. Afinal, não poderia pedir
para a amiga fazer mais do que fosse possível... não seria muito honesto de sua
parte. Então, finalmente Graça dirigiu-se a ela...
- Quanto ao material, sem problema... Posso te emprestar duas
máquinas... mas não tenho ninguém disponível...
O rosto de Izabel iluminou-se de felicidade. A amiga iria ajudá-la...
ela conseguiria honrar seus compromissos...
- Eu trouxe minha funcionárias comigo. Muito obrigada, amiga! Você não
sabe o tamanho do presente que está me dando!
- Você é minha irmã de coração! Como eu poderia não te ajudar? Bem, cadê
suas ajudantes?
- Estão no hotel. Vou buscá-la agora...
- Vou contigo... estou precisando dar uma voltinha, mesmo.
E lá foram as duas para o ponto do bonde, com destino ao Braz. Izabel
não conseguia conter sua felicidade. Graça apenas sorria, vendo a amiga tão
animada.
Comentários
Postar um comentário