WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Trinta e Dois


 

WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS

Capítulo Trinta e Dois

 

A noite estava caindo quando Juvêncio retornou até o Centro do povoado. Estava próximo da pensão onde estava hospedado, quando avistou Torquato um pouco a sua frente. Pensou em acelerar a marcha de Tornado, mas percebeu que, assim como ele, Torquato também se dirigia à estrebaria. "muito bom", pensou Juvêncio... "a gente vai poder conversar um pouco..."

Não demorou muito e os dois apearam, praticamente juntos. Entregaram as rédeas dos animais para o cavalariço. Para incentivá-lo a cuidar bem de seu animal, Juvêncio deu-lhe uma moeda de prata. E tão logo ganhou a rua, na companhia de Torquato, resolveu conversar com este. Seria interessante atualizar-se quanto as crenças das pessoas da região. Como já era hora do jantar, perguntou ao ajudante do delegado se gostaria de acompanhá-lo na refeição. Torquato não pensou duas vezes, estava faminto e sem dúvidas a comida da pensão era apetitosa. E lá foram os dois, conversando sobre tudo e sobre nada...

- Torquato, me explica como é que Tupã interfere na vida dos homens...

Era Juvêncio que, entre uma garfada e outra, ia se inteirando quanto as histórias do sertão. Ele sabia que cada ser era personificado de uma forma diferente em cada região que estivesse... então queria saber como esses deuses da floresta era vistos ali...

- Tupã é o senhor de toda a vida! É o deus do trovão... foi ele quem criou o homem e a mulher e nos deu a vida!

- Eu sei... e ele castigaria a humanidade? Se ela fizesse alguma coisa de ruim?

- Você castigaria seu filho se ele fizesse algo de ruim? Tupã é nosso pai... claro que ele nos castigaria. Para que aprendêssemos até onde podemos ir...

- E quem mais está no céu, velando por nós?

- Tem a Iara, uma mocinha realmente bonita...

- Iara?

- A mãe d'água...

- E o que ela faz?

- Dizem que, quando a situação está insustentável, ela escolhe seu campeões para lutarem pelo seu povo...

- Entendo... e como ela aparece?

- Geralmente em sonhos...

- Como assim?

- Quando alguém valente para perto do rio, ela o adormece e aparece em seus sonhos. 

Juvêncio ficou sem palavras por alguns segundos. Então ele tivera uma visão da mãe d'água....

- E... que tipo de situação faz com que ela apareça?

- Normalmente, quando há magia envolvida...

- Contra os índios?

- Iara é mãe de todos os homens... ela não faz distinção entre os povos....

A esperança de que Juvêncio poderia riscar os aborígenes de sua lista de suspeitos apagou-se instantaneamente. Afinal, as palavras de Torquato eram bem claras... o "povo" da mãe d'água era toda a humanidade... e quem quer que estivesse atentando contra este deveria ser parado, fosse branco, negro ou índio... continuava na estaca zero.

- Já sonhou com a Iara, Torquato?

- Ela só aparece aos seus escolhidos, delegado. Como eu disse, ela escolhe seus campeões. E só a esses é dado o privilégio de ver seu belo rosto.

- Eu a vi, hoje...

Torquato ficou alguns instantes em silencio, como que digerindo as palavras de Juvêncio. Então, retomou a palavra...

- Já esperava alguma coisa desse tipo.

- Porque?

- O senhor veio para nossa cidade nos ajudar. A Iara deve ter visto que seu coração é sincero e o escolheu para lutar pela sua gente...

- Que seria quem?

- Eu não sei, doutor...

- Continuo sem saber contra quem... ou contra o que vou lutar...

- Não se preocupe... a Mãe d'água costuma auxiliar seus escolhidos... 

Juvêncio ficou em silêncio, tentando entender a situação que se abriria à sua frente. Bem, de uma coisa tinha certeza... a magia era a responsável por tudo o que estava acontecendo na região. Afinal, a intervenção divina só ocorre quando o equilíbrio entre o nosso mundo e o espiritual está sendo ameaçado. Não pelas entidades do outro lado, pois elas não tem como transpassar as barreiras místicas que separam os dois mundos... mas por algumas pessoas que, por acharem que conhecem tudo sobre os vários mundos existentes, acabam por libertar forças que jamais deveriam ser despertas... Pelo pouco que Juvêncio percebera até agora as forças em ação no condado eram provenientes do sétimo circulo inferior, o que equivalia dizer que algum incauto havia escancarado as portas do Inferno... felizmente, ao que parecia, o sétimo circulo superior viera ao seu socorro. Agora era confiar e agir. Sozinho tinha certeza de que não daria conta... ficaria igual a um cachorro, perseguindo a própria cauda... bem, as coisas acontecem quando tem que acontecer, não é mesmo? 

Terminando a refeição, Juvêncio tomou uma caneca de um café bem forte, que lhe foi servido. Torquato preferiu uma dose de cachaça, "para fazer a digestão", como explicou para seu parceiro. Como ainda era cedo para se recolher, Juvêncio resolveu caminhar um pouco pela praça da matriz, e continuar a conversa com o ajudante do delegado. Estava se inteirando de novidades que lhe seriam úteis durante sua caçada à entidade que rondava a região. Perguntou ao parceiro como eram as relações entre as pessoas da cidade, teve como resposta que ali era como outros lugares... todo mundo se dava bem, brancos, negros, índios... mas realmente se davam bem? Sim... as brincadeiras existiam, mas ninguém se importava muito com elas. O preconceito era maior conforme a classe social do cidadão ia subindo... mas a turma de base, essa não se importava se o companheiro ao lado era branco, preto, azul... afinal, para os patrões, todos eram a mesma coisa... 

Juvêncio gostava de conhecer as histórias locais, pois essas sempre traziam à luz detalhes que, de outra forma, jamais seriam percebidos. E enquanto fumavam um cigarro de palha, nosso herói prestava atenção às histórias contadas pelo seu amigo. Ficou interessado na história de uma garota que tinha sido assassinada por um ex escravo... ela era filha de um dos maiores fazendeiros da região. No caso em questão a morte da garota foi motivada por vingança, pois um pouco antes da libertação oficial dos escravos, ela ordenou ao seu capataz que torturasse uma escrava da cozinha por algum motivo que nunca foi bem explicado... o que importava nessa história é que a escrava era irmã do futuro assassino da sinhá, que embora fosse muito bonita era cruel na mesma medida...  claro que o pai da moça pegou o assassino desta... mas será que não estaria aí a ponta do fio da meada? Era algo para se pensar...

 

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