WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Trinta e Um
WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS
Capítulo Trinta e Um
Juvêncio resolveu cavalgar pelas campinas naquela
manhã. Era um velho hábito seu. Quando estava com algum caso que não via como
solucionar, cavalgava horas e horas, enquanto colocava os pensamentos em ordem.
Sim, ele estava meio perdido. Já a alguns dias não havia nenhum ataque nas
redondezas. Isso parecia uma boa noticia a primeira vista, mas ele sabia que,
na verdade, quando menos se esperasse as mortes retornariam. Depois de avançar
bastante pela pradaria, acabou chegando nas margens do ribeirão Cachoeirinha.
Apeou, deixou Tornado solto, para que esse aproveitasse a pastagem e a água, e
sentou-se à sombra, para continuar seu exercício mental. Quanto mais pensava,
mais tinha certeza de que alguém havia aberto um portal místico e soltado
alguma fera. O intuito, com certeza, era atacar quem esse alguém considerava
inimigo. E aí abria-se um leque de possibilidades.
A região não era tão tranquila como poderia parecer a
primeira vista. Embora aparentemente as pessoas não ligassem muito para
política dava para sentir no ar a rivalidade entre os monarquistas e
republicanos. Estava aí uma possibilidade, pensou Juvêncio. De repente, um
partidário de algum dos lados tivesse conhecimento das artes mágicas... o
problema seria descobrir de qual dos lados... sim, o sentimento anti
republicano era muito forte na região, principalmente entre a elite. Muitos dos
fazendeiros eram monarquistas e não se conformavam com o novo regime, mesmo
tendo passado já onze anos. Entre a população mais humilde esse sentimento era
dividido. Havia aqueles que defendiam a Família Real, outros defendiam o
sistema republicano e tinham aqueles que não se importavam com quem estaria no
comando do país.... estavam mais preocupados com a compra do final de semana...
aliás, em tempos normais, o delegado da cidade precisava se preocupar mais com
as brigas dos bêbados motivadas por sua paixão política do que por qualquer
outro motivo...
Havia também a questão dos negros libertos. Sim, não
existia mais escravidão no país. Não oficialmente, pelo menos. Mas... e sempre
existe um "mas"... de vez em quando se ouvia falar de algum coronel
que mantinha seus trabalhadores em cativeiro.... claro que não oficialmente.
Mas cobrava dos camaradas aluguel da sua moradia e exigia que comprassem as
mercadorias que necessitassem nas vendas que instalava dentro da fazenda.
E os preços eram tão exorbitantes que o camarada terminava sempre devendo no
final de semana...
E, finalmente, os índios. Não era segredo para ninguém
que os silvícolas sonhavam em recuperar seu antigo território. E todos sabiam
que isso seria impossível, se considerassem apenas a força terrena. Afinal, de
uma vasta extensão de terras no passado, agora estavam confinados em um espaço
que não supria suas necessidades básicas. Embora o pajé tenha sido extremamente
gentil, ofertando inclusive um patuá para livrá-lo dos ataques do além,
Juvêncio não se enganava quanto à amizade do índio... sabia que em uma situação
de confronto este não teria nenhuma dificuldade em cortar-lhe a garganta, se
com isso pudesse garantir a vitória...
Talvez você esteja se perguntando... "depois de
onze anos a população ainda queria a monarquia" e antes havia dito que a
população ficou feliz com a república... que incoerência é essa? Bem, isso é
simples de explicar. Quando a Princesa assinou a Lei Aurea os proprietários dos
escravos apoiaram a aventura dos militares porque pensavam que o novo regime
iria ressarci-los de seus "prejuízos"... só que isso não aconteceu. E
por vários motivos, sendo que o principal era falta de numerário em caixa...
talvez, se tivessem recurso financeiro até pagassem, para não perder o apoio
dos poderosos. Mas o caixa da república estava vazio, e não tinha como cobrar
mais impostos dos povo...
Quanto aos negros...como eu disse, a nova situação
destes era quase que a mesma de tempos passados... Sim, eles tinham o status de
cidadãos, mas...
Como eu já disse, os coronéis até mantinham alguns
negros em suas fazendas, explorando-os ainda mais do que quando eram cativos. A
maioria teve que sair pelo mundo à procura de seu destino. Alguns se deram bem,
outros nem tanto...
A fome apertou e Juvêncio resolveu assar um pedaço de
carne seca. Fez uma fogueira, cortou um pedaço generoso de carne e colocou para
assar na brasa. Enquanto isso, foi providenciando um bule de água para fazer
seu café. Meia hora depois estava comendo. E passado mais um quarto de hora o
Justiceiro dormia recostado a um pinhal....
Uma figura esgueirou-se das águas do ribeirão... e foi
aproximando-se devagar até o local em que o Justiceiro estava sentado. A
estranha criatura o examinou detalhadamente. Sentou-se ao seu lado. E
metamorfoseou-se em uma linda jovem. Se até o momento Juvêncio não havia
percebido sua presença, agora não havia como deixar de nota-la. E Juvêncio
resolveu conversar com a moça...
- Quem é você?
A jovem apena sorriu....
- Moça, por favor... que é você?
Silêncio total. Aparentemente a garota não estava
interessada em responder essa pergunta.
Juvêncio ficou alguns instantes pensativo. E não
conseguia entender de onde a moça viera. Afinal, só haviam rastros de seu
cavalo.
Finalmente a garota resolveu abrir a boca, digamos
assim. Mas não adiantou muito para o nosso amigo... afinal, ele não entendeu
uma única palavra do que ela dizia. Depois de quase dez minutos falando sem
parar, a garota apontou para o patuá que Juvêncio trazia no pescoço. Pelo que
ele entendeu, ela o queria para si... mas poderia não ser nada disso... afinal,
ele não sabia o que ela estava dizendo...
Juvêncio ficou meio sem ação quando a jovem
aproximou-se e o abraçou. Em seguida ela fez um gesto que lembrava uma benção.
Enquanto o abençoava, ela recitou algo parecido com uma oração. Ao terminar seu
ritual a moça olhou-o diretamente nos olhos e pareceu-lhe ouvi-la dizer...
"salve o meu povo!"
Nesse instante Juvêncio acordou...esfregou os olhos,
surpreso! Seu cavalo continuava a poucos passos dali, pastando mansamente.
Nosso amigo olhou para todos os lados, a procura de qualquer sinal de que não
estivera sonhando. Trabalho inútil, pois nem mesmo uma folha de grama estava
fora do lugar. Sim, ele dormira e sonhara. E sentia que o sonho queria lhe
dizer alguma coisa. Mas exatamente o que? Pergunta sem resposta, ao menos por enquanto...
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