WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Trinta e Três
WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS
Capítulo Trinta e Três
Mais um dia amanheceu em
Espírito Santo do Pinhal. O sol de verão estava castigando a cidade, mesmo com
toda a floresta à sua volta. Eram pouco mais de meio dia e as pessoas já
procuravam uma sombra para se proteger dos raios solares. Bem, quem tinha
condições para fazer isso, é claro. O pessoal que trabalhava na roça tinha que
continuar sua labuta. Se bem que trabalhar a terra com aquele sol não era
exatamente uma boa ideia. Mas as culturas precisavam de cuidados. E os
camaradas precisavam de dinheiro...
Juvêncio não agia diferente
dos outros cidadãos. Também se protegeu do sol... aquele era um dia para se
cavalgar de manhã ou bem a tardinha...durante o dia, realmente mostrava-se
impossível... cavalgar naquele calor era castigar sua montaria sem
necessidade...
Deitado em uma rede,
aproveitando a brisa que soprava entre as folhas das árvores... embora essa
brisa viesse com um mormaço... Juvêncio ficou ruminando a conversa que tivera
com Torquato no dia anterior.
Depois de muito pensar, Juvêncio
chegou à conclusão que, assim que o tempo refrescasse um pouco, iria até a
delegacia para conversar com o doutor Santana... se desse sorte, conversaria
com o doutor Carneiro, também. Era importante tomar o pulso dos cidadãos de
Pinhal, e qual a melhor forma de fazer isso, do que conversando com dois dos
expoentes máximos da cidade? Está certo que nenhum deles representaria a casta
dos fazendeiros. Mas a representatividade já estava de bom tamanho. Afinal,
tanto Santana quanto Carneiro era duas pessoas respeitabilíssimas na região...
Juvêncio estava quase
cochilando...
- Mas o senhor é sossegado
mesmo, não?!!
Juvêncio abriu os olhos e
quase saltou da rede... era Matilde, a Diretora da Escola da cidade... como
haviam combinado que, se a diretora se lembrasse de alguma história
interessante o procuraria, foi o que ela fez...
Nosso herói se recompôs,
levantou-se da rede que estava pendurada sob a sombra dos pinheirais, calçou
suas botas e já estava pronto para conversarem. Matilde se divertiu com o
embaraço do delegado. Logo o convidou para entrarem na pensão, onde sem dúvida
o ambiente estaria mais fresco... afinal, uma jarra de limonada fresquinha
estava já a espera dos dois, junto com alguns pãezinhos de mel...
Juvêncio ajudou a
professora a sentar-se à mesa... ela ficou encantada com a gentileza de nosso
herói... e antes de tomar acento, serviu-a com a limonada e os pãezinhos...
- O senhor disse que
gostaria de conhecer um pouco sobre nossa bela cidade... bem, lembrei-me de
algumas histórias que acredito que o senhor irá adorar ouvir...
- E é sobre...?
- Vamos dizer que é sobre a
fundação da cidade...
- Tem alguma coisa de
especial na história?
- Bem, como todas as
cidades, tiroteios e emboscadas eram normais... afinal todo mundo era dono e
isso era terra de ninguém...
- Como assim?
- Bem, toda essa região
era, originalmente, uma Sesmaria...
- Sei... acredito que o
Brasil todo era dividido em Sesmarias...
- Sim... Aqui era a Fazenda
do Pinhal, do senhor Romualdo, lá de Santa Cruz das Palmeiras...
- Mas não foi uma família
de Mogi das Cruzes que fundou o povoado?
- Sim e não... sim, o
senhor Romualdo veio de Mogi... e começou a desbravar essas terras em seguida.
- Mas ele veio de Santa
Cruz ou de Mogi?
- Nasceu em Mogi. Depois,
nas andanças da vida, veio parar em Santa Cruz... e começou a investir na
agricultura. É claro que, para isso, entrou em conflito com os índios que
viviam nessa região, e acabou expulsando-os daqui...
- Depois a cidade se
desenvolveu...
- Não. Vieram outros
posseiros. E a vida na região ficou um pouco movimentada. Tiros para todos os
lados. Chegou uma hora que o senhor Romualdo se cansou daquela vida e, junto
com a sua esposa, dona Teresa, doaram 40 alqueires de terra... a que estava em
disputa pelos posseiros... para formar o patrimônio do Divino Espírito Santo...
agora era terra da Igreja, então as disputas tinham que cessar... ai, em 1860,
nasceu oficialmente a cidade de Pinhal, mais tarde batizada oficialmente de
Espírito Santo do Pinhal...
- Nossa... então essa
cidade ainda é novinha...
- Como a maioria das
cidades do interior...
- Mas onde está a história
que pode me interessar?
- Na fundação da cidade.
Como eu disse, os lavradores entraram em conflito com os moradores originais da
região. E foram expulsando o povo aos pouquinhos. E foi aí que começaram a
aparecer os mortos quase sem cabeça...
- Brancos ou índios?
- Essa é a parte
estranha... os mortos eram dos dois lados... na verdade, três, já que alguns
escravos morreram da mesma forma.
- E nunca descobriram quem
foi o causador da morte?
- Só descobri um nome...
Anhangá...
- O diabo da crença dos
bugres?
- Esse mesmo...
Juvêncio suspirou
profundamente... bem, a história mostrava que os assassinatos que tanto estavam
lhe dando dor de cabeça já eram um fato antigo... mas o mistério
continuava...quem teria invocado as forças ocultas? Um feiticeiro índio,
negro ou branco?
- Sabe o que é mais
interessante nessa história?
- Não... o que?
- É que, segundo a lenda
dos bugres, de tempos em tempos Anhangá vem a terra dos homens saciar sua fome
de sangue...
- Sério? Como descobriu
isso, Matilde?
- Na verdade, me lembrei de
algumas histórias que uma velha bugre contava para a criançada...
- Uma velha bugre?
- Sim... ela vivia na vila,
era casada com um mestiço. Não lembro o nome dela, a muito já morreu. E o
marido e os filhos foram embora da região.
- E como era essa história?
- Olha, resumindo... de
tempos em tempos Anhangá cobra um tributo dos homens por cuidar da flora e da
fauna da região. Ele vem, caça por três luas, depois vai embora para seu mundo.
E só quando chega o tempo do tributo, ele retorna para saciar sua fome
novamente....
- Três luas... então ainda
está no tempo do tributo...
- Isso... se as minhas
contas estiverem certas na próxima semana começam os ataques novamente...
Juvêncio sentiu-se
incomodado com a história de Matilde. Se ela estivesse com a razão... e
provavelmente estava... não havia nenhuma intervenção humana relacionada aos
ataques da fera. E aí as coisas ficariam um pouquinho mais complicadas...
afinal, se os ataques eram obra de alguma entidade mística, de nada adiantaria
procurar pistas entre os vários feiticeiros espalhados pela região... teria que
iniciar um novo plano de ação. E isso incluiria começar a ouvir as histórias
que os antigos tinham para contar. Pois a chave para resolver o problema
estaria escondida em algumas dessas histórias contadas ao pé do fogão e
esquecidas no dia seguinte...
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