WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Vinte


 

WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS

Capítulo Vinte

 

Um dos hábitos de infância de Graça era ir religiosamente à missa aos domingos. Mas ela não gostava de frequentar sempre a mesma capela. Por esse motivo, a cada semana ela ia em uma igreja diferente. Era uma forma de conhecer um pouco mais sobre a cidade. Em seus cinco anos morando na Capital ela acabou tendo seus lugares favoritos para visitar, entre eles a Igreja da Glória, já perto do Caminho do Mar. Dizia-se a boca pequena que Dom Pedro, após proclamar a Independência do Brasil, havia feito uma parada ali para agradecer a Deus por ter-lhe permitido realizar tal ato. Claro que isso nunca ficou provado, mesmo porque ninguém tem certeza sobre o que ocorreu naquele dia... ainda mais depois de quase oitenta anos. Mas é o que se falava.

Depois da missa ela gostava de andar pelas redondezas... um de seus lugares favoritos era o Museu Paulista...  além de ser um lugar bonito para se visitar, era de fácil acesso, graças a linha de bonde que ligava o Museu ao centro da cidade. Entre os vários locais que ela gostava de visitar,  o córrego do Lava-pés era outro que não podia faltar ao seu roteiro. Ali ela tinha certeza de que realmente o primeiro Imperador do Brasil havia parado, pois todos que vinham pelo Caminho do Mar descansavam nesse ponto, onde lavavam os pés nas águas do regato - eis porque o nome do córrego - para depois entrarem na Igreja para agradecer o fato de terem conseguido completar sua viagem.

Os pés de cambucí eram abundantes por ali, e sempre que podia - quando era a estação da fruta - Graça colhia algumas e as levava para casa, para fazer um licor, que simplesmente adorava. É claro que para isso tinha que ter uma quantidade razoável da fruta, pelo menos umas quinze ou vinte... a receita que usava era a que tinha aprendido com sua mãe... ela usava uns quinze frutos bem madurinhos, quatro xícaras de água, quatro xícaras de açúcar e um litro de cachaça... ah, sim, ela não gostava de bebida alcoólica, mas sempre tinha alguns licores para servir aos amigos que a visitavam de vez em quando. O preparo do licor era bem simples, como são na verdade a maioria dos licores que conhecemos... ela tirava todo o suco das frutas, espremendo-as com o auxílio de um pano bem limpo, depois levava ao fogo com água e açúcar e deixava ferver. Então acrescentava a cachaça, colocava em uma garrafa, fechava bem e deixava descansar por uns três dias, mais ou menos. E pronto... seu licor de cambucí estava pronto... claro que ela não ensinava para ninguém a sua receita... afinal, o segredo era a alma do negócio, não é mesmo?...

A região estava crescendo... atualmente o sotaque italiano era bem comum por ali... a maioria dos imigrantes trabalhava nas fábricas que iam surgindo no entorno... aos poucos os sítios e fazendas iam dando lugar para vila de operários... uma das várias empresas que surgiram no local era a fábrica de chapéus Ramenzoni... empregava um bom número de pessoas. Ele foi uma inspiração para Graça, que até então nunca havia pensado em fabricar chapéus... mas achou boa ideia desenhar alguns modelos para acompanhar os vestidos que produzia. Claro que não seguia a linha industrial do senhor Dante. Mas pediu para trabalhar alguns dias na empresa, para aprender como era o processo...

No bairro tinha uma associação, a Liga Democrática Italiana. De vez em quando Graça ia até lá pois achava interessante as ideias que ali eram expostas. Sim, apesar de amar ficar isolada do mundo na maior parte do tempo, ela se sentia atraída por aquela linha de pensamento... nunca havia visto ou ouvido tais ideias. E ficava fascinada com a forma como as pessoas as expunham. Em uma dessas visitas à associação Graça conheceu Guido, um jovem com seus vinte e poucos anos. Era um dos oradores mais intensos do grupo.  Bem, assim como Graça se sentiu atraída pelo rapaz, ele também se engraçou com a morena. E saíram juntos a passear pelo bairro algumas vezes. O rapaz estava a pouco tempo no Brasil, e falava como era a vida em sua terra natal, as dificuldades que ele e sua família enfrentavam e porque resolveram vir para essa terra. A moça ficava encantada com as histórias que o rapaz desfiava durante sua caminhadas. Ah, sim, apenas caminhavam juntos. Nem mesmo de mãos dadas andavam. E ela, no início, nem mesmo seu nome dissera ao rapaz...  

 Um outro local que ela gostava de visitar, de vez em quando, era a Nadir Figueiredo... claro que no início não foi muito fácil conseguir autorização para entrar na fábrica como visitante, mas graça era persistente e, depois de algum tempo, conseguiu conhecer o processo de fabricação de copos e outros objetos de vidro. Ficou encantada, é claro. Jamais imaginou que o processo seria aquele, de transformar areia em algo transparente graças ao calor... Ah, sim... é claro que as visitas eram feitas durante a semana, e não aos domingos. Não que eles não trabalhassem nos finais de semana... trabalhavam. Mas as visitas de Graça nas fábricas eram feitas durante a semana, quando ela procurava novas ideias para agradar suas clientes. É claro que muitas vezes não conseguia nada, mas quando alguma coisa chamava sua atenção, ficava dias e dias pesquisando o assunto e outro tanto trabalhando na ideia.  Os passeios de domingo se limitavam mesmo a visitar o Jardim do Museu, o Museu em si e a Igreja... ah, sim, e os passeios ao lado de Guido.... 

Depois de algum tempo Graça permitiu ao rapaz saber seu nome... de deixou-o vislumbrar um pouco de seu mundo. Quando ela narrava as historias que viveu em sua cidade natal o rapaz ficava extasiado. Fazia perguntas, misturando o italiano com o português, naquele sotaque cantado que tanto agradava a moça. Passou algum tempo e ele já sabia onde ela trabalhava... em nenhum momento contou ser a dona do negócio... e insistia em conhecer onde sua amada morava. Sim, ele jurava amor eterno para Graça e dizia que ela era a razão de sua vida. Bem, a moça não era fácil na queda, e embora tenha permitido que ele soubesse onde era seu local de trabalho, jamais informou-lhe em que bairro morava.  Se ele poderia descobrir sozinho, se quisesse? Claro que sim... mas a garota tinha suas maneiras de desencorajá-lo da empreitada. Como? Se os dois já andavam abraçados nas ruas, durante o passeio? Mas nem a mão ela dava para o rapaz... como ela sempre dizia... um dia entregaria seu coração para alguém... mas tinha que ter certeza de que esse alguém realmente a merecia. Caso contrário, antes só do mal acompanhada...  

 

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