WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Dezoito


 

WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS

Capítulo Dezoito

 

Graça acordou bem disposta nessa manhã. Até mesmo a frustração por não ter conseguido abrir sua loja no dia anterior já passara.  Sim, chovera em demasia... parecia um dilúvio, tal a intensidade das águas... pelo que ela ouvira, em algumas regiões os estragos foram grandes. Árvores caídas, algumas obstruindo as estradas... algumas regiões alagadas... bem, isso era perfeitamente normal nessa época do ano. Estava na Primavera, estação das flores... e das chuvas e trovoadas. Bem, o cheiro gostoso da terra molhada, misturado com o cheiro da relva que existia em volta do vilarejo a deixava de bom humor. As flores e as arvores haviam amanhecido com um ar alegre e o canto da passarada tornava a manhã muito mais bonita que de costume. Sim, nada poderia dar errado nesse dia...

Depois de tomar seu desjejum, passar as instruções para sua empregada acerca do que precisaria fazer neste dia, Graça ganhou as ruas, em direção ao ponto do bonde. Tudo estava funcionando normalmente, então poderia ir para a cidade sem receio algum. Tinha alguns trabalhos para terminar e outros a iniciar. Tinha um dia de atraso para recuperar. Mas com a ajuda de suas colaboradoras sabia que não haveria problemas, conseguiriam cumprir os prazos...

Mais ou menos umas duas horas depois de sair de casa finalmente chegou ao seu destino... e foi ficando preocupada, a medida que se aproximava do local em que ficava sua loja. Atravessou  o viaduto do Chá em direção à rua Augusta e cada passo que dava apertava seu peito... os sinais de que a chuva intensa do dia anterior haviam causado alguns estragos na cidade eram visíveis. Tudo bem, ela estava no alto do morro, e os estragos estavam na parte baixa, mas era sempre preocupante, de qualquer forma. Finalmente chegou em frente a loja. Suas funcionárias já a estavam esperando. Abriu a loja e deu um suspiro de alívio... nada de anormal acontecera com seu estabelecimento. Trataram de arrumar tudo para atendimento ao público e cada uma tomou seu posto. Graça reviu os pedidos, verificou as entregas do dia, providenciou para que empacotassem os vestidos que seriam entregues e finalmente sentou-se em sua cadeira, sentindo-se tranquila novamente... tão tranquila quanto no momento em que acordara. Umas duas horas depois de iniciarem suas atividades, Pedro, o rapaz que cuidava das entregas da loja, chegou com sua charrete. Recolheu todos os pacotes, ouviu as instruções de sua patroa e lá foi ele estrada afora, para cumprir suas tarefas. Hoje ela não precisaria acompanhá-lo... não havia nem uma entrega especial, que necessitasse de sua intervenção.

Por volta de uma três horas Guilherme apareceu em sua loja. Era um rapaz bem apessoado. Filho de uma de suas clientes. E apaixonado por Graça. Sempre que podia dava uma passada pela loja, para conversar... e tentar conseguir um encontro com a moça. Mas Graça tinha outros planos, não estava interessada em nenhum envolvimento romântico, nem com Guilherme nem com quem quer que fosse. Mas o recebia com cortesia e educação. Só não aceitava seus convites. Bem, o rapaz achava que deveria continuar investindo... afinal, quanto mais difícil a conquista, mais o prêmio valeria a pena, não é mesmo? O que ele não havia entendido ainda é que Graça, não pretendia ser "prêmio" de ninguém... casamento era uma palavra que não existia em seu dicionário... não era seu desejo formar uma família com ninguém... estava muito bem sozinha, dizia sempre que perguntavam porque ela não havia se casado ainda. 

Depois que o rapaz se foi ela resolveu arrumar sua sala e encerrar o expediente. O relógio marcava cinco horas, ela pretendia pegar o bonde das seis e meia... dispensou suas empregadas, fechou a loja e lá foi ela, em direção ao Largo do São Bento. Era a ultima viagem do dia para os bondes, então a moça tinha que se apressar, sob o risco de passar a noite nas ruas... nas ruas, não, é claro. Sempre tinha a opção de passar a noite em um hotel. Alugar um trole para ir para casa já era mais difícil, os condutores não gostavam de se aventurar à noite pela periferia, as estradas eram muito perigosas. Portanto, se perdesse o ultimo bonde do dia, teria que dormir em um quarto de hotel, mesmo. Mas não era uma opção muito barata...

Era pouco mais de oito horas quando finalmente chegou a sua casa. Cidinha mostrava sinais de preocupação pela demora da patroa. Mas quando a avistou, tratou de recepcioná-la da melhor maneira possível. Sim, a empregada gostava muito da patroa, a quem considerava quase que um membro de sua família. E a recíproca era verdadeira. O elo entre as duas extrapolava a relação patroa/empregada. Eram mais do que isso... eram amigas... verdadeiras amigas. Tanto que Graça não tinha nenhum receio de entregar sua casa nas mãos de Cidinha. E quando digo "entregar sua Casa", quero dizer que praticamente tudo relativo ao lar era resolvido pela empregada, desde as compras do mês, que eram feitas no empório do seu Belarmino, lá perto do ponto do bonde, como as pequenas despesas diárias, como o pão e o leite de cada dia. Graça entregava uma importância nas mãos da empregada e tal era a sua confiança que nunca pediu uma prestação de contas à mesma.

Cidinha trabalhava para Graça praticamente desde que esta se mudou para a Capital. Acompanhou todo o calvário da moça com a doença de sua mãe... sempre esteve ao seu lado, dando-lhe apoio em tudo o que precisava. Era discreta. Quando Graça recebia a visita de suas clientes no final de semana, quando a loja estava fechada, tornava-se invisível, mas estava sempre a postos, pronta para suprir qualquer necessidade que a patroa tivesse. E quando Graça precisava de um ombro amigo para conversar, para desabafar, lá estava ela, sempre pronta a ouvir e aconselhar, quando era o caso...

Sim, elas eram bem mais que patroa/empregada. Eram amigas. Claro que essa relação foi construída aos poucos, afinal, confiança não se ganha, se conquista. E Cidinha realmente conquistou a confiança de Graça. Quando a moça resolveu comprar o terreno na Barra Funda... até então vivia de aluguel em uma casa mais próxima da cidade... perguntou à amiga o que ela achava da ideia, visto que o local era bem afastado do centro, quase na várzea do Tietê. E várzea tem um problema sério com épocas de chuva... Cidinha a aconselhou a fechar o negócio e disse que, se tivesse condições, também compraria um pedaço de terra. Graça aceitou o conselho, e fez mais... sem contar para a amiga, comprou dois lotes, sendo um em nome de sua empregada. Como eu disse, nada falou para Cidinha. Seria uma surpresa que faria a esta no dia em que as duas se separassem...

 

 

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