WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Treze
WALKÜREN -
AS TRÊS MARIAS
Santana estava tranquilo, deitado em sua rede...Acabara de chegar da
delegacia e aproveitava para descansar um pouco, enquanto esperava sua esposa
terminar de fazer o almoço. Seus três filhos, dois meninos e uma garota,
estavam brincando no terreiro, junto com outras crianças da vila. Sim, a tarde
estava sossegada. Uma brisa fresca soprava do sul e a temperatura estava
realmente agradável. Nada poderia tirar a paz do delegado naquela tarde...
- Boa tarde, crianças.... seu pai está...?
- Paiêêê...
Era Eduardo, o filho mais velho de Santana, correndo para casa para
chamá-lo...
- O que foi, menino?
- Tem um moço aí fora querendo falar com o senhor...
Santana levantou-se, vestiu a camisa e saiu até a soleira da porta.
Ainda montado, Juvêncio o aguardava no terreiro...
- Apeia, seu moço... a casa é sua!
Juvêncio agradeceu com um gesto de cabeça e apeou de seus cavalo. Um dos
garotos pegou as rédeas do animal e o levou até a estribaria....
- Desculpa eu chegar assim sem avisar...
- Que é isso, menino... Você é bem vindo a hora que for...
- Obrigado... eu precisava conversar contigo...
- Vamos entrando! Ritinha, põe mais um prato na mesa... esse moço vai
comer com a gente!
- Que é isso, Santana... não quero incomodar...
- Que incômodo, o que... vai almoçar com a gente, sim... depois a gente
conversa...
E Juvêncio e Santana começaram a prosear, enquanto Ritinha terminava de
por a mesa...agora, com um convidado...
Depois de almoçarem, os dois homens começaram a caminhar pelo pomar,
aproveitando a sombra das árvores. Havia vários frutos maduros... era outono.
De vez em quando Santana parava embaixo de alguma árvore, examinava os frutos,
seguia adiante. Chegaram perto de um pé de caqui, carregado de frutos maduros.
Santana colheu dois, ofereceu um para Juvêncio e comeu o outro. a conversa,
como não poderia deixar de ser, era sobre os últimos ocorridos pelo condado...
Santana relatava os casos, Juvêncio fazia algumas perguntas... Juvêncio falava
sobre suas investigações, Santana fazia algumas perguntas. E assim os dois
passaram a tarde, nesse pingue pongue palratório...
- Santana, acredita em intervenção espiritual?
- Como assim?
- Acredita em manifestações do outro mundo?
- Bom, eu...
- Olha, estou fazendo uma pergunta séria.
- Eu sei... é que...
- Bem, a pergunta é simples... acredita ou não em manifestações do outro
mundo?
- Sim, eu acredito. Mas é claro que não vou admitir isso prá ninguém.
- E por que?
- Olha... se eu colocasse em um relatório que a causa das mortes na
região é devido a um fantasma... bem, na melhor das hipóteses eu seria
exonerado...
- Sabia que meu departamento só cuida de casos de fantasmas e outros
bichos?
- Não, não sabia...
- Eu só fui designado para esse caso porque os chefões sabem que aqui
tem manifestações paranormais...
- Então...
- Sim, pode falar livremente comigo... aliás, quanto mais eu souber
sobre suas percepções, mais simples ficará para mim chegar em algum ponto...
E os dois homens ficaram alguns segundos em silencio. Então Santana
começou a falar, expondo todas as suas ideias sobre o que poderia estar
ocorrendo, inclusive falando da teoria de Torquato como uma das possíveis...
Depois de algum tempo ouvindo tudo o que Santana tinha a dizer, Juvêncio
resolveu mudar um pouco o foco da conversa... queria ouvir as histórias da
região... seus medos, suas crendices... isso seria importante para que ele
pudesse fazer um painel do que estaria de fato ocorrendo nos arredores. Afinal,
as lendas sempre mudam de lugar para lugar... e sempre há um motivo para tal
coisa acontecer. Seu foco principal foi a lenda do Jurupari, já que este era o
principal suspeito, se assim podemos dizer, de Santana e seu ajudante. Sim, ele
era um demônio... e, sim, um de seus dons era transformar-se em algum animal
selvagem, sendo que o seu favorito era a onça pintada.... e uma onça pintada,
de pé, teria a altura de um homem adulto e poderia, sim dar uma parada na
garganta de alguém, deixando a cabeça pendurada por alguns tendões... Depois de
ouvir um bom tempo sobre as lendas da região, começou a perguntar sobre os
moradores... quem ele eram, de onde vieram... finalmente deu-se por
satisfeito... era hora de retornar ao seu quarto de pensão... tinha que colocar
todas as ideias em ordem, e o melhor lugar para isso era, sem dúvida, aquele
colchão macio que o aguardava em seu quarto alugado... quem diria... alguém que
dormira noites sem fim no chão duro das planícies agora não via a hora de
deitar-se em um colchão macio, com roupas de cama limpas...
Finalmente deitado em sua cama, Juvêncio pôs-se a pensar sobre tudo que
ouvira durante o dia. Embora tivesse ouvido muito, nada do que recolheu nesse
dia acendeu uma luz em seu caminho. Continuava tateando no escuro, sem saber
exatamente para onde ir. Sim, sem dúvidas, perseguir bandoleiros era bem mais
simples... bastava encontrá-los, enquadrá-los e entregá-los para a lei... ou
para o coveiro, dependendo da situação. Bem, mas ele estava na região a apenas
um dia... era quase impossível ter uma visão geral do problema em tão curto
espaço de tempo. Precisava arrumar algumas coisas para trabalhar... um mapa da
região seria imprescindível. Teria que arrumar um caderno de apontamentos,
também. Preferia guardar tudo na memória, mas tinha que admitir... a idade
estava chegando e sua memória já não era tão boa, assim. Assim como sua
agilidade em sacar as armas. Ainda era rápido, em comparação a maioria das
pessoas. Mas se sentia muito lento... tanto que, se tivesse que desafiar
alguém, com certeza esse alguém poderia suplantá-lo sem muita dificuldade. É, o
tempo realmente estava passando para ele. Teria que preparar alguém para
continuar seu trabalho, quando fosse hora de parar... pensando bem, a muito que
o seu tempo de parar havia chegado... ele continuava de teimoso, pois ainda não
encontrara ninguém para ficar em seu lugar. A escolha lógica seria seu
ex-parceiro, Juquinha... agora, Doutor José Carlos de Almeida, Delegado Chefe
da Policia Federal, responsável por toda a região Sul/Sudeste... claro que ele
declinou da responsabilidade ofertada por Juvêncio... afinal, tinha um cargo
que necessitava de presença constante, onde se fazia necessário fiscalizar seus
comandados, para que o caldo não entornasse. E assim, sem ter um herdeiro para
assumir seu manto, Juvêncio continuava na luta, sabendo que o próximo caso
poderia ser aquele que finalizaria sua carreira... e sua vida!
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