WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Seis


WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS

Capítulo Seis


Graça estava meio entediada. De repente bateu uma saudade do tempo que morava no interior. A vida na Capital era mais tranquila, com certeza... mas desde que sua mãe faleceu ela se sentia muito solitária. Verdade que havia amigos ao seu lado, mas nenhum deles era como Maria Izabel e Rosa, com quem aprontava poucas e boas. E as vezes ficava se perguntando sobre como suas amigas estariam se saindo lá na sua cidade natal...

Pelas cartas que recebera das amigas ficou sabendo que Rosa estava lecionando da escola do vilarejo, substituindo a antiga professora que simplesmente desaparecera, sem dizer para onde iria. Na verdade, ninguém conseguia lembrar-se dela. Não fosse o cargo que ocupara e provavelmente ninguém se lembraria que algum dia ela passara por ali... aliás, coisas estranhas antecederam sua saída da cidade. A única coisa que se lembrava claramente é que ela e suas amigas, um dia antes de embarcar para a Capital, se reuniram com o delegado, o médico legista, um delegado federal que estava investigando alguma coisa e o pai de Maria Izabel. Depois disso, até conseguia se lembrar que elas montaram seus cavalos e saíram para algum lugar. E então, o nada. Apenas um branco total, como se alguém tivesse passado uma borracha em suas lembranças. Embarcou para São Paulo, onde encontraria sua mãe que estava internada na Santa Casa, felizmente restabelecida da doença que a acometera. Alugou uma casa para ambas morarem e começou a trabalhar com costura... com o dinheiro que recebera pelo prêmio da captura de um bandoleiro, conseguiu comprar algumas máquinas de costura e abriu sua loja. O negócio foi bem, conseguiu uma clientela razoável e logo estava proporcionando a sua mãe uma vida confortável com a qual jamais sonhara. Não foi fácil, mas com trabalho e dedicação, conseguiu vencer. Pena que algum tempo depois sua mãe adoeceu novamente e desta vez os médicos disseram que não teria retorno. Pouco mais de um mês da internação a senhora partiu para a viagem sem volta. Graça já esperava por isso, embora torcesse para para acontecesse um milagre, que não veio. E em um dia triste, onde a garoa caia sobre a cidade, Graça despediu-se de sua mãe e não derramou nenhuma lágrima, pois sabia que ela havia sofrido demais nos últimos anos e agora finalmente estava descansando. Poucas pessoas a acompanharam até a Necrópole... apenas suas funcionárias. Em sinal de luto, fechou sua loja por três dias. Avisou por carta os amigos de sua cidade sobre o passamento de sua genitora e deu por encerrada essa passagem da vida. E seguiu em frente, pois sabia que de nada adiantava ficar se lamentando pelo ocorrido...

Fazia já três anos que sua mãe partira...  e desde então Graça mergulhara de cabeça no trabalho. Afinal, não tinha ninguém a esperá-la em sua casa. E a solidão, quando bate, deixa a gente triste não é mesmo? Ela até tentou sair com suas funcionárias, mas não havia muito o que fazer pela cidade. Visitar casa de amigas? Foi algumas vezes, mas acabava sempre se arrependendo da visita... não tinha muito em comum com elas. Na verdade, o que mais sentia falta nas noites solitárias eram as cavalgadas com suas parceiras, as encrencas em que se metiam... e aí ficava se perguntando... será que elas também sentiam o mesmo? Talvez Rosa sentisse... afinal, ensinar crianças a ler e escrever deveria ser chato, às vezes... se bem que tem pessoas que se realizam com essa tarefa, não é mesmo? Mas ela não conseguia ver a Rosa, toda explosiva, cuidando de crianças pequeninas com toda a paciência do mundo... enfim... quanto a Maria Izabel... bem, essa havia casado, dois anos depois que as três se separaram... isso depois de dizer, várias vezes, que não conseguia se ver ao lado de Juca... e ainda administrando a loja "COISAS DE MULHER"... sim, Graça não entendeu muito bem, mas o que importava realmente é que Maria Izabel havia casado, sim, com Juca. E, pelo que lhe contara através das cartas, tinham dois filhos, um menino e uma garotinha... bem, com certeza essa não deveria ter muito tempo para se recordar de seu tempo de aventureira... ao menos, era isso o que Graça pensava...

Algumas vezes Graça sentia vontade de visitar sua terra, ver como as coisas estavam se passando por lá... mas logo desistia da ideia... pensava que não seria bom rever o lugar em que foi feliz em sua infância, pois isso traria saudade de sua mãe... e, apesar de fazer-se de forte na frente das pessoas, seu coração simplesmente sangrava toda vez que se recordava daquela que lhe dera a vida... e assim o tempo ia passando... passavam-se os dias, que viravam semanas, que se tornavam meses... e lá se foram quatro anos sem rever os rostos conhecidos...

Estava quase na hora de fechar a loja, e Graça resolveu dar um passeio pela cidade. Caminhar um pouco pelas alamedas, respirar o ar que vinha das árvores à sua volta. Bem perto de sua casa havia um pequeno lago, onde vários regatos despejavam suas águas.  Era um magro consolo para quem estava acostumada, em outra vida, a caminhar pelas margens de um rio caudaloso. Mas, em todo caso, era melhor do que nada... pelo menos havia alguns peixes nadando pelo lago... e algumas aves aquáticas usavam o local como sua área particular de laser, mesmo porque os transeuntes costumavam jogar migalhas  para estes... Graça até já adotara uma das aves... era um pato selvagem não tão selvagem assim, já que toda vez que a avistava, vinha correndo ao seu encontro. Então ela lhe dava, na palma de sua mão, um bom punhado de milho, que a ave comia com todo prazer. Depois de terminado o banquete, a ave se enroscava entre suas pernas, como se estivesse agradecendo, e então retornava para a água. Algumas vezes o animal resolvia segui-la por um trecho de seu caminho, mas logo desistia e voltava para o aconchego de seu cantinho... e assim, Graça ia tocando a vida.

Depois de alimentar seu amigo emplumado e seguir em frente, Graça sentiu-se leve como uma pluma. Sem mais nem menos, sentiu uma paz interior que a muito não sentia. Bem provável que isso era devido à noite que se aproximava, enluarada e com um manto de estrelas tão lindo que era impossível não se sentir tocado pela visão. Os pássaros noturnos começaram seu canto, acompanhando o cricrilar dos pequenos insetos escondidos entre a vegetação das calçadas...

Caminhando tranquilamente pela rua, depois de passar a praça e seguindo o leito do rio que cortava o centro da cidade, logo chegou até a rua em que morava. Abriu o portão de ferro e entrou, sendo recepcionada por Rex, seu fiel cão de guarda. Cidinha, sua empregada, a recebeu com o jantar já à mesa. Claro que antes de degustar o prato da noite foi banhar-se... a água estava morna, à sua espera na banheira. Depois de ter cuidado da higiene pessoal, finalmente Graça foi banquetear-se com a alcatra assada com arroz branco e uma salada de maionese... enquanto isso, ouvia as ultimas notícias no rádio da sala de estar...


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