WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS - Capítulo Quatro
WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS
Capítulo Quatro
Já fazia um dia que Juvêncio se despedira de Andradina e estava próximo
de Araraquara. Cavalgava mansamente, sem pressa. Ia no passo lento, enquanto
analisava a situação vivenciada na região que deixara para trás... sim, havia
algo de estranho na criatura da qual dera cabo. Era um vampiro, com certeza...
afinal, se alimentava de sangue... mas ao mesmo tempo, não era. Afinal, diferentemente dos vampiros que já
havia enfrentado, esse era por demais estranho... a começar pelo estado de
putrefação em que se encontrava. Ou seja, aquele ser não passaria despercebido
em nenhum local, uma vez que seu estado o denunciaria de longe. O cheiro que
exalava era insuportável. E aí estava o grande mistério... se os vampiros não
tinham o melhor dos odores, também não era nada que não pudesse passar
batido... ele mesmo tivera vários encontros com uma vampira, por noites
seguidas, e quase não percebeu que estava confraternizando com uma criatura da
noite... Sim, ela era elegante, garbosa, charmosa... e assim era a maioria das
criaturas da noite que cruzaram seu caminho... mas aquele, de Andradina... bem,
uma hora ele descobriria exatamente o que havia enfrentado...
A noite estava chegando. O povoado estava um pouco distante, talvez mais
umas duas horas de cavalgada. Claro que ele poderia apressar o passo, mas, para
quê? Só usaria o vilarejo para comer alguma coisa e passar a noite... pretendia seguir viagem
mesmo antes do sol raiar no dia seguinte. Conseguiu uma pousada logo na entrada
da vila. O lugar até que era razoável... cama com lençóis limpos... não corria
o risco de ser expulso do quarto pelas pulgas... em todo caso, com o cansaço
que sentia da viagem que estava fazendo, nada poderia incomodar seu sono...
Mais ou menos umas quatro horas da madrugada Juvêncio já estava de pé.
Pagou pela estadia, tomou o café ofertado pelo estalajadeiro, selou Tornado e
se preparava para ganhar a campina, quando algo chamou sua atenção. Foi um
pequeno barulho. Poderia não ser nada, talvez algum camundongo mais afoito,
tentando ganhar seu quinhão de milho... mas não tinha como saber. Era melhor
verificar. De imediato atirou-se no chão, para melhor se proteger contra
possíveis investidas. E calma, lentamente, foi-se arrastando até o local onde
ouvira o barulho. Quando chegou ao local, tomando todo cuidado para não ser
surpreendido, não pôde deixar de escapar um pequeno sorriso... o barulho que o
havia posto em alerta realmente viera de alguns ratinhos, que estavam carregando alguns grãos de milho para seu
ninho. Mais tranquilo, levantou-se e seguiu em direção ao seu cavalo. Montou e
saiu a passo lento pela estrada afora. Pretendia cavalgar o máximo possível
nesse dia e, quiçá, alcançar a Serra da Mantiqueira antes do anoitecer... claro
que não pretendia sacrificar seu animal. Por isso estavam trotando lentamente.
Faria quantas paradas fossem necessárias, e se fosse possível alcançar a meta
traçada, ótimo. Se não desse, paciência... chegaria no dia seguinte.
Era pouco mais de cinco da tarde quando finalmente avistou as primeiras
casas do arraial. Conseguira cumprir a meta de chegar em dois dias ao seu
destino sem esforçar demais o animal. Conduziu Tornado pelas ruas do vilarejo
até a Delegacia. Apeou, seguiu até a porta da mesma e entrou. O delegado estava
de pé, conversando com uma pessoa. Depois de alguns minutos o delegado percebeu
o recém chegado e pediu que o mesmo se sentasse e aguardasse um pouco. Juvêncio
continuou ali, de pé... já passara o dia todo no lombo de Tornado e tudo que
desejava agora era esticar um pouco as pernas... finalmente o delegado
voltou-lhe a atenção...
- Boa noite, senhor... em que posso ajudar?
Juvêncio enfiou a mão no bolso e pegou a carta que trazia, entregando-a
ao delegado. Este a leu com toda a atenção do mundo e, no final da leitura, um
sorriso de orelha a orelha estampou-se em seu rosto...
- Quer dizer que agora o abacaxi é seu, senhor...
- Juvêncio, ao seu dispor...
- Juvêncio?! O Justiceiro?...
- Me chamavam assim a muito tempo atrás... mas isso são águas passadas.
- Me desculpe... é que o senhor é uma lenda por esse sertão afora!
- O sertão é cheio de lendas, meu amigo... e normalmente nenhuma delas
corresponde ao que pensamos...
- Para o meu próprio bem, espero que o senhor corresponda...
- Fique tranquilo, meu amigo... casos escabrosos são a minha
especialidade...
- Casos escabrosos? Bota escabroso nisso...
- O que está acontecendo na região?
- O senhor já jantou?
- Na verdade, ainda não comi nada desde a hora que levantei... tinha um
longo percurso a cumprir, achei melhor não parar...
- Então vamos na pensão da Dona Lina... e conversamos enquanto forramos
o bucho....
E assim, o delegado trancou seu escritório e seguiu com Juvêncio em direção à pensão. E enquanto caminhavam, ia colocando Juvêncio a par das coisas que ocorriam em sua jurisdição. Juvêncio ouvia tudo em silêncio, sem interromper seu interlocutor. Finalmente chegaram à pensão e o prato do dia era um bife bem suculento, acompanhado com arroz e fritas... Juvêncio atacou seu prato, enquanto continuava a ouvir as mazelas que o delegado desfiava. Após ter colocado Juvêncio a par de tudo o que estava ocorrendo o delegado perguntou...
- O que o senhor acha que está acontecendo nessas bandas?
- Ouvindo assim, de primeira, pode ser qualquer coisa... quando a ultima
vítima foi atacada? Ontem a noite. Ainda nem fizemos o enterro do coitado...
- Ótimo... preciso examiná-lo...
- Agora? A gente acabou de
jantar!
- Sim... agora. Uma caminhada faz bem para a digestão...
- Não é disso que estou falando...
- Eu sei, meu amigo... mas defunto é defunto...
- Também não é disso que falo.
- Eu te entendo. Mas realmente preciso ver o corpo. Só assim posso ter
uma ideia do que procurar...
Vendo que não tinha saída, já que Juvêncio estava irredutível, lá foram
os dois em direção ao Morgue do vilarejo...
Enquanto caminhavam continuaram a conversar, sobre vários assuntos.
Juvêncio perguntava sobre tudo o que podia sobre os moradores da região, se
alguém estaria agindo de forma estranha, se algo fora do normal chamara a
atenção do delegado nos últimos tempos.
Mas para tudo a resposta do representante da lei era negativa. Enfim, chegaram.
O legista da região estava descansando na salinha da entrada, depois de um dia
de trabalho esfalfante. Ao ver o delegado acompanhado, ficou curioso...
- E então, Santana... que bons ventos o trazem aqui?
- Os melhores, dadas as circunstâncias... esse é o delegado Juvêncio,
que veio investigar nossas... ocorrências...
- Muito prazer, delegado... O doutor Santana já estava se
desesperando...
- E não é para se desesperar, doutor Carneiro? Todo dia aparece um
defunto novo... e o senhor não consegue me dizer o que está acontecendo por aqui...
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