WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS - Capítulo Cinco
WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS
Capítulo Cinco
A inspeção do cadáver não trouxe nenhuma pista sobre o que estaria agindo naquele povoado. A única coisa que Juvêncio pôde constatar era que o animal que havia atacado o homem era extremamente violento, pois o matara com um golpe só. A cabeça foi praticamente decepada do tronco, ficando presa por alguns tendões. E não havia nenhum sinal, nenhum vestígio de sangue. Junto com o corpo que o delegado inspecionara na noite anterior juntou-se a vítima mais recente, essa conferida in loco. As mesmas características do corpo anterior e, como o delegado e o médico legista haviam comentado, nenhum respingo de sangue nos arredores. Pela violência da morte, deveria haver respingos por um bom espaço, mas… Juvêncio não conseguia entender. Teria que investigar a fundo, para descobrir o que estava acontecendo. A vítima mais recente era um tropeiro que provavelmente estava vindo para a cidade trazer seus produtos para vender. E que foi pego de surpresa por sabe-se lá o que o havia atacado. Mas, fosse o que fosse, não incomodou a tropa de burros e cavalos que o homem conduzia, pois mesmo agora os animais pastavam calmamente, sem qualquer sinal de stress… sim, a tropa estava mansa, calma. Era como se nada houvesse ocorrido naquele local. Os animais simplesmente ignoravam o cadáver.
Depois que o delegado e seus ajudantes recolheram o corpo e seguiram para a cidade, Juvêncio começou a procurar sinais pela redondeza. Mas sua busca foi infrutífera. Nem mesmo uma folha de grama amassada conseguiu encontrar. Como o sol começou a se esconder nas montanhas, achou por bem retornar ao vilarejo. Enquanto não tivesse uma visão, mínima que fosse, sobre o que estava ocorrendo ali, era melhor não se expor demais…
Juvêncio seguiu para a pensão onde se hospedara e tratou de atacar o jantar daquele dia. Afinal, não era sempre que podia se dar ao luxo de apreciar uma carne assada de panela, acompanhada com batatinhas coradas e um bom arroz branco… sim, já estava ficando mal acostumado com a culinária do lugar. Com certeza, quando estivesse em campo, comendo a carne seca com farinha e uma caneca de café preto, sentiria saudades da comidinha caseira da pensão… depois de terminar o jantar resolveu dar uma caminhada até a delegacia. Precisava conversar com o delegado, tirar algumas dúvidas. Com certeza Santana deveria ter alguma ideia sobre o que ocorrendo em sua cidade. E qualquer pista, por menor que fosse, jogaria alguma luz sobre o caso. Tinha que conversar também com o doutor Carneiro, e saber o que ele pensava sobre tudo o que estava acontecendo…
- E então, doutor? Tem alguma ideia sobre o que está acontecendo por aqui?
- Para ser sincero, não… a gente sempre escuta uma história daqui, outra dali… mas são histórias sem sentido, que em nada podem ajudar.
- Bem, de uma coisa eu sei, doutor… as vitimas não foram atacadas por animais…
- Nem por uma pessoa, Juvêncio… não sei o que atacou aquelas pessoas… mas suas garras eram muito afiadas…
- Garras?!…
- Sim… se o senhor observar o corte, verá que foi um golpe desferido como um tapa…
- Um tapa?!
- Sim, como um gato atacando um rato…
- Mas o gato não arranca a cabeça de um rato com um tapa…
- Eu sei… mas ele consegue dar um tapa com as garras expostas…
- Está querendo dizer que…
- Por favor, não coloque palavras em minha boca… eu não falei nada disso!
Juvêncio ficou pensativo… o doutor tinha razão, para que a cabeça da vítima fosse quase arrancada daquela forma, era necessário que a força de ataque estivesse paralela a ela… e a ação mais próxima disso seria um tapa, com a mão espalmada…
- Doutor, se importaria em ficar de pé na minha frente?
- Para que?
- Quero fazer uma experiência…
- Quer testar a teoria do tapa…
- Isso…
- Fique tranquilo, eu já testei…
- E?!….
- Corresponde ao golpe.
- Bem, eu…
- Tudo bem, pode fazer o teste…. Só não vá errar o golpe, por favor… não gostaria de ficar com minha garganta machucada…
- Fique tranquilo… prometo não machucá-lo….
O médico ficou parado na frente de Juvêncio que, ato continuo, fez menção de dar um golpe na direção da garganta de Carneiro. Satisfeito com o resultado da simulação, só pôde admirar o senso de observação do médico…
- Mas, doutor… tudo bem, pode ser que as pessoas tenham sido vitimadas dessa maneira… mas como o senhor explicaria a total ausência de sangue no local do ocorrido?
- Ainda não consegui pensar em nada, meu amigo…
- Me diz uma coisa… existe alguma lenda, alguma história que seja apenas da região, que fale de algum tipo de monstro?
- Tem várias… que tipo de história você gostaria de ouvir?
- De verdade, nenhuma… mas se tiver alguma história que sirva como base para os acontecimentos por aqui, bem… eu gostaria de ouvir…
- Até tenho uma, mas acho melhor discutirmos sobre isso junto com o Santana… e talvez com o Torquato, um dos ajudantes dele…
- E o que tem esse Torquato de especial, para que a gente possa ouvir sua história?
- Apesar do nome, tem sangue índio… seus ancestrais caminhavam por essas matas já a um bom tempo, quando a gente chegou aqui e os enquadrou em nosso modo de vida…
- Sei… vamos ver se entendi… o senhor tem um conhecido com sangue de índio que pode ter uma história que poderia explicar o que anda acontecendo por aqui… estou entendendo direito?
- Sim, senhor, isso mesmo…
- E o delegado…?
- Extraoficialmente, concorda com a minha teoria…
- Oficialmente…?
- Nem eu e nem ele somos loucos para colocar essa ideia no papel… iriam nos internar no ato…
- Mas a situação não é… especial?
- Sim, é… mas a solução tem que ser racional… o senhor sabe que nem sempre o sobrenatural é aceito pelas autoridades..
- Opa… eu sou uma autoridade… e só trabalho com soluções sobrenaturais…
- O senhor me entendeu…
- Sim, claro que sim…
- Somos uma sociedade que acredita, veladamente, que o mundo sobrenatural interfere em nossas vidas…
- Sim…
- Mas ninguém admite essa possibilidade na frente de seus pares...
Juvêncio ficou momentaneamente sem resposta. Sim, o doutor estava certo. Por mais que as pessoas à sua volta acreditassem que certo evento tivesse sido causado por algo sobrenatural, jamais admitiriam isso em voz alta, na frente de outras pessoas. Razão... não desejavam ser motivo de chacota... afinal, como uma pessoa civilizada, culta, poderia admitir que forças de outro mundo tivessem influência sobre a vida dos pobres mortais? Isso era pensamento que deveria ficar restrito à peonada... para sorte de nosso amigo, não houve necessidade de uma resposta imediata ao bom doutor... Santana estava entrando no recinto, e logicamente a conversa, ao menos no inicio, mudou de rumo. Juvêncio colocou os dois a par de suas investigações, infrutíferas até o momento. O que era lógico, uma vez que estava começando seu trabalho... ainda não tinha elementos para poder construir uma teoria sobre o que estava ocorrendo na região. Depois de uma meia hora de conversa, o delegado perguntou aos presentes se não queriam jantar... Juvêncio declinou do convite, explicando que já havia feito sua refeição noturna, mas ainda assim foi instado a acompanhar seus colegas, para que pudessem continuar a conversa em frente a uma mesa farta... bem, sempre havia espaço para um doce ou uma bebida, não é mesmo?...
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