WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Dez
WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS
Capítulo Dez
Izabel estava sentada na borda da cama, pensativa. Já era tarde da noite, seu esposo e as crianças estavam dormindo, um sono profundo. Mas ela acordou, e não conseguia voltar a dormir. Sua mente, de repente, começou a funcionar a mil, trazendo recordações que pensava a muito ter esquecido. Seu casamento, por exemplo... ela nem lembrava mais do dia de seu matrimônio. E, de repente... tudo retornou como que um passe de mágica. E o dia que seu pai resolveu partir? Que ela se lembrava, durante toda a sua vida não houve um único dia em que seu pai se ausentara de casa sem que tivesse uma data para retornar. Mas, naquele dia...
Devia ser umas seis horas da tarde, mais ou menos...o sol ainda estava alto, pois era uma tarde de verão. A temperatura ambiente estava fresca, não muito... mas a sombra das árvores absorvia o calor do sol... Zacarias selou seu baio, arrumou suas tralhas, ajeitou seu pelego. Seu cinturão com os dois revolveres estava devidamente afivelado, assim como seu rifle estava acondicionado no coldre da sela. Aparentemente, ele iria fazer uma vistoria em algum lugar. Mas não era esse o caso, não nessa tarde. Sua esposa e filhos estavam todos reunidos, em frente a casa. O ar de tristeza estava estampado no semblante de todos. Zacarias abraçou um a um de seus filhos, deu-lhes sua benção. Por fim, abraçou sua esposa, que se esforçava para não chorar. Zacarias falou-lhe algumas coisa no ouvido, um simulacro de sorriso formou-se no rosto da mulher. Mas o ar triste, desesperançado, não a abandonou. Sua companheira de tantos anos estava inconsolável, mas sabia que o esposo tinha que partir. Desde que se reuniram ela sabia que este dia iria chegar. E finalmente, chegou. Zacarias olhou para a estrada, demonstrando um pouco de impaciência... tinha mais duas pessoas de quem deveria se despedir... era Izabel e seu esposo. Sim, Izabel já havia se casado, nessa época. E, sim, deixou de ser simplesmente Maria, para ser chamada agora pelo seu segundo nome.
Não demorou muito e Izabel e seu esposo, Juca, chegaram à casa do pai da moça. Zacarias abraçou o genro e deu-lhe algumas instruções. O que falou? Ninguém, sabe, já que o chamou em um canto reservado e ficaram por um bom tempo conversando. Depois de terminada a conversa com o genro, Zacarias chamou a filha...
- Maria...
- O senhor sabe que ninguém mais me chama assim, pai...
- Eu sei... você agora é uma mulher...
- É... acho que cresci um pouco...
- E o bebê?
- Deixei com a babá... estava muito quente para trazê-lo comigo...
- Entendo... filha...
- O que foi, pai?
- Acho que você é a única que sabe por que estou partindo...
- Não... eu devia saber?
Zacarias ficou alguns segundos em silêncio... então Izabel também havia se esquecido do ocorrido... de certa forma, isso era bom... ela não ficaria angustiada a cada mudança de lua, a cada passagem de estação... e só despertaria na hora que deveria despertar.
- Filha, tudo o que eu posso dizer é que eu tenho que partir...
- O senhor já falou isso ontem... e na semana passada, também... só não disse o por quê!
- Quando chegar a hora certa, você vai entender. Lembra daquele delegado... o Juvêncio?
- Sim... ele voltou para a Capital, não é mesmo?
- Sim... mas ele retornará... e vai te convocar...
- Como é?
- Quando chegar a hora, você vai ajudar o delegado a resolver um problema...
- Pai...
- É verdade. Eu te disse que sua vida teria uma mudança, e isso não deve demorar muito...
- O senhor está bem?
- Claro que sim... estou apenas te adiantando algumas coisas que vão acontecer.
Zacarias enfia a mão em seu bolso e tira um embrulho, que entrega nas mãos de sua filha...
- Você só vai abrir esse pacote quando chegar a hora. Nem um minuto antes... compreende?
- Na verdade, não...
- Não se preocupe... quando chegar a hora, vai saber...
- Pai, se eu não soubesse que o senhor nunca bebe, diria que está de fogo...
- Filha, preste atenção ao que estou lhe dizendo...
- Pai, o senhor não está falando coisa com coisa... o que é que tem nesse pacote?
- Não é hora de você saber... não ainda.
- Mas agora ele é meu...
- Sim...
- Então, o que me impede de abri-lo?
- Sua responsabilidade. Você sabe que a hora ainda não chegou...
- Sabe que ainda não consigo entender...
Zacarias deu de ombros. Sabia que de nada adiantaria continuar aquela conversa, pois o principal já havia falado. Agora, era confiar no bom senso da filha e seguir seu destino. Os dois voltaram para junto do grupo, ele tornou a se despedir de todos novamente, montou em seu baio e saiu a passo lento... aos poucos, foi sumindo no horizonte.
Sim, aquele foi um dia triste para a família de Izabel... e aquela foi a ultima vez que ela viu seu pai. Nos primeiros dias a dor da perda era grande... mas conforme o tempo ia passando a família foi se conformando. E chegou uma hora em que o patriarca era apenas uma lembrança que ia se esmaecendo. Sua mãe nunca explicou para seus filhos do por que Zacarias teve que partir. Quando ninguém estava por perto, ela derramava suas lágrimas pelo esposo, mas era só aparecer alguém por perto e ela se recompunha rapidamente. Nenhum filho a pegou se lamentando da sorte. Estava sempre com um sorriso no rosto... sorriso triste, é verdade... mas... sorriso é sorriso, não é mesmo?
Izabel levantou-se da cama e foi até a cozinha, tomar um pouco de água. Enquanto caminhava em direção ao cômodo, sentiu toda a estrutura se modificar. E, de repente, estava andando em um campo verde, florido, iluminado. Ficou sem entender o que estava acontecendo. Mais a frente, percebeu duas silhuetas que caminhavam na mesma direção que ela, cada uma vindo de um lado diferente. Pelas suas contas não demoraria muito para que se encontrassem, então continuou a caminhar tranquilamente, sem se apressar... logo poderia descobrir quem eram as pessoas em questão. Uns cinco minutos de caminhada depois as três pessoas se encontraram. E qual não foi a surpresa quando perceberam que eram as três amigas de aventuras passadas... e o mais estranho... estavam vestidas com suas roupas de vaqueiras, cinturão, revolveres, chicote e tudo o mais. A surpresa no rosto das três era legítima. Afinal, fosse lá o que fosse que estava acontecendo, de normal não tinha nada...
- Rosa...
- Oi, Graça...
- Maria... a ...
- Maria, não, Graça... agora é somente Izabel...
- Onde estamos?
- Não sei... eu estava indo para a cozinha, tomar água... e vocês?
- Eu estava dormindo na minha cama... de repente acordei aqui...
- Eu estava andando pela cidade... ia pegar um bonde, para ir para casa... e, de repente...
- Meninas, definitivamente isso não é normal...
- Não, não é...
- Olha, estou muito feliz em te rever, Graça... mas, sinceramente, não era assim que eu esperava te reencontrar...
- Acho que nenhuma de nós, não é mesmo, Rosa?
- Com toda certeza...
E as três ficaram ali paradas, olhando uma para a outra, tentando entender o que estava acontecendo...
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